Medindo o acesso à moradia nas cidades brasileiras: rumo a um indicador efetivo

Medindo o acesso à moradia nas cidades brasileiras: rumo a um indicador efetivo

Em nossa coluna anterior, iniciamos a discussão sobre o monitoramento das estratégias urbanas de nossas cidades. Observamos que, apesar dos planos diretores geralmente preverem instrumentos para esse fim, são raros os casos em que tais instrumentos são de fato elaborados e disponibilizados publicamente. Mais raro ainda são os casos em que eles são realmente efetivos, visto que isso depende do monitoramento ser eficiente e eficaz tanto no início, quanto no decorrer do processo de planejamento.

O Indicador de Acesso Habitacional é a primeira iniciativa criada por nós intencionando contribuir para um planejamento estratégico orientado à ação. Ele mostra o quanto as famílias das capitais brasileiras, em média, precisam dedicar de sua renda mensal para financiar a compra de um imóvel na cidade em que habitam. Monitorando continuamente esse atributo – e sabendo que 30% da renda mensal é o quando uma família pode dedicar a um financiamento sem sacrificar sua saúde financeira – é possível avaliar quando as habitações se tornam caras demais para a população local e agir para amenizar a situação.

Esse tipo de monitoramento, se realizado para diversas áreas, permite evidenciar quando um Plano Diretor precisa ser revisado. Atualmente, os municípios são obrigados a rever seus planos apenas a cada 10 anos; porém, se for demonstrado que a cidade possui problemas que as estratégias previstas anteriormente não são capazes de solucionar, o intervalo de uma década pode gerar desencaixes severos entre as demandas e a ação efetiva. Assim, instrumentos que evidenciem quando um plano se tornou defasado – e quando novas estratégias devem ser traçadas – trabalham em prol da responsividade.

Na prática, o Indicador de Acesso Habitacional foi elaborado de modo que seus valores estejam associados às possíveis ações que as equipes de planejamento urbano municipal precisam tomar para reverter eventuais cenários negativos. Isso significa que, se o valor do indicador está alto, as moradias da cidade estão acima do preço que a população pode financiar e, portanto, sabe-se que é preciso incentivar o aumento da oferta habitacional – por meio da flexibilização de índices construtivos, aumento do perímetro urbano, incentivos como o imposto de renda negativo – ou dar subsídios para aumentar o poder de compra de determinados estratos populacionais. 

Tal conexão direta entre os dados monitorados e as possíveis respostas do poder público cria uma espécie de repertório de soluções possíveis, tornando mais transparente a ação da administração municipal. Isso também tem o potencial de facilitar a manutenção de políticas urbanas de médio e longo prazo, uma vez que, ao estabelecer de antemão a forma como o poder público irá agir, pode evitar eventuais discussões supérfluas e intermináveis.

A metodologia do Indicador de Acesso Habitacional está em fase experimental, de modo que pretende-se atualizar seus resultados trimestralmente durante este ano. Também estão em elaboração indicadores de outros quatros temas relevantes para o espaço urbano – mobilidade, trabalho, meio ambiente e infraestrutura, identidade e paisagem – os quais irão contribuir para expandir os instrumentos de monitoramento das cidades brasileiras, servindo de modelo para como as prefeituras podem ativar seus mecanismos de gestão, gerar dados sobre a eficiência do planejamento urbano para utilizarem como fundamentação para a produção de novos Planos Diretores ou outros instrumentos de ordenamento do território.

Sabemos que a cidade contemporânea requer um sistema de planejamento no qual o protagonismo está na gestão. Entendendo a cidade como um sistema causal, precisamos planejar para criar um sistema que se movimente em bases de ação azeitadas. Temos aqui a oportunidade de agir com eficiência, tendo como recurso o conhecimento, a tecnologia e o acesso aos dados, sendo eficazes ao aplicar fundamentos básicos de economia urbana ao contexto de cada cidade e de sua população, para então termos a possibilidade de agir efetivamente, com transparência e agilidade.


Texto de autoria de Luciana Marson Fonseca e Guilherme Kruger Dalcin, originalmente publicado na coluna do Instituto Cidades Responsivas no Caos Planejado em 20 de fevereiro de 2024. Confira o texto original aqui.


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