MUITO ESFORÇO... E A DIREÇÃO?

MUITO ESFORÇO... E A DIREÇÃO?

Tenho a sorte de conviver com uma diversidade de grupos, pares, setores, segmentos.

Tenho a sorte de sentir, presenciar, participar de muitoas iniciativas cujo objetivo maior é o de mudar a direção de um sistema que não entrega mais os resultados capazes de incluir pessoas, de distribuir renda, de gerar confiança, de transformar o status quo de resultados que ninguem, ou uma grande maioria, não quer mais.

Mas não tenho a mesma sorte quando se trata de resultados alcançados; do quantum os inúmeros esforços e diversas iniciativas tem sido capazes de alcançar; do quanto as boas intenções reverberam em transformação profunda capaz de afetar e impactar na desconstrução de um sistema que mantendo-se com o atual status haverá de gerar caos sob caos, desordem sob desordem e limitação de vida não apenas humana, mas também de outras muitas e diversas espécies.

Anúncios sobre a crise climática, a própria pandêmia que segundo especialistas será um fenômeno cada vez mais frequente, a escandalosa distribuição de renda que aponta que 1% mais ricos do mundo detêm mais do dobro de 6,9 bilhões de pessoas, a gigantesca polarização que não tem como finalidade construir o melhor para o mundo, mas o melhor para um mundo distorcido pela expectativa de cada lado - direita ou esquerda, altos índices de doenças mentais e por aí a fora, tornam-se cada vez mais a pauta das grandes discussões mundiais.

Dado a exposição acima, fica sempre o questionamento de uma conta que não fecha - ESFORÇO x RESULTADOS.

Uma equação que me leva a refletir sobre ESFORÇO x DIREÇÃO.

E nesta equação, esforço x direção vêm me a cabeça alguns pontos de estudos realizados e a percepção que trago destes como norteador de uma práxis para uma MUDANÇA EFETIVA, em que esforços e resultados caminhem juntos ou ocorram de forma mais equitativa.

É preciso antes de mais nada, COMPREENDER O PRESENTE. Não estamos vivendo uma Era de Mudanças, mas uma Mudança de Era. Faz-se necessário conhecer e reconhecer como parte das iniciativas as premissas que compõem o jogo.

Saber reconhecer a “natureza” de um problema ajuda a definir a estratégia mais efetiva para o resolver, maximizando o desempenho/resultado e minimizando o esforço/trabalho.

David Snowden, nos traz um excelente framework - o CYNEFIN - para compreensão do presente, os domínios que o compõe e as decisões a serem adotadas conforme a apropriação do problema a cada domínio. E importa ressaltar que a qualidade do framework está em justamente não fazer uma categorização estática em um dos domínios, mas considerando um cenário em que todas as variáveis estão agindo simultaneamente.

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É um framework de “sensemaking” (processo de construir sentido), no qual a percepção da realidade é fluída e primordial; o framework é algo reativo a essa percepção, nos auxiliando a definir como tomar decisões mais adequadas ao contexto vivenciado de dado momento. 

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A proposta central do framework Cynefin é COMPREENDER onde se está e classificar problemas em cinco domínios diferentes: 1) Claro; 2) Complicado; 3) Complexo; 4) Caótico e 5) Desordem

De posse da situação a ser resolvida é preciso enquadrá-la em um dos cinco domínios e a partir daí pode se definir em qual tipo de esforço se deve focar e implementar.

