As muitas jornadas de um designer - parte I
Pictograma de Otl Eicher para os Jogos Olímpicos 1972 na largada pelo labirinto

As muitas jornadas de um designer - parte I

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Cada pessoa tem um percurso profissional que lhe é único e intransferível e que está intimamente ligado com sua visão do mundo, com muitas descobertas, alguns desencantos, diversos imprevistos e fracassos, e certamente vitórias insuspeitas.

Totalmente pessoal, este artigo nasceu do cotidiano a mais que o afastamento social nos trouxe para observar tudo em perspectiva. Contém um pouco da estrada de um designer que encerra mais uma etapa, como o faz ciclicamente. E já começando outra, o que é sempre bom, rememora aqui experiências e histórias que marcaram sua trajetória e as elucubrações sobre as escolhas que fez e que o trouxeram até aqui. 

Era uma vez uma pré-história

Quais eram suas dúvidas aos 9 ou 10 anos? O que você quer ser quando você crescer? Lembra, lá trás? Eu não tinha certeza nenhuma se arquiteto, pintor, designer, escritor, baterista de rock ou astronauta...

Nessa época comecei a desenhar e pintar sem parar, profundamente impactado pelo ofício do meu pai, arquiteto e urbanista, as figuras de papier machê que nasciam das mãos mágicas da minha mãe, as pinturas e retratos virtuosos do meu avô, o estímulo dos professores de artes na escola e o final melancólico das aventuras do homem na superfície da lua. Sem falar dos "bonequinhos" das Olimpíadas Munique 72, que eu cismava em reproduzir nos cadernos da escola, dos quadrinhos da Mafalda de Quino, que levava para devorar nos recreios, e do poder ainda inexplicavelmente hipnótico do design do papel moeda brasileiro nessa primeira metade dos anos 70.

01/1973: heróis estavam já bem mortinhos para um "menino sonoro"
  • Retrato do verão 1973: heróis bem mortinhos para um menino que queria viver.

Um outro grande fascínio era a leitura, que incluía também tudo relacionado às artes visuais e ao que então se conhecia como artes decorativas. Uma verdadeira overdose de estímulos.

Mas não foi quiçá até os 12 anos que, em companhia de um par de colegas da escola e do meu irmão um ano mais novo, que decidimos montar um jornalzinho caseiro, com charges, caricaturas, ilustrações e notícias humorísticas fictícias (não, não fake news, mas fantasias surrealistas e redações psicodélicas que explicitavam nossa inocente/sarcástica visão do mundo). 

Pretendíamos fazer uma versão pré-adolescente e precaríssima da Fluide Glacial ou Metal Hurlant que chegaram até às nossas mãos. Aspirávamos a escrever ou desenhar como Oesterheld, Trillo, Alberto e Henrique Brescia, como o Zanotto da revista argentina Skorpio, ou um dia talvez como as duplas Goscinny/Uderzo e Goscinny/Morris... Produzimos umas 3 edições, a derradeira “xerocada” ou mimeografada, se lembro bem, e repartimos aquilo entre amigos, família e desavisados transeuntes, até nos sentirmos esgotados e debandarmos atrás de outros interesses.

Na sociedade dos poetas vivos

Quando você se apaixona pela primeira vez por alguém (se tiver tido uma educação ultralibertária – sem perceber que não era bem essa a tônica fora de casa, mas isso daria outras histórias…), o mundo parece estar em total harmonia do alto dos seus 14 anos. E se, quase simultaneamente, aqueles amigos e alunos mais jovens e maluquetes de seus pais, que por acaso eram outros tantos músicos, escritores, filósofos, boêmios, pintores, políticos, etc. irrompem na sua vida, é inevitável se tornar aquele pirralho-metido-a-artista-mascote mirim, eventualmente inconveniente, que queria mais era “ir junto e aprender tudo ao mesmo tempo, agora”.

Finalmente meus rabiscos e letras desenhadas (primórdios do interesse tipográfico) pareceram ter algum sentido e alguma serventia em plaquetas, cartazes, convites ou até mesmo em pequenas cenografias supermambembes. Ainda assim, já sabendo que a carreira de astronauta estava enterrada para sempre e que não tinha aptidão suficiente para a música, eu pensava ainda na arquitetura e na pintura como metas, achando que minhas atividades gráficas eram sobretudo um complemento extraordinariamente prazeroso. E só.

