Não gostaria de entrar e tomar uma xícara de ̶c̶a̶f̶é̶ ̶ CHA?
Não, este não é um artigo sobre as técnicas de persuasão de Dona Florinda, mas sim uma análise sobre o papel fundamental que as pessoas exercem em projetos ágeis e a relação que algumas organizações estabelecem com cada um dos elementos do acrônimo CHA (Conhecimentos – Habilidades – Atitudes).
O saber de que o sucesso de um projeto depende de um conjunto de fatores nem de longe é novo. Neste artigo abordarei o elemento que considero ser um dos mais essenciais e complexos neste contexto — pessoas —, bem como uma visão particular acerca da relação que algumas organizações estabelecem com cada um dos elementos do acrônimo CHA (Conhecimentos – Habilidades – Atitudes).
Há alguns anos conheci a seguinte citação de Gerald Weinberg: “No matter how it looks at first, it's always a people problem”. Em português: “Não importa a aparência inicial, é sempre um problema de pessoas”. Desde então já internalizei mais de uma reflexão acerca desta frase e, a cada ano, mais percebo ou vivencio sua veracidade.
“No matter how it looks at first, it's always a people problem” — Gerald Weinberg foi um cientista da computação, autor e professor de psicologia e antropologia do desenvolvimento de software.
No contexto de desenvolvimento de software estamos constantemente envoltos em projetos nos quais criamos recursos que visam estabelecer soluções para pessoas, seja de forma direta ou indireta. Assim, como uma interpretação primária à frase de Weinberg, de fato, os problemas que resolvemos são para e/ou de pessoas.
Uma segunda leitura desta citação decorre de análises de causas raízes realizadas em projetos e estudos nos quais estive envolvido como membro ou observador, bem como de relatos de outros profissionais da área. Nestes, não raramente diversas causas se mostraram consequências de situações bem sucedidas ou de problemas envolvendo pessoas, não necessariamente no sentido de alguém em específico ser a salvação ou o martírio de um projeto, mas das relações que as pessoas estabelecem entre si, da preocupação que possuem (ou não) em compreender e seguir definições de processos, padrões de qualidade e boas práticas, em cumprir prazos acordados coletivamente, em buscar entender e melhorar continuamente o seu trabalho e também o dos demais membros de sua equipe ou organização. Ainda, tais causas igualmente se relacionam ao interesse e aos incentivos recebidos pelas pessoas para se atualizarem e se qualificarem cada vez mais em suas áreas de atuação, bem como aos reflexos oriundos da percepção que cada um possui acerca da valorização e reconhecimento de seu próprio trabalho ao longo do tempo. São questões que, em suma, envolvem comunicação, disseminação de conhecimento, motivação, bem estar físico e mental, empatia, transparência, confiança, escuta ativa e uma gama de atitudes, sentimentos e ações que podem ser evidenciadas desde níveis operacionais até gerenciais.
Diante deste cenário, é notória a fundamental importância das pessoas em projetos ágeis e, a meu ver, em projetos de modo geral. Sabendo disso, ao buscar por possíveis soluções para as causas mencionadas no parágrafo anterior, prontamente alguns conceitos de gestão, bem como valores e práticas ágeis me vieram à mente (pois ora, indivíduos, colaboração e comunicação estão explicitamente contidos neles). Contudo, ocorre que, como time, ao tentarmos aplicar e/ou reforçar tais práticas nos projetos e estudos em questão, nem sempre obtivemos plenamente seus tão esperados benefícios. Comparando as experiências falhas com as bem sucedidas (também tendo analisado relatos de aplicações semelhantes de outros profissionais), foi possível evidenciar que alguns elementos se mostraram comuns ao primeiro grupo: culturas organizacionais não muito flexíveis e um desalinhamento das gerências de alto nível (principalmente no que se refere a questões práticas) com tais ações. Isto me fez perceber que não só a agilidade, mas também a completude de um conceito que há muito tempo aprendi é desejada pela maioria das organizações em seus colaboradores, mas nem sempre expressa, fomentada ou bem balanceada por elas: o conhecido CHA, do contexto de gestão de pessoas e gestão por competências.
Resumidamente, o acrônimo CHA representa os três eixos que comporiam as competências de uma pessoa: conhecimentos, habilidades e atitudes. Assim sendo, um profissional “desejável” apresentaria bons elementos/referências em cada um destes eixos.
Profissionais que apresentam tanto conhecimentos interessantes, quanto boas habilidades e atitudes são realmente atrativos. Todavia, percebo que nem sempre a busca e desenvolvimento de cada um destes eixos é estimulada ou bem equilibrada pelas organizações, o que acaba por impactar negativamente os resultados de seus próprios projetos e a capacidade destas em se tornarem verdadeiramente ágeis.
Sobre o eixo do conhecimento (conjunto de saberes teóricos da pessoa), por exemplo, cabe destacar que muitas organizações buscam por profissionais com conhecimentos mais aprofundados, com perfis investigativos, capazes de solucionar problemas e inovar em suas áreas. Porém, em contrapartida, ainda são escassos os incentivos por parte delas no que diz respeito a formações cujo foco é exatamente este, como as de nível stricto sensu relacionadas à atuação mercadológica (mestrados profissionais), isto se intensificando em regiões desprovidas de ensino público neste nível. Ainda, apesar de autodidatismo ser visto como uma habilidade boa, este por vezes é ignorado ao se analisar os meios de desenvolvimento de uma pessoa, se atrelando tal aspecto excessivamente a certificações (especialmente as de caráter complementar). Logo, em muitos ambientes não é fomentada uma cultura de aperfeiçoamento contínuo com qualidade e profundidade, mas sim estimulado um mercado de exames e certificados de cursos superficiais (fazendo-se aqui uma ressalva às instituições que de fato se preocupam com a qualidade do ensino) e que muitas vezes são deixados totalmente à custa do colaborador.
