Não leve a baleia para casa

Não leve a baleia para casa

A surpresa

Quarta-feira, sete da matina, feriado da Proclamação da República. Um típico dia ensolarado no Rio de Janeiro, aquele ideal para ir à praia, passando antes na padaria, calmamente, para comprar o sagrado café da manhã a ser degustado com a família. Ligo a TV e me deparo com uma imagem aérea impressionante: uma baleia morta à beira-mar. 

Sem conseguir ouvir nitidamente o discurso do repórter, torci para que o mamífero gigante não estivesse por estas bandas. Copa, Ipanema, Leblon ou Barra foram as que vieram à minha cabeça naquele momento. Na verdade, no fundo, no fundo, eu sabia que o cetáceo estava em uma de nossas praias. O volume da televisão era mais do que adequado, mas eu simplesmente não queria ouvir e ver aquela cena. Eis que o repórter sentencia: era Ipanema, local escolhido pela baleia para o descanso eterno após falecimento em alto mar.

“Por que não na Região dos Lagos?”, pensei. Arraial do Cabo, Cabo Frio? Nada contra estes lugares mas descansar ali, tão perto de nós, seria um banho de água fria para mim. Bye bye feriado. Adios café da manhã tranquilo e ócio produtivo! 

Comuniquei a todos em casa que nosso café coletivo fora suspenso. Dali em diante, minha praia mudaria o status de lazer ao status profissional, seria meu local de trabalho. Frustrações administradas e feitas as promessas de um outro brequefeste na primeira oportunidade, comuniquei-me com as instâncias superiores. Àquela altura, meus pares já tinham conhecimento da epopéia que iríamos enfrentar. Vesti minha roupa de combate operacional, meu coletinho laranja e fui ao encontro de um problema de peso! 

 A desafiação

 Confesso que gosto de missões desafiadoras. É do meu perfil, é orgânico, veio comigo de fábrica! Já passavam das 9h10min quando cheguei devidamente paramentado física e psicologicamente para me juntar aos outros profissionais envolvidos na operação. Finalmente estava eu ali, cheio de adrenalina, a oferecer meus préstimos como servidor público, obstinado em auxiliar a dar um destino digno ao célebre cetáceo.

“O que fazer” não era a principal pergunta. Diante daquele gigante, o “como fazer” tornara-se incontornável. Não que outros imensos desafios já não constituíssem parte de minha história. Com mais de vinte anos de experiência na área de limpeza urbana, noventa por cento de minha trajetória esteve voltada a área operacional, orquestrando equipes que cuidam da boa manutenção da cidade. Desafio diário é manter nossas praias limpas, pois o lixo é descartado indiscriminadamente nas areias; a fiscalização é difícil e pouco eficaz; banhistas e comerciantes mostram-se, muitas vezes, desprovidos de educação e senso de pertencimento. Árduo é o trabalho de campanhas que tentam gerar consciência ambiental e bem-estar coletivo. Neste caso, no entanto, o “resíduo” era bem mais pitoresco e um tanto mais pesado do que o de costume. 

Grande era nosso nervosismo. A orla encontrava-se repleta de moradores e curiosos e precisávamos corresponder às expectativas. Como aquele animal seria retirado das areias?, era o que todos estavam ansiosos por saber. Contudo - e esta é a lembrança mais empolgante e gratificante - a população demonstrou, mais uma vez, grande confiança em nossa Companhia de limpeza urbana.

 A Operação foi trabalhosa, mas (acreditem) prazerosa, além de bem-sucedida. Não tenho dúvidas de que houve intervenção e autorização divina. Conseguimos terminar nossos trabalhos por volta das 22h40min, quando lacrei meu inusitado dia. Algo tão marcante, tão significativo, que me levou a publicar este breve artigo.

 Um dia a conta chega

Quando mencionei acima, rapidamente, que as frustrações haviam sido administradas, não dei a devida ênfase ao fato. Certamente o diálogo não foi nada simples e agradável. Os questionamentos foram feitos pela família e eram pertinentes: Vai deixar de curtir o dia conosco? Vai abrir mão do seu dia de folga? Será que tem que ser você a tentar resolver isto?

O “bichinho da culpa” me acompanhou durante todo o trajeto até Ipanema. 

O fato é que os filhos crescem e um dia cobram. Mesmo compreendendo que são ossos do ofício, eles, com muita razão, cobram, de forma diplomática ou não.

Se a frustração acontecer por conta do trabalho, tente minimizar ou resolver compensando de maneira humanizada. Vale à pena!

 Workaholic?

Trabalhar praticamente sem parar e não conseguir contemplar um dia de folga sem pensar no trabalho. Isto pode até levar alguns profissionais ao reconhecimento pelo mérito, mas os transformará em seres humanos pouco empáticos, exaustos, fatigados e, com algum grau de probabilidade, descartáveis para as corporações. Saiba que a sua sucumbência abrirá espaço para outro profissional no dia seguinte, afinal os cemitérios estão cheios de pessoas insubstituíveis! 

Todos nós temos momentos em que o estilo workaholic parece ser a única maneira de progredir, pois nos faz ter certeza de que poderemos ser insubstituíveis. Mas… alerta! Limites devem ser estabelecidos! 

Ter uma boa performance é uma coisa, mas ser incapaz de desligar e relaxar é outra totalmente diferente.

 Colaterais

A pirâmide de nossa vida pode ser dividida, debaixo para cima, em três pilares: saúde, família e trabalho. São planos, aspectos da vida interconectados. Contudo, quando decidimos virar a pirâmide de cabeça para baixo (de ponta-cabeça, dirão os paulistas), colocando o trabalho como maior prioridade, os resultados indesejados não demoram a aparecer: síndrome do pânico, depressão, ansiedade, baixa autoestima, irritabilidade e outros tantos desequilíbrios emocionais que refletem, não só na vida profissional como pessoal.

Trabalhar é importantíssimo, pode e deve ser muito prazeroso. Mas descanse, viaje, abstraia, curta a família, curta quem você gosta. Mais: endorfirne-se, trate seu corpo como um santuário para que sua mente lhe dê o norte de uma vida equilibrada. 

 A vida é um sopro

Seja eficiente no trabalho, estabeleça prioridades e só leve trabalho para casa em circunstâncias muito excepcionais e imprescindíveis. 

A vida passa muito rápido. Não dê oportunidade para se arrepender pelo excesso ou pela omissão!


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