Mais sobre o Futuro da Educação
Após ler as reflexões sobre a Educação do Futuro (Como serão as aulas nos próximos anos), do professor José Moran, e de promover, ver e ouvir outros debates a respeito deste tema, me senti imbuido em trazer também algumas reflexões complementares. Se ainda não leu o artigo do grande professor José Moran, sugiro que primeiro leia lá através deste link e depois aqui. Se quiser ouvir outras vozes, não deixe de ouvir e assistir o podcast Conversas Transformadoras, do Instituto Significare, do qual tenho a honra de ser o apresentador (e provocador). No Conversas Transformadoras, debatemos de forma propositiva e aberta com educadores, cientistas e estudantes a respeito de como podemos (e devemos) transformar o aprendizado.
Este é um assunto muito especial para mim, que trabalho com tecnologias ligadas à aprendizagem humana desde 1996 e que reflito e procuro debater de forma séria e profunda os possíveis cenários ligados à forma como as pessoas irão aprender para suas vidas, pessoais e profissionais. Os pontos que trago não são meramente minha opinião ou minha vontade, mas resultado de observação cuidadosa e cautelosa do que vem acontecendo na sociedade, fazendo uma projeção de futuro possível, num exercício de cenarização.
Antes dos pontos mais específicos, é importante ressaltar que o aprendizado humano e a educação estão passando por um ponto de inflexão importante na história da humanidade. Os modelos industriais existentes não terão ambiente para subsistir com tanta força mais, não por conta da decisão de uma pessoa, de um líder, de uma empresa ou de um governante, mas pela imposição das mudanças da própria sociedade, hiperconectada e digital. Com este pano de fundo, mais as reflexões do professor Moran, coloco estes pontos abaixo.
Toda aula expositiva será "gravada" pelos maiores especialistas do mundo. Os estudantes terão aulas de administração com o Peter Drucker, de física com o Albert Einstein, de Economia Brasileira com o Celso Furtado, de matemática com Carl Gauss e de tecnologias na educação com o professor José Moran! ;) Estas aulas estarão disponíveis no idioma de cada um, e os estudantes poderão debater com os avatares destes grandes pensadores criados por inteligência artificial, em vídeo, numa chamada de teleconferência, em tempo real. Estes professores terão milhões de alunos, espalhados pelo mundo todo. Para este tipo de aula expositiva, os estudantes não terão que ir para os espaços de aprendizagem, se deslocando de suas casas ou do trabalho, pois estas aulas poderão ser assistidas em qualquer lugar, a qualquer hora, em vários dispositivos, em várias mídias. Este cenário será mais forte na educação básica, nos últimos anos e na superior. Na educação básica, nos primeiros anos, continuaremos com as escolas, professores, cadernos, lápis de cor e todo o contexto que estamos acostumados, naturalmente adicionando a evolução de tecnologias digitais, como complemento às atividades presenciais nos espaços de aprendizagem.
A aprendizagem virtual estará disponível de graça para toda a humanidade. Estas aulas "gravadas" com estes grandes especialistas serão ofertadas a todos, indistintamente. Num dos cenários possíveis, a educação, da básica (últimos anos) até a superior, tal qual conhecemos, deixará de ser um negócio para se ganhar dinheiro. Haverá espaço para se ganhar dinheiro com aprendizados mais específicos sobre assuntos super especializados, mas ainda com altíssimo uso de tecnologias digitais. Há um outro cenário possível, onde a educação básica e universitária será ofertada por empresas com um alto grau de qualidade. Caso este cenário vigore, pode haver sim oportunidade para a iniciativa privada no mundo da educação formal. No contexto da educação corporativa, surgirão novas oportunidades em escalas cada vez maiores, sem depender do cenário que irá prevalecer.
Aos governos, uma das principais tarefas no sentido de educar seus cidadãos será a de dar conectividade e equipamentos para os mais necessitados. Outra tarefa importante será a de produzir e promover este ecossistema de aprendizagem aberto, plural, gratuito e dinâmico. E também de pesquisar continuamente e investir em tecnologias que aumentem a capacidade de formar o maior número de pessoas com qualidade e na profundidade que a sociedade precisa.
Estudantes, de forma espontânea, farão grupos de estudos, guiados por sistemas que os ajudarão a definir metas, algumas comuns aos grupos que participarão e outras individuais.