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Complementarmente, é interessante enfatizar que este eixo também é resultado de experiências pessoais e profissionais, estando igualmente ligado à vontade que a pessoa tem de aprender. Entretanto, não raramente visualizo relatos de pessoas que encontram um obstáculo diante da busca pelo primeiro emprego, de promoções ou mudanças de função: a supervalorização da experiência comprovada (leia-se aqui “anos de trabalho na função”, de forma simples e pura). Com isso, evidencia-se de certo modo o prevalecimento do famoso estereótipo do idoso sábio, sendo mal interpretado o conceito de conhecimento e marginalizados, nestes casos, os outros dois eixos do CHA: as habilidades (potencial e capacidade da pessoa em transformar seu conhecimento em bons resultados) e as atitudes (e.g.: ética, empatia, comprometimento, iniciativa, etc, podendo ser aqui inclusa a própria disposição em aprender mencionada acima). Experiência, quando bem acumulada, é realmente algo bom. Contudo, para muitos ainda cabe entender que os anos por si só não aprimoram e qualificam um profissional, é necessário que este os utilize para melhorar continuamente, em todos os sentidos.
Em relação às habilidades dos profissionais, apesar de desejadas, estas nem sempre são bem aproveitadas pelas organizações. Isto ocorre geralmente devido ao receio por aquilo que se mostra novo, bem como pela ausência de concessão da autonomia necessária a cada papel dentro de um time ágil ou de liberdade de atuação significativa: (a) de gerentes de nível institucional a seus gerentes de níveis médio e operacional (situação acentuada em empresas familiares); e (b) dos próprios gerentes de níveis inferiores aos demais membros de suas equipes (destacando aqui que muitos destes papéis tradicionais não são descritos em metodologias e/ou frameworks ágeis, mas, ao mesmo tempo, não podendo ser desconsiderada sua presença ainda existente em muitas empresas do setor que utilizam de algum modo cerimônias, papéis, eventos e práticas comuns a estas metodologias e/ou frameworks). Tais relações de centralização de poder e receio ao novo acabam por burocratizar os processos e a subutilizar as habilidades dos membros das equipes (que poderiam fazer muito mais se realmente lhes fosse concedida a autonomia esperada).
A respeito das atitudes, Peter Schutz, ex-CEO da Porsche, evidencia sua importância em sua conhecida citação: “Contrate o caráter e treine as habilidades”. Isto de modo algum representa que as habilidades não são importantes, mas enfatiza-se na citação o eixo das atitudes, o qual permite com que as próprias habilidades — em conjunto com o desenvolvimento do eixo do conhecimento — sejam adquiridas, revisadas e adaptadas ao longo de toda a carreira de um profissional.
“Contrate o caráter e treine as habilidades” — Peter Schutz, CEO da Porsche no período de 1981 a 1987.
O eixo das atitudes se relaciona ao saber ser e à tomada de iniciativas para a mudança do ambiente organizacional para melhor, de modo contínuo. Todavia, ocorre que muitas organizações ainda “sufocam” profissionais com atitudes neste sentido, uma vez que esperam que estes promovam melhorias, mas, ao mesmo tempo, em termos práticos falham na prestação do apoio necessário para tal e/ou estabelecem barreiras e resistência diante de novas ideias e possíveis mudanças. Ainda, por vezes, perfis de profissionais disseminadores de conhecimento e de boas práticas não são devidamente reconhecidos, havendo, ao contrário, a valorização de colaboradores meramente por afinidade pessoal, questões políticas ou por há anos se manterem “valiosos”, sendo que na prática (e estrategicamente, ao menos na cabeça deles) estes são verdadeiros silos de conhecimento que não contribuem diretamente para o real crescimento das pessoas ao seu redor.
Ainda a respeito de atitudes, cabe destacar o grande anseio de gestores para que seus times sejam ágeis, mas a ausência da incorporação de conceitos de agilidade em suas próprias ações, o que acaba por impor entraves na atuação e desempenho das equipes.
Por fim, como conclusão ao exposto, gostaria de apresentar algumas orientações breves, as quais até podem parecer clichê, mas que não deixam de consistir em pontos importantes:
Abraços!
Business Analyst | Analista de Requisitos | Analista de Regra de Negócio
3 aExcelente artigo! Muitas vezes bons profissionais desistem pela falta de estrutura, e quando falo em estrutura me refiro ao apoio com base de conhecimento, ao apoio à inovação 💡e também a estrutura física ideal para que o profissional possa trabalhar adequadamente. Como mencionado no seu artigo, é importante valorizar antes do colaborador solicitar desligamento, e essa valorização não é apenas financeira, mas emocional. Também existem diversos cenários com profissionais sem experiência, mas com grande potencial e anseio por desafios que proporcionem aprendizado e crescimento, mas por esses profissionais não possuírem experiência as oportunidades não são fornecidas. Como ter profissionais qualificados se sua empresa não está disposta a ensinar? Os seres humanos almejam crescimento cultural, técnico e pessoal, reconhecimento e líderes que escutem com sinceridade. Pessoas buscam apoio para realizar grandes projetos porque querem deixar seu nome em cada processo bem feito, não importa o quanto seja grandioso ou difícil, com persistência, paciência e apoio todos podem ir além das expectativas. Empresas, ajudem as pessoas a trabalharem felizes e em paz!