Misto é o futuro de Portugal
Nos últimos meses tivemos forçosamente de optar na maioria por trabalho remoto. Apesar de ainda estarmos a meio de uma crise pandémica, a verdade é que as organizações tiveram de se reinventar. Existem muitas diferenças entre trabalhar em casa em plena crise, no quotidiano e trabalhar remotamente.
Durante esta crise, tivemos necessariamente todo o agregado em casa: ter de partilhar a largura de banda, manter espaços diferenciados e cuidar dos dependentes, foram alguns dos desafios adicionais com que nos deparámos. Quantos tiveram de negociar a utilização do wi-fi ou ligar-se a um dispositivo móvel para que a reunião corresse sem qualquer falha ou inclusive ir para o carro para conseguir ter um local calmo sem interrupções?
Será que estávamos preparados para trabalhar remotamente? A maioria das pessoas assumiu que por já ter trabalhado a partir de casa, seria apenas uma questão de localização sem alterações na sua forma de trabalhar.
As organizações que não possuíam um plano de trabalho remoto implementado ou pensado depararam-se com uma realidade repleta de desafios.
Neste plano, destacarei algumas temáticas importantes a considerar:
Equipamentos necessários para a realização de trabalho remoto (portátil, telemóvel, escritório em casa, entre outros);
Soluções de colaboração videochamada, chats, gestão de projeto, portal interno, serviço de tickets, soluções de call center, entre outros, e disponibilização das mesmas à distância;
Disponibilização de acessos a VPN e a sistemas da organização;
Segurança aplicacional a aproximação do pessoal com o profissional, na rede utilizada e equipamentos, aumenta a vulnerabilidade a ataques informáticos;
Cultura Organizacional sendo este ponto para mim o mais importante, visto que sempre se verificou que a tecnologia por si não resolve desafios. É necessário que os colaboradores tenham presente as melhores práticas de trabalho remoto, e se sintam motivados e capacitados para desempenhar as suas funções com a produtividade desejada. A criação de métricas, sistemas de apoio e acompanhamento do plano são também muito importantes. A meu ver, o maior investimento das empresas tem de ser nas suas Pessoas e na sua capacitação para alterações em relação às novas práticas e formas de colaboração.
Durante uma semana questionei na minha rede de Linkedin sobre a sua resposta à questão abaixo:
Se tivesse a oportunidade de escolher, por qual optaria?
A) Remoto
B) Misto
C) Presencial
De forma a agradecer a vossa participação na questão que vos coloquei no meu post de Linkedin, decidi disponibilizar-vos a informação consolidada dos resultados obtidos através das 263 respostas recolhidas
Como podemos verificar após esta amostra, a preferência recaiu principalmente em regime Misto (76%), seguindo-se Remoto (21%) e por último Presencial (3%), demonstrando que em relação à realidade anterior existe uma clara mudança de paradigma.
Decidi, na sequência de obter algumas respostas, que poderia investir tempo em entender os dados por trás dos resultados. O meu objetivo seria conhecer melhor a realidade em Portugal, no entanto gostaria, todavia, de agradecer a todas as pessoas que responderam ao questionário fora do país, como demonstra o mapa abaixo de respostas por país e o gráfico de resposta por tipologia
Considerando Portugal em particular, visto os dados como se constituírem perto de 90% das respostas, os resultados não são muito distintos da análise inicial: a opção mais escolhida foi de regime misto (77%), seguido de remoto (20%) e por fim presencial (3%).
Para melhor entender a escolha das poucas pessoas que optaram por presencial, decidi questionar a razão por esta escolha. A maioria das respostas apontavam para: não conseguir desempenhar o seu trabalho de outra forma, necessidade de interagir socialmente com os seus peers e de separar o local de trabalho do seu local de lazer.
A título de exemplo, cito de seguida uma das pessoas:
"Eu gosto de fazer parte de uma equipa, uma entidade coletiva com um objetivo comum. Gosto de trabalhar rodeada de pessoas. O trabalho tem um grande peso na componente social da minha vida e presencialmente é muito mais fácil de explorar esta vertente. Sou uma pessoa relacional, e pela transversalidade das minhas funções, o meu trabalho tem uma necessidade basilar de networking e acredito que relações são mais fortes quando suportadas por um canal físico. Porque apesar de trabalhar bastante, quando desligo, estou desligada. Sou territorial e não gosto que o trabalho invada o meu espaço pessoal. Gosto de saber que quando chego a casa o meu cérebro reconhece o espaço como um ambiente só meu e não puxa temas de trabalho de forma inconsciente. Cada espaço tem uma dedicação mental clara."