Nessa etapa, estava eu, sem conhecer a terminologia, já irremediavelmente submerso no universo dos fanzines. Rock, ficção científica, quadrinhos, e mais do que nada naquele momento, literatura e poesia entre os meus eternos amigos da Banda da Existência Mais Forte, num Ônibus literário e desbravador, entre niilistas, pós-hippies, anarcoprotopunks e acólitos de Borges, Alfonsina Storni, Jack Keruack, Luis Hernández, Virginia Woolf e outros.

1977-1980: mundos e submundos
  • 1977-1980: mundos e submundos

Enquanto isso, na escolinha do Herr Professor

Vir de um lar grande, unido, multicultural e bilíngue é sem dúvida um privilégio. E o privilégio de frequentar um colégio decente (em outros idiomas que não os de casa), talvez nem fosse necessariamente tão potencializador ou divertido como possa parecer a olho nu. Mas acabou sendo o que todo centro de ensino deveria ser na base: uma experiência instrutiva bastante peculiar, carregada de emoções, relativamente democrática e diversa. Tal bagagem e a paixão adolescente bastaram e sobraram para em toda hora livre continuar desenhando, pintando e projetando casas, prédios ou até cidades imaginárias. 

Esse final dos anos 70 teve algo a mais: quase todo os objetos de casa, que tanto me fascinavam pela formas e funções, carregavam sonoros nomes germânicos – Telefunken, Siemens, Braun! A exceção era nossa Lettera 25, beleza italiana. De certo modo, eu, que já andava encantado com o design de automóveis, achava o Volkswagen Fusca 73 amarelo da minha mãe tão idolatrável quanto o Ford Mustang 67 do meu pai, quem, numa das raras tardes de final de semana em que não trabalhava, descortinou para mim aquela outra escola fundada por Walter Gropius, um dos ídolos dele: a Bauhaus. 

"Cidade", tecido de Anni Albers, 1949
  • "Cidade", 1949, de Anni Albers

Fora os livros de casa sobre o tema, tinha outros no colégio. Maravilhado descobri, fora o próprio Gropius, arquitetos como Mies van der Rohe e Lilly Reich, além de reencontrar um pintor que me encantava desde pequeno, Kandinsky, e outras figuras igualmente marcantes: Herbert Bayer, Marcel Breuer e três designers que simplesmente me enlouqueceram, Joost Schmidt, Anni Albers e László Moholy-Nagy.

Dazed and Confused

Naquela época, além de me aventurar temerariamente no desenho arquitetônico e de perspectivas no estúdio do meu pai, ajudava a vender os móveis modulares que ele também desenhava e produzia, o que me deu alguma noção muito embrionária do que seria fazer negócios a partir do design. Nesta ocasião, sem namorada firme e por isso melancólico, a mistura com as artes e as arquiteturas japonesas, italianas, brasileiras e norte-americanas, as capas de muitos livros e discos, o som do Clash e tantos mais, acabou me levando a primeira grande e duradoura confusão da minha vida, na antevéspera de acabar o ensino médio.

E agora José? Parecia ter muitos caminhos pela frente, caminhos demais. E nenhum deles parecido nem de longe aos tão dignos e aparentemente proveitosos de economistas, advogados, médicos ou engenheiros…

Em outro dia, só não sei quando, continuarei com a parte 02

(E para os que curtem música, algo do que eu ouvia entre 1970-1980 está disponível nessa playlist)

Octavio Aragão

Coordenador at PPGMC – ECO/UFRJ

4 a

Que legal saber de tudo isso. Que infância rica e ilustrada.

Mônica Gomes

Assistente Administrativo na Opus Entretenimento

4 a

Muito legal, Mauricio Peltier... Por trás de todo profissional, há uma pessoa cheia de histórias, referências e influências. Deve ser muito bom, (principalmente em tempos de distanciamento social), parar para pensar e escrever sobre nossa trajetória. Aguardando a segunda parte! =)

Cristiane Nascimento

International Relations at ABVCAP

4 a

Maravilhoso!

Ansioso para ler a parte dois 😀

Leo Eyer

Co-Founder | CDO @ WDG Group | CEO @ Bold°

4 a

Como diz o Woody Allen “A vida não faz sentido. Mas o roteiro precisa fazer”. Abraços!

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