A cultura do "papo-reto"
Dissimulamos em prol de um bom relacionamento, de uma boa reputação, de uma imagem
O tempo vai passando, os cabelos brancos vão surgindo, e tem ficado cada vez mais claro para mim o quanto saber se relacionar com as pessoas é importante para se desenvolver na carreira, conquistar clientes e viabilizar projetos e negócios. Percebo que esses mesmos cabelos brancos têm me permitido falar menos, ouvir mais, observar as pessoas e perceber o quanto dissimulamos em prol de um bom relacionamento, de uma boa reputação, de uma imagem. Fingimos sentimentos, oferecemos sorrisos amarelos e omitimos opiniões para não desagradar o outro. Apesar de compreender que, às vezes, é necessário "rir da piada sem graça para não perder o amigo", há situações em que não ser autêntico, não emitir uma opinião sincera é completamente desnecessário, ou mesmo pode gerar um efeito negativo. Já vivenciei diversas situações desse tipo e, hoje, compartilho essa reflexão.
Há situações onde não ser autêntico, não emitir sua opinião sincera é completamente desnecessário
O consultor super-mega-blaster
No início da minha carreira de consultor, quando trabalhava em uma consultoria multinacional, mesmo que isso não estivesse escrito em nenhum manual de conduta, fui condicionado a demonstrar uma imagem de super-mega-blaster consultor, um "super-herói" que sabia de tudo, que era um dos maiores especialistas no tema objeto da consultoria — mesmo tendo, como "grande experiência no assunto", apenas a leitura de um artigo na madrugada anterior (sim, nessa época eu não valorizava minha saúde e era comum trabalhar 15 horas por dia, adentrando as madrugadas). Evitava-se, a todo custo, dizer "não sei" para o cliente. Era preciso dar um jeito, manter a pose. Afinal, o cliente estava pagando caro para ter nossos cérebros especialistas à disposição.
Somente alguns anos depois, quando já estava empreendendo um novo negócio — não por acaso, uma empresa de consultoria —, percebi que esse comportamento era desnecessário. A experiência que me permitiu processar esse aprendizado foi libertadora.
Eu posso dizer que não sei!
No início da Inventta precisei ministrar algumas palestras sobre conceitos, metodologias e práticas de inovação. Certo dia, em uma dessas palestras, uma pessoa da plateia fez uma pergunta relacionada ao tema que eu não sabia responder. Mas veja bem: não era uma questão de não saber responder com precisão ou bons argumentos; eu, de fato, não tinha a menor ideia do assunto. Embora o silêncio que precedeu minha resposta tenha durado não mais que três segundos, em minha mente passou um filme de pelo menos cinco minutos. Lembrei-me das inúmeras situações, na "vida de consultor", em que precisei inventar uma resposta convincente para zelar por minha reputação de especialista. Então, quase titubeando, desengasguei:
Não sei!
Imaginava que as pessoas estariam esperando que o consultor-palestrante, especialista super-mega-blaster em inovação, soubesse responder. Mas continuei: "Não sei. Não sei mesmo. Porém, comprometo-me a pegar seu contato no final da palestra, pesquisar sobre o tema e lhe dar uma resposta posteriormente."
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Naquele momento, aprendi que o direito de não ter que parecer saber tudo, de admitir e reconhecer minhas limitações, é uma ferramenta de empatia e autoconhecimento extremamente poderosa e transformadora.
Forçando a barra
Em outra ocasião, participei de um projeto de consultoria em que o cliente pagava "um caminhão de dinheiro" por cada consultor da equipe. Naturalmente, quanto maior o time, maior o faturamento — o que era benéfico para a consultoria. No auge do projeto, chegamos a ter quase 40 consultores no time. Após algumas semanas, começou a soar estranho: era gente demais.
Na época, eu ocupava uma posição de baixo escalão na hierarquia e não tinha muito acesso às instâncias de poder. Por isso, não posso afirmar com certeza, mas tive a impressão de que o sócio da consultoria sabia que não havia necessidade de tanta gente no projeto e deliberadamente escondeu essa informação. Ele queria aumentar a receita e "empurrou goela abaixo" um número de consultores que, para quem estava dentro do projeto, não fazia sentido. Não demorou muito para que o cliente percebesse. Organizou uma sabatina com cada consultor para entender o que cada um fazia.
O briefing do chefe para nós era: "Vocês precisam mostrar trabalho e justificar sua presença no projeto." Movido pelo ímpeto de manter meu emprego, fiz minha parte, mesmo sentindo um incômodo nó na garganta e uma pergunta insistente na mente: por que o sócio da consultoria não foi sincero com o cliente? Por que forçou a barra?
O desfecho foi que o time foi gradualmente reduzido, passando a não mais de 15 pessoas nas fases finais do projeto. Penso que a reputação da consultoria tenha saído arranhada após esse episódio. Decidi que não queria viver esse tipo de relação com meus clientes.
Desde então, reforcei meu compromisso de jamais forçar a venda de um serviço ou projeto que eu acreditasse que o cliente não precisasse de fato — mesmo que ele insistisse.
A cultura do papo-reto
Essas experiências profissionais, somadas a outras vividas no âmbito pessoal, como pai, marido e amigo, me levaram a reconhecer e valorizar a sinceridade nas relações. Chamo essa prática de "cultura do papo-reto". Pelo exercício do papo-reto, percebo que relações mais autênticas e sinceras são mais duradouras, mesmo que, no curto prazo, representem um projeto não vendido, um questionamento sobre nossa competência ou até um pequeno desentendimento.
Para reforçar essa cultura, ainda observo que, em muitas situações, uma opinião sincera, consciente e respeitosa pode abrir portas para enfrentarmos desafios e questões que, muitas vezes, preferimos evitar. No entanto, são justamente esses enfrentamentos que podem trazer as mudanças necessárias para sermos mais felizes.
Muito bom ter falado contigo, Bruno Moreira. Este é o artigo que eu achei que todos temos que ler para nos lembrar do que é realmente sustentável, que são os negócios baseados em confiança. Obrigado por ter investido (é investimento sim) o tempo para pensar e escrever.
Diretora de Operações na Isla Oficial
4 semExcelente Bruno! Reflexões importantes! Obrigada
Pesquisa e Desenvolvimento | Desenvolvimento de Produto | Gerenciamento de Projetos | Desenvolvimento de Negócios | Indústria Química | Indústria Petroquímica | Óleo e Gás
4 semExcelente texto, Bruno. Entendo ser muito difícil fazer Inovação verdadeira sem autenticidade. Obrigado por compartilhar.
Board Member / Innovation Expert / Intrapreneur / Researcher
4 semConhece o besouro rola-bosta? Ele é modelo para muita gente, que fica "enrolando meleca", ao invés de ir direto ao assunto e praticar a honestidade intelectual. Belo texto Bruno Moreira!
Director Mapa de Talentos - Organizational development Consultant - Applied Positive Psychology
4 semPara mim, a cultura do papo-reto é sinal de auto respeito e respeito pelos demais.