  • No domínio CLARO (óbvio/simples) estão os problemas que tem clara relação entre CAUSA E EFEITO. Há uma ação precisa a ser realizada para que se alcance os resultados. Neste domínio requer SENTIR, CATEGORIZAR E RESPONDER a partir da aplicação de MELHORES (boas) PRÁTICAS.
  • No domínio COMPLICADO, estão os problemas que tem relação clara entre causa e efeito, porém, geralmente, diferentes ações podem atingir um mesmo resultado. Requer SENTIR, ANALISAR E RESPONDER, a partir de especialistas - pessoas com repertório farto sobre o problema, experiência, que conseguem julgar os prós e contras de diversas alternativas e escolher o que é mais adequado ao contexto.
  • No domínio COMPLEXO, estão os problemas em que também é possível estabelecer relação de causa e efeito. Entretanto, apenas depois de aplicada uma ação. Por tratar-se de um problema em que se desconhece a forma como agir é preciso fazer experimentos e analisar seus impactos práticos. Os experimentos que falham nos ajudam a descartar hipóteses e aqueles bem-sucedidos podem nos ajudar a encontrar uma boa prática. Dessa forma pensamentos e comportamentos evoluem e novos padrões começam a emergir dos experimentos, que ajudam a encontrar uma ordem emergente. Requer SONDAR, SENTIR E RESPONDER a partir da experimentação, levando-se em consideração que o número de variáveis é grande em um mundo que se apresenta na grande maioria das questões como VUCA - Volátil, Incenrto, Complexo e Ambíguo, ou como um mundo BANI - Frágil, Ansioso, Não Linear e Incompreensível, que é impossível prever com 100% de segurança.
  • No domínio CAÓTICO estão os problemas em que não é possível determinar, com clareza, relações de causa e efeito, nem antes, nem depois de adotada uma ação. São problemas onde o número de variáveis é muito grande e é impossível de determinar. Problemas desse domínio costumam ocorrer em situações atípicas, geralmente associadas a circunstâncias críticas. Esse é um domínio que nos deixa cego, sem ter previsibilidade ou maneiras de mensuração alguma, e por isso ele cobra equipes com experiências práticas em enfrentar adversidades e consegue ter reflexos ativos, mais adaptáveis. Há duas formas de lidar com questões enquadradas no dómínio Caótico - buscando uma inovação disruptiva, pois ele permite mudanças radicais ou flutuando entre ele e o domínio complexo, o que vai requerer a atuação de uma equipe com movimentos rápidos que aja e estabilize a situação
  • No domínio DESORDEM, estão condições especiais aplicada a problemas que não se encaixam em nenhum dos domínios anteriores. Essa é uma luta invisível que, ao se tornar conhecida, ganha espaço em um dos demais domínios.

PENSAMENTO COMPLEXO como PEDRA ANGULAR

O estudo da complexidade vai ser a ciência do século XXI. Stephen Hawking

Precisamos eliminar, ou no mínimo reduzir de forma avantajada, a fragmentação.

 O modelo mental binário do “ou/ou”: ou amigo ou inimigo; ou bem ou mal; ou certo ou errado; ou ocidente ou oriente etc.). Tampouco prevalece o utopismo da primazia do todo — o sistemismo reducionista.  

E na fragmentação muito comum das iniciativas de intervenção, na tomada de decisão sobre problemas e nos ativismos, pode estar a resposta sobre muito esforço para pouco resultado. Não há mais espaço para uma visão de mundo que não seja abrangente e que não tenha sido parido a partir da complementaridade, do entrelaçamento, do eu e do outro, do meu lugar e do lugar do outro, do chamego da diversidade de temas que compõesm a relação causa x efeito — do abraço amplo, como é denominado o pensamento complexo, por Edgar Morin, um dos papas do pensamento complexo.

O esforço, mas e a direção? Onde está o pensamento complexo na fila do pão? Precisamos abortar iniciativas que não nasçam considerando um agir alicerçado nos cinco saberes do pensamento complexo

(...) saber ver, saber esperar, saber conversar, saber amar e saber abraçar. Todos estão inter-relacionados, abraçados, e por isso dependem uns dos outros para ser vividos em sua plenitude.

Precisamos considerar em nossas intervenções - a sabedoria de ver, esperar, conversar, amar e abraçar. Precisamos de uma lógica não dicotomica, não polarizada, não separatista. Há uma variada, e creio ser uma grande maioria, de problemas que não se resolvem sem que se resolva um conjunto de causas. Saber ver, em um olhar que vença a separação "eu" x "natureza".

Perdemos a abrangência de avaliação proporcionada pela totalidade dos sentidos, e dessa forma nos afastamos da perspectiva sistêmica de estar no mundo. Em conseqüência, as percepções veiculadas pelos sentidos que têm sido reprimidos e anestesiados são desvalorizadas, o que favorece a unidimensionalização e a manipulação. 

"Ensaio sobre a Cegueira". Há quem não viu/viveu? E de repente, as desventuras de uma sociedade que, acostumada à unidimensionalidade, a um modo quase único de perceber o mundo, é de súbito levada a depender por inteiro dos demais sentidos, que sempre havia mantido em plano secundário.  Os casos de cegueira, creio eu, seguem se multiplicando em larga escala. Mas rapidamente estamos encontrando um jeito (malvado diga-se de passagem, mas em alto brado, com um coração que sangra as muitas arrogâncias explicitadas em atos de boa vontade) de lidar com estes. Seguimos imponentes, nós os interventores não cegos (os que achamos que sabemos de tudo e de que tudo à nossa volta é tábula rasa) confinando os cegos, com guardas armados para tolhir e vigiar as suas vozes, os seus saberes e os seus desejos reais — a clássica atitude concentracionária, à qual nossa cultura recorre sempre que tem de lidar com pessoas que de um modo ou de outro se revelam diferentes. Um olhar para as desventuras de uma sociedade que cega, começa a ver uma nova forma de compreender o mundo, entendendo que precisam retomar a " plurisensorialidade".

