Mulher na pandemia é diferente. Por que?
No dia do Empreendedorismo Feminino me deparei com uma matéria recente sobre a realidade de mulheres norte-americanas na pandemia, mas que facilmente pode ser entendida como a realidade global de milhares de mulheres pelo mundo. O tema é "impacto da pandemia nas mulheres". Leiam na íntegra a matéria "Recession With a Difference: Women Face Special Burden", do The New York Times.
Eu não consegui ficar quieta diante da denúncia que a matéria faz: são as mulheres - e especialmente as mulheres negras e pobres - as mais afetadas pelas necessidades de adaptação profundas trazidas pela pandemia do Corona vírus. Compartilhei em grupos de empreendedoras, designers, mães e amigas. E o que encontrei como resposta alimentou ainda mais minha vontade de compartilhar aqui essa reflexão.
A meu ver não há novidade. A pandemia só intensifica a realidade "ultra-pandêmica": mulheres negras e pobres são as mais prejudicadas em todas as situações de crise e vulnerabilidade.
Eu não sou negra, nem posso me considerar pobre. Mas me identifico. Muitas vezes já me vi em situações em que eu era pressionada a escolher entre oferecer o mínimo de qualidade de cuidado para minha filha e dar o próximo passo na carreira. Perco a conta de quantos cursos deixei de me inscrever e de quantas oportunidades deixei de me candidatar, por perceber que não seria possível conciliar.
É como se o mundo em alguns momentos te dissesse: "Ah, você escolheu ser mãe? Então X e Y coisas não são para você". Ou: "Se você quer crescer profissionalmente, tem que aceitar a ideia de terceirizar a educação de sua filha, deixar as relações em segundo plano, e não ter tempo para cuidar da sua saúde".
E eu sou privilegiada por ter um companheiro que divide fraternalmente as obrigações e os prazeres da vida doméstica. Se eu sinto isto, imagino, apenas imagino o que sinta uma mulher negra e pobre. E uma mulher que não consiga dialogar com seu companheiro.
O que tento fazer aqui é isso. Apenas o exercício de pensar, sem a pretensão de conclusões. E daí, me surgiram algumas reflexões, que não conseguirei aprofundar aqui, mas gostaria de deixar registradas:
1 - Por que as mulheres estão sendo mais afetadas?
O que essa realidade nos diz sobre o machismo enraizado em nossa cultura? Onde é que está escrito que devem ser as mulheres - apenas - a cuidar da casa e das crianças? Por que os casais não estão conseguindo organizar os papéis de um outro jeito?
O que está faltando para esse diálogo realmente acontecer de forma equilibrada? Será que depois de tanta luta, estamos voltando à realidade de um século atrás? Será que, de fato, evoluímos?
2 - Quais os impactos da redução das mulheres no campo de trabalho?
Você, eu e todos nós conhecemos pelo menos uma mulher que precisou reduzir carga horária, renegociar papéis e remuneração no trabalho. Redesenhar profundamente, ou simplesmente abrir mão de seus empregos ou negócios durante a pandemia.
a) No âmbito individual e imediato - peço que imagine comigo. Imagine-se tendo que fazer isso forçadamente? Imagine que você tinha uma carreira em curso, com planos, projetos, estudos. E de repente, você é obrigado a parar tudo e ficar em casa, 100% do tempo, cuidado dos afazeres domésticos. Nada contra eles. Não são agradáveis, mas fazem parte do papel de toda pessoa adulta.
Saúde Mental - Minha questão é: quão brutal esta escolha é para quem tem sonhos e projetos? E para quem nem tem a oportunidade cultivá-los e o que tem mesmo são necessidades? Qual o impacto desta escolha - ou da falta dela - para a autoestima e a saúde mental destas mulheres? Qual a sensação de impotência, cansaço e solidão elas podem estar experimentando?
Empregabilidade - Após meses fora do mercado de trabalho e sem poder se dedicar ao próprio desenvolvimento, quão empregáveis estas mulheres serão no retorno? Afinal, o que adianta uma lista interminável de cursos gratuitos online, se não há tempo de qualidade para que esta mulher possa dedicar a si? Essa eu respondo: serve apenas para aumentar a ansiedade e o sentimento de impotência, frustração e a sensação de ver os sonhos escorrendo entre os dedos.
E novamente, a 1a questão: por que a desproporção de mulheres abrindo mão se comparadas à situação dos homens, seguindo adiante em seus trabalhos?
b) No âmbito global e de longo prazo - Em um mundo no qual as mulheres ainda precisam lutar dentro das organizações - diariamente - para serem ouvidas, respeitadas, valorizadas, não-assediadas...., o que significa a redução significativa destas mulheres do mercado?
De que forma o mercado vai reagir a isso? Como reaver os espaços perdidos? Se é que estes espaços ainda existirão após toda a transformação que as organizações precisam fazer diante do "novo normal".
Qual o impacto da redução do número mulheres dentro das organizações? Especialmente em suas culturas organizacionais?
Há ainda para explorar o impacto nas crianças. E naquelas mulheres que assumem outras funções como a de cuidadoras familiares de idosos e doentes. Grupo que durante a pandemia, precisa ter ainda mais precauções e se torna ainda mais isolado socialmente.
Mas vamos seguir essa reflexão no 2o artigo, Insights sobre Mulher e Pandemia.