Os estudantes irão fazer avaliações online e automatizadas de várias formas, não somente através de provas. Ao passarem nos níveis, se habilitarão a participar dos laboratórios e de encontros presenciais nos campus das escolas e universidades. Essa habilitação se dará pelo desempenho e auto-disciplina de cada um em seus estudos individuais e coletivos. Aqueles que perceberem que não têm disciplina para aprenderem sozinhos, caso queiram, terão ajuda virtual para que aprendam a tê-la. Aliás, ter disciplina continuará sendo uma das habilidades mais importantes para todas as pessoas. O fato de terem que passar por processos de avaliação para se habilitarem a participar de laboratórios e encontros presenciais não impedirá os estudantes de irem aos campus quando quiserem, pois serão espaços abertos e acessíveis.
Aprender acontece e acontecerá para além dos processos formais da educação, ao longo da vida, enquanto se vive, no caminho, na rua, no trabalho, na família, na diversão, em casa, nos espaços de aprendizagem da vida, em qualquer situação que se queira, tal qual escrevi em 2008 no livro "Mobile Learning, while I live, I learn" junto a outros dois autores: Prof. Paul Lefrere, da Open University de Londres e a pesquisadora Rosaurea Magalhães.
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Reter o que se aprende será tão importante quanto o próprio aprender. Para isso, tecnologias digitais também estarão presentes. É impossível, pelo menos a partir do que a ciência sabe do cérebro hoje, reter na memória, nas sinapses, todo o conhecimento ao qual estamos e estaremos expostos. É e será necessário um mecanismo para se guardar os "lifelong contents" que nos ajudarão a performar em alto nível, para sempre. Estes conteúdos para toda a vida estarão disponíveis no smartphone, ou no smartwatch, ou no equipamento digital que irá conectar as pessoas com o ciberespaço. O conteúdo para toda a vida que cada um de nós irá guardar estará ligado com as instituições e professores/mentores que nos ajudaram na jornada do aprender. As pessoas irão relembrar o que aprenderam na mesma abordagem na qual aprenderam. Ninguém vai querer ficar pesquisando de novo para voltar a aprender um conteúdo ou habilidade que já tiveram no passado. Mesmo que seja fácil de encontrar o portal, o sistema, a gamificação ou a realidade aumentada que a ajudou a aprender, ninguém vai reassistir a aula ou jogar o jogo de novo para aprender, simplesmente porque as pessoas não terão tempo e também porque não irão querer passar pelo processo de novo. Elas somente vão querer acessar resumos do aprendizado para relembrarem o que já aprenderam antes. É o que eu chamo de lifelong content. Isso deverá estar organizado em seus smartphones, acessível em 3 toques, imediatamente, rápido, fácil, orgânico.
As micro certificações serão importantes para mostrar por quais caminhos de aprendizagem passamos, mas não serão importantes para demonstrarem o real saber das pessoas. Quantas certificações micro nós já temos e que não provam que sabemos aquilo que está no documento, ou porque são muito antigos (e não lembramos de mais nada), ou porque não sabemos exatamente como a instituição que emitiu os certificados avaliou o saber das pessoas. Um pode ter um microcertificado de técnicas de apresentação, outro pode ter outro microcertificado sobre como fazer anamnese. Muito bom saber que já passaram pelos cursos com referidas certificações, mas o que vão demonstrar no dia-a-dia do trabalho em si é que vai realmente certificar que sabem aquelas habilidades.
Todos (que quiserem) terão acesso à universidade pública e gratuita. Isso por conta da questão apresentada acima, onde as aulas expositivas serão ofertadas em larga escala, mas também por conta da transformação dos espaços de aprendizagem. Hoje temos muitas salas de aula e poucos laboratórios. No futuro, a maioria dos espaços nas escolas e universidades será de laboratórios e teremos poucas salas de aula. A proporção que conhecemos hoje irá se inverter.
Ainda haverá salas de aula e aulas tradicionais, mas para um grupo pequeno de estudantes que preferirão aprender assim. Ao longo do tempo, esta modalidade será cada vez mais rara, até se extinguir totalmente. A sala de aula e a própria aula tradicional, expositiva, ficará na história da humanidade, serão peças de museu e nossos netos ficarão abismados como as pessoas aprendiam na época dos antepassados deles. E nós iremos dizer a eles: "não negligencie a forma como aprendíamos, pois foi aquela modalidade que tornou possível estarmos onde estamos hoje".
