Mas, afinal, a Reforma Trabalhista é péssima ou ótima? Existe meio-termo?
A Reforma Trabalhista aprovada pela Câmara dos Deputados (PL nº 6.787/2016) e ora encaminhada ao Senado Federal (PLC nº 38/2017) é dotada de incontestável relevância na vida de qualquer brasileiro. Em função disso, assuntos a ela pertinentes são praticamente uma constante nos noticiários nacionais e, até mesmo, nas mais despretensiosas rodinhas de conversa entre amigos.
Por certo, a repercussão do tema é também impulsionada pela voraz defesa de posicionamentos sustentada por sindicalistas e empresários, estes que amam a proposta legislativa e aqueles que a odeiam. Nesse contexto, critérios e interesses pessoais acabam por influenciar pessoas simpatizantes de determinada ideologia no tocante aos efeitos favoráveis ou desfavoráveis que podem ser proporcionados caso sejam aprovadas as medidas.
Mas afinal, no que consiste a Reforma Trabalhista? Será que ela gera a precarização ou a modernização das relações de trabalho? Será que estimulará a competitividade e culminará em mais ofertas de emprego ou facilitará demissões e a contratação em condições mais gravosas ao trabalhador? Seria ela o céu ou o inferno? Péssima ou ótima?
Para responder a esses questionamentos, precisamos aguçar nosso senso crítico ao interpretar os principais pontos que podem ser reformados. Assim, para que prevaleça o critério técnico-jurídico aliado ao bom senso, vale analisarmos de maneira pontual no que consistem as principais alterações no âmbito do Direito Material do Trabalho e quais seriam seus prováveis efeitos práticos. Assim, vejamos:
TRABALHO EM REGIME PARCIAL
O QUE É: tipo de trabalho no qual não se praticam todas as horas de uma jornada de trabalho em tempo integral, razão pela qual os salários podem ser pagos de maneira proporcional ao salário mínimo e, portanto, inferiores a este.
ATUALMENTE: permitido no máximo 25 horas semanais, vedada a realização de horas extras.
PROPOSTA: máximo 30 horas semanais. Será permitida a realização de até 6 horas extras quando a jornada de trabalho não ultrapassar 26 horas semanais.
EFEITO PRÁTICO: pessoas que trabalharem até 30 horas semanais, por ser considerado regime parcial, poderão receber de maneira proporcional ao salário mínimo, o qual observa o regime de 8 horas diárias e 44 horas semanais.
NEGOCIADO SOBRE O LEGISLADO
O QUE É: refere-se à possibilidade de disposições pactuadas em uma negociação coletiva prevalecerem sobre a lei.
ATUALMENTE: é possível a prevalência do negociado desde que seja mais benéfico ao empregado.
PROPOSTA: tornar possível de maneira ampla (exemplo: alteração de percentuais dos adicionais previstos em lei, diminuição de intervalo intrajornada, entre outros).
EFEITO PRÁTICO: caso aprovada esta medida, os sindicatos dos empregados precisarão representar efetivamente sua categoria, para que os direitos e interesses dos representados permaneçam resguardados, sob pena de submeter os trabalhadores a uma condição de vulnerabilidade, visto que será possível a extinção ou redução de garantias legais por intermédio da negociação coletiva.
SALÁRIO
O QUE É: parcela recebida pelo empregado correspondente à contraprestação pelos serviços prestados e sobre a qual incidem encargos trabalhistas e previdenciários.
ATUALMENTE: o conceito de salário é abrangente, o que faz aumentar a incidência de encargos trabalhistas e previdenciários no valor recebido pelo obreiro.
PROPOSTA: tornar menos abrangente, de forma que algumas verbas (como ajuda de custo, abonos, gratificações) serão tidas como indenizatórias, e não salariais.
EFEITO PRÁTICO: haverá redução de encargos. Por um lado, poderá proporcionar aumento salarial ao empregado por ser menos oneroso ao empresário (o dinheiro seria destinado diretamente ao empregado, sem recolhimento de tributos); por outro, a tendência de manter o salário base mais baixo para pagar menos encargos afeta diretamente na Seguridade Social do empregado, vez que contribuirá com a Previdência sobre um valor menor àquele que corresponde de fato ao seu padrão financeiro.
BANCO DE HORAS
O QUE É: sistema de compensação de jornada de trabalho que viabiliza o acréscimo da jornada de trabalho em determinados dias desde que haja posterior redução compensatória e vice-versa.
ATUALMENTE: pode ser implementado apenas por Convenção Coletiva de Trabalho (pactuada entre os sindicatos dos empregados e dos empregadores), com o período máximo de 1 ano para que ocorra a compensação da jornada.
PROPOSTA: pretende-se viabilizar a adoção do Banco de Horas mediante acordo individual firmado diretamente pelo empregado e empregador, com o período máximo de 6 meses para compensação.
