MP nº 933 é incoerente ao adiar reajuste de medicamentos
Geraldo Mascarenhas L. C. Diniz e Fernando Santiago *
Ao suspender por 60 dias, via MP n. 933, o reajuste de preços dos medicamentos que estava previsto para o dia 1º de abril corrente, o Executivo Federal acaba por agir em contrassenso no enfrentamento da pandemia da Covid-19.
Ora, se o Executivo reconhece a tão óbvia essencialidade das indústrias farmacêuticas para combater o coronavírus, seria razoável que agisse de modo a preservar e estimular ao máximo suas atividades, e não de opor dificuldades à sua manutenção.
E se há alguém que requer neste momento, estrategicamente, preservação de sua capacidade de produção, são estes justamente os profissionais, as indústrias e os estabelecimentos de saúde em geral, que não têm medido esforços para enfrentar a Covid-19.
Não se está aqui a falar de “aumento” de preços dos remédios fora dos padrões normativos há muito já fixados, mas sim da manutenção de seu “reajuste” na forma da lei, para que se minimize pelo menos em parte o crescente aumento dos custos de produção, possibilitando inclusive investimentos em pesquisas.
Estes aumentos de custos têm não somente uma origem, mas diversas, especialmente em função da atual pandemia.
Além da tremenda desvalorização do real frente ao dólar (31,5% apenas neste ano, com tendência de aumento), os insumos importados têm sofrido forte alta diretamente em dólar, na medida em que em função da pandemia há forte redução da oferta de diversos insumos no mercado internacional.
Isto porque boa parte dos países produtores (especialmente Índia e China) deixou de exportar insumos para fármacos, em medida de proteção ao abastecimento do mercado interno ou de mercados que classificam como prioritários.
Dentre eles há, inclusive, o sulfato de hidroxicloroquina e a azitromicina, atualmente testados para tratamento da Covid-19, com resultados aparentemente promissores.
Ou seja, até mesmo os contratos de importação de insumos já em curso não estão sendo cumpridos pelos fornecedores, sob o argumento de força maior, o que obriga as farmacêuticas a obterem seus insumos de outros fornecedores (principalmente europeus), com preços bem superiores àqueles antes contratados e então considerados nas planilhas de custos de produção.
Mas não é só, em função dos altos níveis de controle sanitário, as linhas de produção têm de ser interrompidas sempre que se tem a menor suspeita de funcionários que possam estar contaminados pelo coronavírus, aumentando ainda mais os custos de produção, inclusive com despesas trabalhistas extraordinárias.
Também os custos com transporte e logística em geral aumentaram significativamente, frente à tremenda redução da malha aérea e aos fretes rodoviários com retorno seco, isto é, sem carga para transportar na volta.
Neste cenário, e em se tratando de indústria por demais essencial, especialmente para enfrentamento de algo da escala da Covid-19, deveria o Executivo agir não com medidas restritivas, mas sim com estímulos para manutenção e fomento das atividades.
Um destes estímulos seria, por exemplo, o diferimento das obrigações tributárias federais (a FIESP já obteve liminar em tal sentido para os tributos estaduais), evitando-se o ingresso em juízo para obtenção de novas liminares. Ou, também, a autorização temporária para utilização de prejuízos fiscais sem a “trava” dos 30% (IRPJ e CSLL).
De qualquer sorte, e diante do caminho adotado com a edição da MP n. 933, espera-se do Executivo que pelo menos indique, com a maior urgência possível, que o reajuste dos preços a prevalecer após estes 60 dias pelo menos considere integralmente os efeitos acumulados no custo em tal período, sob pena de se punir justamente aquelas empresas cuja essencialidade não há como se questionar.
*Geraldo Mascarenhas L. C. Diniz e Fernando Santiago, advogados, são sócios da banca CHENUT OLIVEIRA SANTIAGO ADVOGADOS