E o professor? Como ficará o papel dele num contexto tão diferente? Provavelmente serão os arquitetos destes processos virtuais de aprendizagem. Serão os líderes dos grupos de aprendizagem nos laboratórios presenciais. Serão os engenheiros do aprendizado mediado por tecnologia e por pessoas, não para 15, 30 ou 45 alunos numa sala de aula, mas para milhões de pessoas ao redor do mundo. Terá espaço para todos os professores de hoje? Não dá pra saber. Existem ainda muitas mudanças acontecendo. Mas, muitos dos professores de hoje já estarão aposentados. Tantos outros mudarão de emprego. E muitos serão os grandes promotores do aprender humano, por trás de máquinas, de processos, de laboratórios e de instituições.
Concordo com o professor Moran que a Educação é o encontro entre pessoas que aprendem juntas. Mas as pessoas também aprendem sozinhas e juntas em processos que não são chamados formalmente de educação. Em conversas com amigos, em desafios da vida, em momentos difíceis, em momentos de dor em família, em situações de vitórias, em dias de treino e em dias de jogos, em viver e conviver, em explorar e em se aventurar. Aprendemos na nossa necessidade de buscar o pão de cada dia e na necessidade do ócio, da diversão, das risadas gostosas em família. Aprendemos nas nossas necessidades mais básicas, com a natureza e com a percepção dos nossos limites. Aprender é não querer ficar no mesmo lugar. Através da educação, entramos em processos de aprendizagem mais estruturados. Mas o aprender está na vida, de forma estruturada ou não. As tecnologias estão entrando em todos estes momentos, nos estruturados e nos não estruturados, nos fazendo companhia na nossa inquietação pelo saber e pelo saber fazer. E isso não acontece somente nas escolas e universidades. Quanto mais entendermos isso, enquanto sociedade do conhecimento, mais rápido e mais longe iremos, mesmo que queiramos ficar no mesmo lugar (físico).
O objetivo aqui é trazer mesmo provocações, outros olhares, percepções. Edward O. Wilson, famoso sociobiólogo americano, disse que "a humanidade é emoções paleolíticas, instituições medievais e tecnologias divinas". Nem acho que as tecnologias sejam tão divinas assim, ainda temos muito o que melhorar. Talvez ele quisesse dizer que a humanidade é composta por pessoas com emoções paleolíticas, em instituições medievais e usando e desenvolvendo tecnologias que buscam ser divinas (ser muito boas, maravilhosas)". No contexto da educação, nos dias de hoje, eu parafrasearia o senhor Wilson da seguinte forma: a humanidade é composta por pessoas com emoções paleolíticas, às vezes fortes demais (mas que são legítimas), professores e estudantes, todos aprendizes; que estão conectadas em instituições medievais, lentas em evoluir, tradicionalistas por natureza, travadas em seus modelos de negócios, mas amedrontadas com a inflexão que se avizinha à nossa frente, algumas se transformando, outras fechando; usando tecnologias que não são divinas, que tem muito a melhorar, mas que já surpreendem muita gente e que irão surpreender muito mais.
Minha esperança é que consigamos aprender cada vez mais e melhor para chegarmos onde quisermos ir e para conviver num mundo mais inteligente, com mais paz e com qualidade de vida para todos. Só quero isso mesmo.
Foto de Kelly Sikkema na Unsplash
Professor, escritor e palestrante sobre educação humanista transformadora, criativa, aberta e digital
1 aRobson: bm retomar nsossas converss, agora através dos textos. Estamos em sintonia na visão e em alguns caminhos para a aprendizagem nos próximos anos. Há uma distância entre tantas novas possibilidades e nossas limitações pessoais, organizacionais e como sociedade. A evolução na educação formal é mais lenta, mas está se acelerando, de forma diferente. A autoaprendizagem é realizada de forma muito desigual. Muitos só se distraem e fecham em suas bolhas e visões estreitas. Há um grande desequilíbrio entre tantas possibilidades e a realidade concreta mais lenta e precária do desenvolvimento humanista e sustentável. Abraço. José Moran.
Diretor para a Europa na Midiacode | Presidente Emblaze Brasil
1 aSimplesmente maravilhoso o artigo Robson Lisboa. A frase "a humanidade é emoções paleolíticas, instituições medievais e tecnologias divinas" reflete na perfeição o nosso status. Devemos acreditar que o movimento do balanço gerado pelas tecnologias divinas nos leve em direção a instituições mais humanas e emoções mais afetivas. Parabéns!!!