EFEITO PRÁTICO: pode ficar a cargo de cada empresário decidir se quer ou não valer-se do sistema de Banco de Horas, vez que o empregado dificilmente se oporá ao acordo.
QUITAÇÃO ANUAL PERANTE SINDICATO COM EFICÁCIA LIBERATÓRIA GERAL
O QUE É: meio pelo qual um sindicato certificaria, na presença do empregado e empregador, o adimplemento de todas as obrigações trabalhistas no transcurso de um ano de contrato de trabalho, de maneira que o empregado não poderia reclamar em Juízo posteriormente pela não percepção das verbas devidas.
ATUALMENTE: não existe.
PROPOSTA: pretende-se a implementação deste sistema.
EFEITO PRÁTICO: obstaria o objeto de diversas Reclamatórias Trabalhistas, uma vez que o empregador traria consigo em Juízo a quitação fornecida pelo sindicato. Ocorre que esta prática esbarraria no Princípio da Inafastabilidade do Controle Jurisdicional, por impedir que a preservação de direitos seja apreciada judicialmente, razão pela qual pode ser retirada da proposta pelo Senado Federal.
TELETRABALHO
O QUE É: modo de trabalho realizado à distância (fora do ambiente da empresa) ou em domicílio, de maneira integral ou periódica, pelo uso de tecnologias móveis.
ATUALMENTE: a jurisprudência debate a atribuição dos mesmos direitos ao empregado que desempenha suas funções na empresa, mas esbarra na dificuldade de controlar a jornada de trabalho praticada.
PROPOSTA: pretende-se obstar direitos relativos à jornada de trabalho, como a hora extra, por exemplo.
EFEITO PRÁTICO: o empregado terá o controle de sua jornada, podendo trabalhar na hora que melhor lhe convier desde que cumpra as diretrizes impostas pelo seu empregador. O possível problema reside na aplicação de metas inalcançáveis ao trabalhador, hipótese na qual, mesmo sem estar na empresa, não conseguiria se desligar do trabalho. Mesmo assim, o teletrabalho representa uma boa solução para grandes cidades, em que o empregado despende horas do seu dia apenas em deslocamento.
CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE
O QUE É: refere-se à alternância de períodos entre prestação de serviço e inatividade do empregado.
ATUALMENTE: não está previsto no ordenamento justrabalhista. Quando ocorre, é comum que o empregado pleiteie o reconhecimento em Juízo da unicidade contratual, isto é, que seja considerado empregado desde sua primeira contratação até a última rescisão.
PROPOSTA: poderá ser estipulado mediante contrato escrito. Com três dias de antecedência o empregador informará ao empregado sobre a jornada a ser realizada no período respectivo.
EFEITO PRÁTICO: traz flexibilidade ao empresário por possibilitar a contratação de trabalhador quando for oportuno, conforme a demanda de seu empreendimento. Ao empregado facilita que trabalhe para diversos empregadores em alternância, contudo pode sujeitá-lo à vulnerabilidade por fragilizar o seu padrão financeiro, uma vez que estará submetido a eventuais contratações, que podem ou não ocorrer.
HORAS “IN ITINERE”
O QUE É: é o tempo considerado à disposição do empregador gasto pelo empregado para deslocar-se ao local de trabalho.
ATUALMENTE: empregado faz jus ao pagamento das horas “in itinere”, como se fossem horas trabalhadas, quando o local de trabalho for de difícil acesso ou não servido por transporte público regular e houver o fornecimento da condução pelo empregador.
PROPOSTA: deixará de existir o direito ao pagamento das horas despendidas no deslocamento.
EFEITO PRÁTICO: mesmo quando o local for de difícil acesso ou não servido por transporte público, as horas de deslocamento não serão pagas como horas trabalhadas, assim como ocorre na maioria dos casos de trabalho em área urbana.
REGIME 12x36
O QUE É: jornada de trabalho na qual o empregado trabalha por 12 horas (com intervalo para alimentação e descanso) e "folga" por 36 horas. De modo simplificado: trabalha dia sim, dia não, realizando jornada de 12 horas.
ATUALMENTE: não previsto em lei, mas convencionado em algumas negociações coletivas (exemplo: funcionários de hospital, vigilantes) e aceito pela jurisprudênca.
PROPOSTA: será legitimado por lei e poderá ser implementado em quaisquer atividades laborais.
EFEITO PRÁTICO: qualquer trabalhador poderá trabalhar num dia e folgar no outro subsequente, o que viabiliza a realização de outras atividades, sejam a trabalho ou a lazer. Vale frisar que muitos noticiam que a reforma pretende ampliar a jornada de 8 para 12 horas, entretanto, como visto, não significa que haveria o trabalho diário em jornada estendida, mas sim alternado com repousos.
FRACIONAMENTO DE FÉRIAS
O QUE É: trata-se da divisão do gozo das férias em diferentes períodos ao longo do ano.
ATUALMENTE: excepcionalmente permitido o fracionamento em 2 períodos, nunca inferiores a 10 dias, sendo que menores de 18 e maiores de 50 anos devem, obrigatoriamente, gozar das férias em único período, isto é, para eles é proibido o fracionamento.