Como já afirmara o gigante Pessoa,

O essencial é saber ver, Saber ver sem estar a pensar, Saber ver quando se vê, E nem pensar quando se vê Nem ver quando se pensa. Mas isso (tristes de nós, que trazemos a alma vestida!), Isso exige um estudo profundo, Uma aprendizagem de desaprender

Muito esforço, quanto de resultado?

Trazemos pra nossas ações, "almas vestidas" - um modo de pebsar e operar, quase sempre, atrelado a um pensar binário,a um pensar linear, que "estreita e obscurece nossos horizontes mentais", e como consequencia, completamente impedidos de fazer o abraço entre objetividades e subjetividades, entre técnico e humano. Não há resultado sem considerar a multidimensionalidade que reside na relação causa x efeito. Não conseguiremos quebrar ou reduzir a multidimensionalidade, em qualquer intervenção que propusermos, a "explicações simplistas, regras rígidas, fórmulas simplificadoras e esquemas fechados de idéias".

A experiência humana, em quaisquer aspectos dela, precisa ser vista como o "todo biopsicosocial, que não pode ser diluida em partes nem reduzido a apenas uma delas. Piaget já afirmara

Os fenômenos humanos são biológicos em suas raízes, sociais em seus fins e mentais em seus meios

Intenção em qual direção? Há clareza de direção nos esforços que são empreendidos? O que é claro para quem propõe está claro para a aqueles a que se propõe?

Há uma forte tendência a se desconsiderar o tempo de entender. O tempo de se apropriar. Estamos profundamente apressados em agir. Esquecemos das subjetividades dos processos. Agimos sem considerar o tempo do diálogo para compreensão. Esquecemos que só se aprende a conversar quando se é livre. Estamos apressados demais. Victor Frankl define a liberdade como

o intervalo entre o estímulo e a resposta, isto é, o espaço entre as questões que o mundo nos propõe e as respostas que lhe damos.

Muito esforço, pálidos resultados. Precisamos traduzir nossa narrativa nas diversas linguagens de quem faz parte - o encontro da nossa intenção real, clara, genuína, verdadeira com a intenção de quem faz parte do abraço. E isso requer esperar a compreensão. Isso requer o pequeno interstício, que convida as pessoas a serem livres.

Precisamos URGENTEMENTE interromper a cena, pausar o espetáculo, não aplaudir o nosso espetáculo, de dizer o que os outros querem ouvir para que eles nos respondam o que queremos ouvir.

Muito esforço e o resultado? Ah essa tal de narrativa!!! Que questões mobilizadoras nossa narrativa propõe? Quando propomos algo a alguém, importa compreender que toda proposição para gerar ação efetiva precisa proporcionar a oportunidade de modificar-se e, a partir daí, modificar o contexto ou problema que se quer solucionar.

Esforços hérculeos, resultados anêmicos? E a direção? Quanto de amor tem no processo? Humberto Maturana e Gerda Verden-Zöller sustentam que 

(...) somos seres dependentes do amor. Vivemos, porém, em uma cultura que se caracteriza pela agressão e pelas guerras — uma cultura de desamor.

Precisamos nos perguntar o quanto tem nossas ações/proposições de determinações do cérebro reptiliano (agressivo), q quanto têem do cérebro mamífero (afetivo).

Amar o outro significa reconhecê-lo e legitimá-lo, sem que ele precise de nenhum modo justificar a sua humanidade. Todavia, vivemos em uma cultura em que prevalecem o não-reconhecimento e a exclusão. Nesse caso, o outro não é aceito como humano a priori: reservamos esse privilégio para nós próprios e, a partir daí, pretendemos impor-lhe os nossos valores.

A presença do amor nas ações sob a lógica de maturana - Biologia do Amor como condição de operar. Ele afirma que só o AMOR expande a inteligência. Nessa condição não há que se falar em intervenções/operações/proposições inteligentes sem que estas tenham a presença do amor.

(Em breve reflexões de continuidade do tema)

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