A NATUREZA DO FUTURO? APRENDER A APRENDER
Há quem efectivamente se predisponha a perturbar o universo provocando impactos profundos, seja num negócio, na sociedade ou a nível pessoal. Pessoas que se atiram para a frente como que guiadas por um sexto sentido ou capacitadas com uma visão atenta do futuro, aguentando a mudança que daí possa advir. Não vos falo de heróis, nem de mitos, falo de pessoas predispostas ao risco, sensíveis ao desconhecido e com capacidade para cruzar e ligar informação de formas impensáveis. Para elas, permanecer na “mesma como a lesma”, não traz nada de novo, muito pelo contrário. O universo não as perturba como acontece com a maioria (bem… um pouco, talvez), são elas que ousam perturbar o universo. A fórmula? Compreender o valor e o verdadeiro significado de aprender a aprender.
Será que sabemos que nada saberemos?
O futuro não será da ordem dos graus académicos, nem se avizinha dos doutores e engenheiros. Como escreveu Alvin Toffler no livro Future Shock, a partir de uma declaração de Herbert Gerjuoy: “Tomorrow’s illiterate will not be the man who can’t read; he will be the man who has not learned how to learn.” Se esta é a natureza do futuro, estaremos nós preparados para fazer parte dele? Se pensarmos em termos do que têm sido os diferentes modelos educacionais implementados nas diferentes escolas (salvo raras excepções), não, não estamos aptos a lidar com um mundo em constante mudança, que se adivinha volátil, incerto, complexo e ambíguo (no seu original, VUCA environments). Falta-nos uma noção de relação com a aprendizagem, uma ligação da ordem do learn by yourself para que, tal como Sócrates, possamos dizer, “Só sei que nada sei”, tornando-se assim, num possível ponto de viragem face à tradicional e passiva educação institucional.
Slumdog Millionaire - Aprender através de um buraco na parede
Sugata Mitra, investigador educacional, levou a cabo em 1999, juntamente com o seu amigo Vivek, o que considero ser uma das mais notáveis e admiráveis experiências no âmbito da tecnologia educacional (Hole in the Wall project). Um computador foi instalado na parede de um muro exterior numa das favelas mais pobres de Nova Deli (Kalkaji). O computador estava acessível a toda a gente, tinha acesso à internet e um número de programas que poderiam ser usados por quem quisesse (sem que houvesse qualquer tipo de instruções). O que aconteceu foi surpreendente. As crianças da favela começaram a explorar e a aprender como usar o computador de forma muito espontânea. Ao fim de seis meses, já sabiam abrir todos os programas, pesquisar na internet, fazer download de jogos, músicas e vídeos. Como é que conseguiram fazer tudo isto, sendo que nenhuma delas tinha conhecimentos em computadores e poucas sabiam ler? Muito simples, aprenderam por elas próprias, sozinhas ou partilhando o que iam sabendo umas com as outras. Lembram-se do filme “Slumdog Millionaire”, vencedor do Óscar de melhor filme de 2008? O filme de Danny Boyle foi inspirado na obra “Q&A” de Vikas Swarup que, por sua vez, se inspirou no projecto Hole in the Wall de Sugata Mitra. A experiência de Sugata transformou-se na visão de Danny, que ilustram bem a natureza do futuro e de como qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo pode aprender algo complexo de forma autónoma, intuitiva e diferente.
E se…
O que hoje se aprende nas escolas, estiver completamente obsoleto daqui a trinta anos, ou até menos? Para vosso conhecimento, eu ainda sou do tempo em que se aprendia a dactilografar à máquina na escola. Se me foi útil? Como se costuma dizer, o saber não ocupa lugar. Sou apologista de que todo o conhecimento deva ser valorizado e respeitado per si, no entanto, tenho plena noção de que saber dactilografar de pouco ou nada me serviu… bem, talvez tenha melhorado um pouco a minha destreza manual. Passados poucos anos as máquinas de escrever caíram em desuso e não mais se voltou a falar delas, a não ser como objecto de colecção vintage ou objecto/lugar de idealização e exaltação do escritor à la Hemingway. Muito daquilo que nos é ensinado (movimento que vem de fora) não respeita o que o futuro aparentemente nos reserva. Recordo-me de aprender matemática de forma diferente, de ouvir a minha professora dizer: “Inventem o vosso caminho, a vossa maneira de chegar à formula final. Não decorem. Assim não se aprende nada, não se pensa.” E, em vez de decorarmos fórmulas matemáticas chatas, desdobrávamo-las às nossa maneira, usando a lógica, pensamento próprio, arriscando perturbar o universo. E se, em vez de aprendermos a dactilografar, a codar ou outra coisa qualquer, porque não aprender a aprender dando primazia ao pensamento, à descoberta, ao risco, à inovação, à imaginação e à criatividade? Do you dare disturbe the universe?
(Fotografia relativa ao original Hole in the Wall, 1999)
Este artigo foi publicado na revista StartUp Magazine, Edição Maio 2016 (nº.6)