Mente sempre aberta para aprender
Imagem criada com auxílio do ChatGPT

Mente sempre aberta para aprender

Quando me mudei para Campinas para empreender a Inventta, tive a oportunidade de realizar um sonho que, por pouco, não se tornou um pesadelo.

Um sonho guardado

Nascido e criado por um pai professor de Química e uma mãe professora de Física, não era de se admirar que a Engenharia fosse uma opção natural de carreira para mim. Além da curiosidade e aparente vocação para desmontar e montar coisas – quase sempre com algum parafuso sobrando –, ficou em minha mente a recomendação de minha falecida mãe de que eu deveria me formar em Engenharia Mecatrônica, curso que havia sido recentemente criado na Universidade de São Paulo e na Universidade Estadual de Campinas .

Bem, como todo adolescente, sonhei.

Sonhei com a possibilidade de estudar nas melhores universidades do Brasil. No meu caso, parecia que Campinas seria um ambiente menos inóspito para um mineirinho medroso do interior, e era de longe a minha preferência. Mas o fato é que a vida me levou a trilhar outro caminho, e acabei cursando Mecatrônica como aluno da primeira turma da PUC Minas . Assim, a Unicamp passou a ficar ali, no cantinho onde guardamos nossos sonhos.

Sonho ou pesadelo

Um salto no tempo de cerca de 10 anos, e lá estou eu, me mudando para Campinas para empreender a Inventta . Finalmente, eu iria conhecer a Unicamp. Tínhamos vendido um projeto para implementar um programa cujo objetivo era avaliar tecnologias em estágio de bancada para entender se havia oportunidade de negócio no conhecimento que estava sendo gerado.

Naquela época, lá pelos idos de 2005, nossa atuação era junto às universidades, tentando incutir no ambiente acadêmico um pouco do DNA empreendedor. Enxergávamos muitas oportunidades de negócio nas bancadas dos laboratórios da academia e, sem despertar a cultura empreendedora nesse ambiente, seria impossível promover a transferência tecnológica e a geração de negócios de base tecnológica – nosso principal objetivo.        

Fomos muito bem recebidos pelo time da Inova Unicamp - Agência de Inovação da Unicamp . Conheci vários laboratórios e, para promover a participação dos pesquisadores no programa, fui convidado a fazer uma palestra no auditório. Devia haver cerca de 20 pessoas ali. Comecei a minha palestra, me apresentei, apresentei a Inventta – que, na época, se chamava Instituto Inovação Consultoria –, e, cerca de dois minutos após o início da minha exposição, um retardatário entrou na sala e se sentou no fundo do auditório. Ele esperou três minutos, levantou-se e, sem titubear, iniciou comigo a seguinte conversa:


— Desculpe, cheguei um pouco atrasado. Quem é você? – perguntou o retardatário.

— Oi, sem problemas, posso me apresentar novamente. Sou o Bruno Moreira, empreended...

(Fui bruscamente interrompido)

— Não, não. Quero saber o que você é!

(Momento de tensão... estava tentando entender a intenção da pergunta)

— O que eu sou? Bem, eu sou engenheiro mecatrônico...

— Ah, tá, então você é formado aqui na Unicamp.

— Não! Sou engenheiro mecatrônico formado pela PUC... de Minas!

— Ah, tá.

(Ele se sentou novamente, esperou um minuto, levantou-se e saiu da sala).


Uma nuvem cinza pairou sobre o auditório. O constrangimento era notório, e, felizmente, mais para as pessoas que estavam ali para me ouvir do que para mim. Eu, na verdade, achei uma grande falta de educação. Percebi que, por eu não ter um título específico, aquele sujeito achava que não teria nada a aprender comigo.

Foi assim que comecei a entender melhor a cultura, por vezes medieval, da academia.

O constrangimento de uma das pessoas foi tanto que ela se levantou e me pediu desculpas pelo comportamento do sujeito. Aceitei, claro, e fizemos ali uma breve reflexão sobre a pequenez de algumas pessoas, que acham que não podem aprender com qualquer um.

Depois dessa experiência, vivenciei em outras interações com o ambiente acadêmico muitos olhares de desdém, questionamentos desconfiados sobre os conteúdos e estudos que produzíamos, além de um certo desprezo pelo nosso currículo.

Mas por que resolvi contar essa história?

Resolvi contar porque, depois de 20 anos, consigo ver claros sinais de que essa realidade está mudando.

Com cada vez mais frequência, encontro acadêmicos e pesquisadores com a mente mais aberta, mais curiosos em aprender e, sobretudo, abertos a ouvir genuinamente o que o outro tem a ensinar (para citar e homenagear alguns da minha rede Marcelo Knobel , Antonio José Roque da Silva , Marco A. P. Lima , Dario Sassi Thober , Cylon Gonçalves)

O curioso é que esses pesquisadores ou acadêmicos que conheço e que têm essa postura mais aberta são sempre muito competentes, referências em suas áreas de atuação. Causa ou efeito? (rs.)

Com você, acadêmico ou não, compartilho meu lema: sempre podemos aprender com o outro, seja ele mais novo ou mais velho, mais pobre ou mais rico, mais bonito ou mais feio, mais cruzeirense ou tristemente mais atleticano.
Rafael Augusto Seixas Reis de Paula

Inovação Aberta | Métodos Ágeis | Empreendedorismo | Transição Energética | Transformação Digital | Indústria 4.0 | Mobilidade Elétrica | ESG | Descarbonização

2 m

Que belo texto Bruno Moreira!!! Só trocaria a expressão "tristemente mais atleticano" por "alegremente mais atleticano"

Lilian Brandão

Gestão da Inovação | Desenvolvimento de novos Produtos e Serviços | Captação de recursos | Interface com Centros de Pesquisas | P&D&I | inovação de base científica

2 m

Interesante o seu texto. Qdo estamos no nosso habitat natural, digo pesquisador na universidade; empreendedor no seu círculo empresarial, militar no quartel, tendemos a ser menos receptivos aos “intrusos” na nossa área de domínio. Duvido que essa arrogância aconteceria fora da redoma onde o seu título não teria tanto significado. No mundo real somos sempre aprendizes.

Adair Rangel

Innovation Consultant | R&D | BASF

2 m

Bruno Moreira muito grato por compartilhar essa história. Similar ao que contou, ocorre nas indústrias brasileiras quando um doutor é contratado: muitos olham para ele e diz que se trata de um acadêmico que não entende da dinâmica de uma empresa. A pergunta que fazem é: você veio de qual empresa? Se não trabalhou em um empresa antes, seu conhecimento acadêmico não é relevante para o negócio. Lamentavelmente existe um preconceito de mão dupla entre indústria e academia.

Roberto dos Reis Alvarez

I simplify complexity and connect dots to create value | Chief Curiosity Officer

2 m

Boa história Bruno Moreira !!! Que mudem os tempos e as cabeças.

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