Incomodada ficava sua avó. Só ela?...
Dias atrás decidi fazer uma pesquisa para usar em um grupo de coaching de carreira que faremos só com mulheres.
Queria na verdade levantar algumas poucas informações sobre a entrada das mulheres no mercado de trabalho, identificar alguns marcos, enfim, entender como chegamos até aqui.
Longe de querer trazer um retrato histórico e sem nenhuma pretensão de fazer uma retrospectiva, algumas etapas dessa jornada das mulheres no mercado de trabalho me chamaram a atenção.
Sabemos que as mulheres, durante a maior parte da história, foram prioritariamente mantenedoras do lar, educadoras dos filhos. Somente quando ficavam viúvas ou quando não tinham condições financeiras tão favoráveis, buscavam alguma atividade que lhes desse algum retorno financeiro.
A revolução industrial, centrada na Inglaterra em uma primeira fase (entre 1760 a 1860) e expandida para países como Alemanha, França, Itália (entre 1860 e 1900), trouxe as mulheres – e até crianças... – para o trabalho nas fábricas têxteis, para buscar o sustento das famílias. Os operários eram demandados a trabalhar até 15 horas por dia em troca de um salário baixo. Além da indústria, as mulheres estavam também nas minas de carvão, trabalhando 12, 15 horas por dia.
Arrisco dizer que as mulheres que trabalhavam nessas condições não estavam em busca de realização pessoal.
Aqui no Brasil, em 1894, as mulheres representavam 16,7% dos operários empregados em nos estabelecimentos industriais da cidade de São Paulo, e os menores, 14,15%. Em 1901 no estado de São Paulo, as mulheres representavam 49,95% do operariado têxtil, e os menores 22,79%. A rotina era árdua, entre 10 e 14 horas diárias, e a elas cabiam as tarefas menos especializadas e mal remuneradas. Ao longo do tempo no entanto, elas foram sendo substituídas nas fábricas pela mão de obra masculina: em 1950 elas passaram a representar apenas 23%*.
Com a I e a II Guerras Mundiais (1914 – 1918 e 1939 – 1945 respectivamente), quando os homens iam para as frentes de batalha, as mulheres passavam a assumir os negócios da família e a posição dos homens no mercado de trabalho. A guerra acabou, muitos homens não voltaram para suas casas, ou voltaram impossibilitados de retornar ao trabalho. Foi nesse momento que as mulheres tiveram mesmo que deixar a casa e os filhos para levar adiante os projetos e o trabalho que eram realizados pelos seus maridos.
Minha avó materna nasceu em 1914. Nasceu no Brasil, de pais italianos, com irmãos mais velhos nascidos na Itália. Já casada e com filhos, por volta de 1950 saiu para o mercado de trabalho – não porque meu avô foi para a Guerra, mas por necessidade - e foi funcionária dos Correios até se aposentar. Foi uma dessas mulheres desbravadoras do mercado de trabalho; minha mãe inclusive conta: “nessa época, mulher não trabalhavam fora, era raríssimo”.
Minha avó, se estivesse viva, teria hoje pouco mais de 100 anos. Estou cercada de várias pessoas – parentes e conhecidos - que já passaram dos 90 anos, alguns já bem próximos dos 100. Seria bem possível então que eu ainda estivesse convivendo com minha avó hoje, não fosse sua doença. E quando penso nisso, vejo o quão recente é esse movimento das mulheres trabalhando fora – falando de trabalho assalariado, com o mínimo de formalidade e dignidade para as mulheres.
E o que aconteceu nesse curto espaço de tempo para que houvesse essa mudança, de raríssimas mulheres trabalhando fora para quase uma unanimidade?
Se formos olhar outros eventos recentes significativos para a atuação das mulheres no Brasil, temos em 1930 o primeiro decreto que versava sobre a situação da mulher no trabalho.
Na Constituição de 1932, algumas leis passaram a beneficiar as mulheres; nesse mesmo ano foi conquistado o direito ao voto pelas mulheres, tendo como principal articuladora a bióloga Bertha Lutz, e em 1934 Carlota Pereira de Queiroz é eleita a primeira deputada do Brasil.
Não há como não comentar o início da comercialização da pílula anticoncepcional, em 1961, que trouxe às mulheres mais controle sobre suas vidas e mais possibilidade de planejamento. Na década de 70 a mulher passa a ingressar de forma mais acentuada no mercado de trabalho, com atividades relacionadas aos serviços de cuidar e pequena parcela na indústria; já a década de 90 foi marcada pelo fortalecimento da sua participação no mercado de trabalho e o aumento da responsabilidade no comando das famílias.
Neste ponto, percebo que não só minha avó, mas também eu e as mulheres da minha faixa etária também somos desbravadoras nesta história do trabalho feminino.