Após esta análise inicial, decidi dividir as respostas de acordo com os perfis das pessoas que responderam, tendo para isso verificado a informação em cada perfil para conseguir diferenciar as respostas por Setor de Atividade:
Verifiquei nesta análise, que mesmo por setor de atividade, a dispersão não era muito significativa em relação à escolha de optar por um regime misto.
No que respeita ao remoto, à excepção dos serviços de freelancer, que estão mais associados a trabalho remoto, para o qual se pressupõe ser uma situação normal, apenas o setor da Energia assume um nível de resposta para remoto de >=50%.
Na saúde, será normal que não existam respostas para remoto em exclusivo, visto ser uma área em que é absolutamente crucial que exista um regime misto ou presencial.
Existem alguns desvios na realidade do Transporte Marítimo, Logística e no Retalho, visto que a função das pessoas que responderam ao questionário, não involve cargos que lhes exijam trabalho puramente presencial, por isso considero outsider nos resultados, sendo assim não conclusivo para o setor. Apenas significa que das pessoas que podem realizar o seu trabalho de forma mista, assim o preferem.
Por fim, o regime apenas presencial não é preferido por nenhum dos setores, apenas se verificando em pé de igualdade com os outros dois regimes no caso das Seguradoras.
Então se o futuro de Portugal está no regime Misto, que desafios terão as empresas nos próximos tempos?
No retorno aos nossos locais de trabalho, teremos cuidados adicionais de saúde no que respeita ao convívio com um vírus que continua presente.
Também existe a necessidade de definição de um plano estruturado com as condições de trabalho remoto e presencial, em que deverá ser retratado este novo modelo. Cada organização tem os seus desafios e a definição deste regime terá sempre particularidades inerentes a estes.
Também aqui podem surgir novos modelos de pacotes salariais, nos quais existe uma clara e transparente alternativa para cada um dos colaboradores optarem por aquilo que lhes fará sentido (à semelhança do que tem acontecido na última década):
Pacotes rede, sendo necessário ter condições de ligação estável a rede de wi-fi, torna-se cada vez mais importante este custo ter a possibilidade de ser comparticipado (total ou parcialmente) pela entidade patronal, fazendo parte dos acordos comerciais para empresas referentes aos pacotes negociados com as empresas de telecomunicações;
Car-Sharing, existindo deslocações pontuais à sede das organizações, também a substituição da atribuição de veículo por car-sharing pode ser uma solução eficiente e mais ecológica, poupando também custos à entidade patronal;
Incentivo a escritório em casa, no caso de organizações que optem na maioria pelo trabalho remoto, verão os custos reduzidos, mas perante a dificuldade de montar um escritório em casa, uma possibilidade seria a comparticipação inicial de um valor ou vale, para a configuração do mesmo (este valor seria pago uma única vez para aquisição de material de escritório).
Reduções nos encargos imobiliários, nos casos de crédito imobiliário, poder-se-ia potenciar as relações com os bancos parceiros das organizações de forma a assegurar uma melhoria de condições na sua contratação ou renegociação, permitindo a diminuição dos custos da habitação, visto ser o novo local de trabalho frequentemente associado ao trabalho remoto.
Novas parcerias, a redução da conta de eletricidade, através de uma comparticipação da empresa seria mais um tipo de parceria possível, assim como sistemas de entrega de comida em casa que poderiam ter uma redução na taxa de entrega. Muitos serão os exemplos desta nova realidade que permite existirem novas alianças entre empresas. Pode-se sempre questionar o que as Pessoas valorizam nesta nova realidade, pois decerto já não é o mesmo de há uns meses.
Neste novo paradigma, uma coisa é certa: todos nós tivemos de nos adaptar, reinventar e tentar que o isolamento não nos vencesse pelo cansaço. E sabendo que não tivemos as mesmas condições para passar por ele, todos devemos apoiar o próximo para que consigamos ultrapassar as dificuldades económicas que alguns setores e o país sentem.