Não é erro… é ortografia “freestyle”!
Todos erramos, e é normal e aceitável que assim seja (“errar é humano”). É muitas vezes desta maneira que aprendemos! Por isso, sempre que cometemos um erro, devemos fazer um esforço para o corrigir, de modo que não se torne habitual.
Porém, quando o hábito se instala, o erro acaba por ser percebido como familiar, parecendo ser a forma correta.
E tal como a mentira – que, por tantas vezes ser repetida, se torna verdade –, o erro pode seguir um percurso idêntico.
Neste estádio, a sua identificação torna-se muito difícil para quem o comete… E se o número de infratores aumenta, o erro vai-se generalizando, acabando até, no limite, por ser aceite como a forma aconselhável e correta.
Todos erram, mas ninguém aceita os erros alheios. (Sid Aguiar)
Quando erramos, mas detetamos a falha ou alguém nos alerta, temos muitas vezes a tendência para arranjar desculpas ou justificações – desde a simples distração até à atribuição (indevida) da culpa ao novo Acordo...
Posição diferente temos, normalmente, com os erros dos outros: são quase sempre inadmissíveis!
Na sequência de outros artigos, abordamos alguns mal-entendidos muito frequentes:
1. Outrem | Outrém*
Justificação:
Dado que “outrem” é uma palavra grave (a sílaba tónica é a penúltima), não é acentuada graficamente. Mas se, porventura, tivesse acento, este seria na sílaba tónica (“ou”), e nunca na última (“em”).
Este erro acontece, provavelmente, devido à sua semelhança, por exemplo, com “alguém”, “ninguém” ou “também”, que são palavras agudas e, como tal, devem ser acentuadas.
2. Sobre | Sob
Justificação:
“Sob” e “sobre” são palavras antónimas (têm significados contrários); mas, pelo facto de serem tão parecidas, conduzem muitas vezes a mal-entendidos e à troca de uma pela outra.
“Sob” significa “por baixo de”, “debaixo de”, “subordinado a”, etc. (exemplos 1, 3 e 4).
“Sobre” significa “em cima de”, “por cima de” e “acima de”; ou seja, refere-se a algo que está numa posição superior (exemplo 2); mas também pode ter o sentido de “acerca de”, “a respeito de” (exemplo 5).
3. Há quem | Aquém | À quem*
Justificação:
“Aquém de” significa “abaixo de” (exemplo 1) ou “antes de” (exemplo 3).
“Há quem” (verbo haver + pronome relativo) equivale a “existe quem” (exemplo 2).
A expressão “à quem*” não faz sentido; no entanto, devido à homofonia (o mesmo som), é muitas vezes utilizada na escrita, erradamente, em substituição tanto de “aquém” como de “há quem”.
4. Porque | Por que
Justificação:
Esta é uma dificuldade muito comum, acentuada pelo facto de a norma portuguesa não ser rigorosamente coincidente com a variante brasileira, nomeadamente na formulação de perguntas, como se verá a seguir.
“Porque” emprega-se:
- quando é conjunção causal (exemplo 1);
- quando é advérbio interrogativo, tanto nas orações interrogativas diretas (exemplos 4 e 6) como nas indiretas (exemplo 7). Na variante brasileira do português, usa-se “por que” nestes casos.
“Por que” utiliza-se:
- quando “por” é preposição e “que” é pronome relativo, equivalendo a “pelo qual”, “pela qual”, “pelos quais”, “pelas quais” (exemplo 3). Nestes casos, o nome (substantivo) a que o “que” se refere está quase sempre presente (“artigo” no exemplo 3);
- quando “por” é preposição e “que” é pronome interrogativo adjunto, isto é, vem junto de um nome (exemplos 2 e 5: “caminhos” e “motivo”, respetivamente);
- quando “por” é preposição e “que” é pronome interrogativo. Exemplo: «Por que esperas?» (= «Por que coisa esperas?»; «Que coisa esperas?»)
Nota: Uma maneira expedita de saber que forma usar consiste em substituí-la por “por/pelo(a) qual” ou “por/pelos(as) quais”: se fizer sentido, a forma correta é “por que”; senão, é “porque”.
5. Mais bem | Melhor
Justificação:
“Melhor”, como comparativo de “bem”, pode ser modificador de um verbo (exemplo 5).
Porém, antes de um particípio passado, utiliza-se “mais bem” e não “melhor” (exemplos 1, 2, 4).
No entanto, depois do particípio passado usa-se a forma sintética “melhor” (exemplo 3).
Nota: Tudo o que se disse aplica-se de igual modo a “pior / mais mal”.
O facto de continuarmos a pensar que uma determinada coisa não é errada dá-nos uma aparência superficial de estarmos certos. (Thomas Paine)
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Sobre o autor – Revisor de textos. Atuou como coordenador editorial (editor) e revisor, ao longo de mais de duas décadas, em editoras de referência. Orienta agora a sua atividade para a colaboração com empresas – que baseiam o seu sucesso na atração e fidelização de clientes através da disponibilização de conteúdos de qualidade – e também particulares, que gostam de escrever, por exemplo, em blogs e no LinkedIn.
Project Management
4 aMais uma lufada de ar fresco para relembrar a gramática. Obrigado, José Ribeiro.
Docente, jurista e investigador jurídico focado no direito digital.
5 aExcelente. Como sempre.
Retired 2022 | Former Pilot | Ex-Piloto | IR | FI | IRI 7,300 h | 8,500 h || FE | IRE | FIE | SENIOR EXAMINER Former Combatant | Antigo Combatente 1975 | 1972
5 aExcelente,bem haja!
Técnica superior na APPACDM de Évora
5 aJosé Ribeiro, MUITO OBRIGADA! Não sei como lhe expressar a minha satisfação. A sua publicação e o seu saber cairam-me do Céu! Quantas dúvidas me têm surgido, em momentos pouco adequados para consulta ou pesquisa de fontes, com a resposta pronta e completa nestas suas referências... José Ribeiro, bem haja!
Business Coach & Senior Retail Consultant
6 aObrigado! Felizmente, tive bons professores de português, que me ensinaram a falar e a escrever bem e, principalmente, a gostar da correcção no discurso falado ou escrito. Mas por vezes é difícil manter a correcção, quando vemos certos erros “a serem” repetidos por pessoas que são referência na comunicação, como is locutores e os autores de textos em jornais, revistas... e no LinkedIn... Parabéns e por favor, continue a ensinar-nos...