Nasci em 1970 e ingressei no mercado de trabalho em 1989. Cresci ouvindo minha avó dizer: “estude, trabalhe, tenha sua independência”! E para mim, na minha realidade, esse era o padrão, esse era o caminho. Sempre estudei, e por muitos anos em colégio só para meninas, e para nós o caminho natural era terminar os estudos, pegar o diploma e ir trabalhar!
Nós não nos dávamos conta – e até agora talvez eu mesma ainda não tivesse me dado conta por completo – de que fomos parte das primeiras gerações de meninas a irem para a escola com o intuito de se preparem para o mercado de trabalho de forma mais competitiva.
Conversando com minha sócia, começamos a perceber sinais curiosos desse tempo. No começo dos anos 80, por exemplo, sua mãe costurou para ela uma gravata vermelha de tafetá! Ok, era de tafetá, e era vermelha, mas ainda assim, uma gravata masculina!... E qual mulher na casa dos 40 anos não teve um blazer com ombreiras?!...
Trabalhando com coaching de carreira, já há algum tempo temos encontrado muitas mulheres em diferentes etapas de suas vidas profissionais e que sentem uma grande necessidade de repensar. Repensar seu trabalho, sua vida familiar, sua vida pessoal. O que ocorre com certa frequência é a situação dessas mulheres terem ingressado na vida profissional na sequência de suas formações, engataram a 1ª marcha e lá foram elas, acelerando, competindo, indo sempre em frente. E parece que chega a hora em que um pit stop é necessário.
Se as mulheres na época de nossas avós ou bisavós se incomodaram e começaram a ir à luta atrás de seu espaço no mercado de trabalho, enfrentando fortes barreiras culturais e sociais, também as mulheres profissionais do século XXI apresentam um incômodo. Mas se estão colhendo os frutos advindos dessas conquistas gradativas – e de muito esforço, cultural inclusive – então por que encontramos hoje tantas mulheres insatisfeitas com sua vida profissional?
Sem querer dar respostas, mas sim convidando à reflexão, me parece que fomos de um extremo a outro. Quem sabe se o que essas mulheres estão querendo agora é retomar um pouco seus outros papéis, além do profissional, e viver em equilíbrio e em paz com todos eles?
Se for isso, ok! Nem sempre o que nos serviu um dia continua servindo. Nós mudamos, aprendemos com as experiências, repriorizamos nossos valores em função de novos papéis e momentos de vida. Somos seres humanos complexos, evoluindo e mudando.
Mas se o incômodo não for esse, tudo bem também. O importante é identificar o que faz sentido para si.
Aliás, se você fosse conversar com sua avó hoje, o que ela lhe diria? E você, o que diria para ela?
[Renata Cintra é diretora na SER Desenvolvimento, tem 25 anos de experiência corporativa como executiva, e nos últimos anos vem atuando com desenvolvimento de lideranças e carreira, para indivíduos e organizações. Vê o trabalho como uma forma de expressão e realização do ser humano, e acredita na capacidade das pessoas de escolherem seus caminhos e atitudes que as levem na direção do que querem ser e fazer]
Fontes: * História da Mulheres no Brasil, Mary del Priori – capítulo[RC1] Trabalho Feminino e Sexualidade, de Margareth Rago. Portal Só História; site revistaescola.abril.com.br.
Imagem: Símbolo do feminismo: We Can Do It! A operária Geraldine Hoff serviu como modelo para J.Howard Miller, que utilizou a imagem como propaganda durante a Segunda Guerra Mundial. O cartaz converteu-se em um símbolo para as mulheres que assumiram postos de trabalho em substituição aos homens que serviam às forças armadas americanas
Gerente Regional Corporate Pluxee
9 aExcelente texto Renata, muito bom para reflexão! Adorei! Grande abraço.
Fundadora da INFFINITÁ
9 aConcordo que fomos de um extremo ao outro. Após 17 anos no mercado de trabalho estou no pit stop em busca do equilíbrio. Parabéns, gostei muito do seu texto!
SER Desenvolvimento
9 aTexto ótimo da Renata, gostoso de ler e com informações que nos fazem refletir e significar ou resignificar muitas coisas… Ah… a gravatinha vermelha de tafetá era minha… Eu adorava!!! (minha mãe também!!!)
Executivo Comercial em busca de recolocação.
9 aOi Renata, ótima reflexão e um texto muito gostoso de ler. Valeu!!! Na realidade quem ficava incomodado era o meu avô, ao ver minha avó saindo para trabalhar!!!!! kkkkk Bjs
Gerente em Tecnologia e Segurança da Informação| Great People
9 aRenata, adorei, realmente um momento para reflexão, abraços