PROPOSTA: permitir o fracionamento em 3 períodos para pessoas de qualquer idade, desde que um dos períodos seja maior ou igual a 14 dias e os demais correspondam a 5 dias ou mais.
EFEITO PRÁTICO: empregados de qualquer idade poderão negociar com o empregador o gozo das férias em três diferentes épocas do ano, caso queiram. Se porém, preferirem gozar das férias de uma só vez ou fracionar em duas parcelas, isso continuará sendo possível.
EQUIPARAÇÃO SALARIAL
O QUE É: trata-se do direito do empregado de receber o mesmo salário que outra pessoa que exerce funções idênticas as suas, desde que seja funcionário do mesmo empregador, haja menos de 2 anos de diferença na mesma função, não haja Plano de Cargos e Salários e o trabalho seja prestado na mesma localidade.
ATUALMENTE: o conceito de "mesma localidade" consiste na mesma Região Metropolitana, pois entende o TST que nesses casos os empregados estão submetidos ao mesmo custo de vida.
PROPOSTA: “mesma localidade” se limitará ao mesmo estabelecimento empresarial.
EFEITO PRÁTICO: empresas com várias filiais poderão definir um padrão salarial para cada uma delas, inclusive conforme sua lucratividade.
“PEDIDO” DE DEMISSÃO
O QUE É: ato do empregado por meio do qual comunica ao seu empregador a intenção de extinguir o vínculo laboral entre eles existente.
ATUALMENTE: é obrigatória a homologação da rescisão no Sindicato da categoria respectiva quando o contrato de trabalho perdurar por mais de 1 ano.
PROPOSTA: não ser mais obrigatória a homologação sindical.
EFEITO PRÁTICO: aumenta-se o risco de judicialização, uma vez que poderá ser alegado em Juízo que o empregado foi coagido a pedir demissão, o que culminaria no pleito de reversão do pedido de demissão em dispensa sem justa causa com a condenação da empresa ao pagamento das verbas rescisórias pertinentes.
ADICIONAL DE INSALUBRIDADE
O QUE É: é a parcela salarial acrescida à remuneração do empregado pelo exercício de suas funções em ambiente de trabalho nocivo a sua saúde.
ATUALMENTE: o adicional é pago em diferentes graus (10%, 20% e 40%), conforme determinado em lei.
PROPOSTA: o grau a ser pago poderá ser convencionado em negociação coletiva de trabalho.
EFEITO PRÁTICO: será extinto um problema frequentemente debatido em ações trabalhistas, que consiste no enquadramento de atividades como insalubres. Ocorre que, a grosso modo, empregados tentam configurar que as funções por ele desempenhadas conferem-lhe o direito ao pagamento de adicional em grau máximo, enquanto os empregadores pretendem, quando muito, o pagamento em grau mínimo. Com a possibilidade de pactuação do adicional em instrumento coletivo, para averiguar o grau devido, poderá diminuir controvérsias desta natureza e em muitos casos não será necessária a realização de perícia técnica (que costuma onerar a empresa ou a União).
Assim, como se pode constatar, parece um pouco desarrazoado afirmar que a Reforma Trabalhista representa uma total afronta aos trabalhadores, tampouco que ela por si só representa a solução para todos os problemas trabalhistas, que modernizará as relações de trabalho e gerará empregos. De igual sorte, no meu entender, não deve ser taxada a Proposta de Lei em tela como péssima ou ótima, como querem alguns.
Em contrapartida, é certo que a Reforma poderá trazer inovações e alterações legislativas realmente expressivas na vida de empregados e empregadores, de sindicalistas e de empresários. Por esse motivo, é imprescindível que todos nós realizemos uma análise ponderada sobre as disposições de forma neutra e crítica, para aferir precisamente quais serão os reais impactos delas decorrentes. Afinal, quem não forma a própria opinião é formado pela dos outros, assim como quem não se posiciona, acaba por ser posicionado.
Por fim, destaco que o escopo deste artigo é elencar simplificadamente os principais e mais polêmicos aspectos da Reforma Trabalhista relacionados ao Direito Material do Trabalho, sem o condão de formar qualquer juízo de valor, mas sim viabilizar ao leitor que o forme. Esclareço ainda que serão objetos dos próximos artigos, dada a sua relevância, os temas que tocam ao Direito Processual Trabalhista, bem como a polêmica extinção da contribuição sindical obrigatória e o papel dos Sindicatos. Então, até lá!
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João Lucas Cortez Branquinho.
Advogado, pós-graduando em Direito Material e Processual do Trabalho e Direito Previdenciário, e Coachee (Analista Comportamental, Executive Coaching, Palestrante Coach, Líder Coach e Life Coach).
Advogado I Especialista em Direito Tributário I Sócio na Marques, Martins e Assunção Advogados Associados
7 aMuito bom!