Mercado odontológico - Brasil X Portugal
Brasil X Portugal em números
Desde 2014, quando iniciei meus projetos em Portugal, faço comparações inevitáveis com o mercado odontológico brasileiro. As diferenças numéricas são gritantes – segundo o último relatório da Ordem dos Médicos Dentistas, haviam em 2017, 11.387 profissionais com inscrição ativa, ao passo que no Brasil, os dados registrados pelo Conselho Federal de Odontologia totalizam 312.444 profissionais ativos. O mercado relativo também é muito discrepante entre eles - no Brasil, a relação é de aproximadamente 670 habitantes/profissional, enquanto em Portugal, é de 1.153.
Características demográficas e socioculturais
Num primeiro momento, é fácil imaginar que o exercício da profissão é muito menos doloroso em terras lusitanas, contudo existem características demográficas e culturais que apontam para um encolhimento do mercado português.
Segundo dados do INE – Instituto Nacional de Estatística, Portugal observou, na última década, crescente parte de sua população emigrar. Somente em 2016, cerca de 31 mil habitantes deixaram as terras portuguesas rumo a outros países da União Européia, principalmente. Contudo, as emigrações que cresceram muito desde a crise com altos índices de desemprego (2011), tendem à estabilização, mas é fato que os regressos permanecem inferiores às saídas.
Vale ressaltar, que a maioria dos emigrantes é composta por pessoas sem nível educacional superior. Isso explica o arroxo das clínicas populares e a rejeição crescente observada em clínicas deste segmento no país. Em minha última turnê de trabalho, ouvi um diretor clínico de um renomado serviço dizer:
“O povo português rejeita cada vez mais as clínicas populares”.
No Brasil, o emprego e acesso ao crédito trouxeram níveis recordes de consumo à classe média, juntamente com um endividamento igualmente impactante. Clínicas que financiavam tratamentos (prática menos frequente em Portugal) sem juros e até mesmo no carnê, viram sua inadimplência crescer assombrosamente e o portfólio de serviços complexos e mais dispendiosos enxugou. Como consequência, houve um aumento da concorrência pelas contas conveniadas, clínica geral e ortodontia.
Também há muita saída de brasileiros rumo à outros países, sobretudo pela economia oscilante, desemprego e insatisfação política. Os principais destinos são EUA, Portugal, Espanha, Japão e Itália, nesta ordem. E essa emigração é crescente, saltando de 8.170 em 2011 para 21.236 em 2017 (declarações oficiais de saída). Entretanto, diante de uma população à casa dos 210 milhões de habitantes, a emigração relativa é muito mais impactante em Portugal.
O comportamento das clínicas
No Brasil as clínicas movimentam-se constantemente. É comum, ao visitar um cliente finalizado para monitoramento de resultados, me deparar com novos equipamentos, reformas, alterações na marca, novos profissionais, etc.
E essa constante movimentação é, quase sempre, acompanhada por tendências inovadoras: CadCam, integração com serviços transdisciplinares (médicos, psicólogos, etc), novos posicionamentos e estratégias.
A concorrência acirrada bate à porta diariamente e o mercado obriga todos os players a se movimentarem cada vez mais rápido. Basta uma consulta rápida à revista do Inpi para constatar a quantidade de marcas odontológicas registradas semanalmente. Os lances por participação no mundo digital sobem cada vez mais e o preço na tabela de honorários dificilmente acompanha os índices da inflação.
Competir no mercado brasileiro é quase como submeter-se à lei da selva. Não importa como, mas você é obrigado a defender-se e conquistar território.
Em Portugal, quando inicio algum projeto e vou conhecer as instalações físicas e equipe, logo me dou conta de que, de fato, estou em outro universo. Clínicas com 30 anos que utilizam a mesmo mobília da década passada são apenas um exemplo óbvio da falta de movimentação.
Tive a oportunidade de conhecer um serviço renomado por lá e, pasmem, a radiografia ainda é analógica. Scanner, daqui 2 anos talvez! O laboratório de prótese repleto de modelos espalhados pelas bancadas grita por uma fresadora ou impressora 3d. E a recepcionista, quase um membro da família, há 20 anos sem atualizar-se. Claro que esta não é a verdade do mercado português global, contudo esse tipo de situação raramente você irá encontrar no Brasil.
As diferenças se agravam no tocante ao atendimento do cliente. Em 4 anos acompanhando trabalhos cá e lá, vejo que no Brasil a escassez de cliente obriga o profissional “estender um tapete” e baixar as barreiras de entrada - cobrar consulta inicial, exigir exames de imagem? Não, essa não é a realidade do dentista brasileiro.
Ao dentista português, porém, o que não falta é segurança. Ainda que as receitas oscilem mês a mês, a garantia de que haverá cliente iniciando tratamento e de que no final do período as contas estarão pagas, é reconfortante.
Frequentemente me questionam a respeito do tema. E sempre concluo que, para mim, os dois mercados são oportunos, mas com dificuldades específicas. Se o exercício da profissão fosse inviável no Brasil, muitas franquias não cresceriam dois dígitos ao ano (como a maioria cresce) e se Portugal se resumisse a um mercado promissor que cai às graças dos europeus (turismo odontológico), não haveriam serviços com agenda vazia.
Portugueses e brasileiros podem aprender muito com o mercado alheio, mas as características socioculturais de cada um, dão ampla vantagem em solo pátrio na hora de competir.