A necessidade (cada vez mais urgente) de se acelerar a adoção de criptografia quântica
Gerado por AI

A necessidade (cada vez mais urgente) de se acelerar a adoção de criptografia quântica

Ontem, o Google lançou o Willow, seu novo chip quântico, demonstrando capacidades até então não vistas no meio. Mas por que você deveria se preocupar com isso? Simples, apesar da computação quântica não ter como foco substituir os computadores clássicos que utilizamos em nosso dia a dia (PCs, laptops, smartphones…), o avanço desta tecnologia tem implicações na vida de todos nós, pois representa uma disrupção completa dos algoritmos criptográficos sobre os quais estão construídos a maioria dos sistemas de cibersegurança atuais. Ou seja, a maneira como guardamos informações sigilosas (pessoais, corporativas e governamentais) está sob risco e, apesar de ainda termos, em teoria, uns bons anos até que uma máquina como essa possa ser utilizada para estes fins, é inegável que o “Q Day” - como é chamado o momento em que computadores quânticos serão capazes de quebrar criptografia clássica - está se aproximando.

O que é (em termos básicos) computação quântica?

A principal diferença entre computadores quânticos e clássicos está em um fenômeno chamado de superposição. Enquanto os computadores clássicos usam bits (0 ou 1) para armazenar e processar informações, os quânticos utilizam qubits, que podem representar 0, 1 ou uma combinação de ambos simultaneamente.

Uma analogia simples é comparar o bit clássico a uma lâmpada que está apenas acesa (1) ou apagada (0), enquanto o qubit seria uma lâmpada dimerizável, com infinitos estados intermediários. Isso permite que, ao tentar descobrir uma senha, por exemplo, um computador clássico teste uma possibilidade por vez, enquanto o quântico avalia todas de uma vez, tornando o processo muito mais rápido.

No entanto, manter a superposição é desafiador, já que os qubits são extremamente sensíveis a interferências, até mesmo de partículas minúsculas, o que ocasiona erros. Por isso, computadores quânticos operam apenas por milissegundos, dificultando seu uso para aplicações do mundo real, impossíveis de serem performadas por computadores clássicos.

A relevância do Willow

O Willow demonstrou quatro “feitos” que o tornam relevante, justamente por atacar problemas descritos acima:

. o primeiro é o chamado “below threshold”, a capacidade de diminuir os erros a medida em que se aumenta o número de qubits usados em uma operação, um desafio sem solução há 30 anos. Historicamente, sempre aconteceu o contrário: quanto mais qubits, mais erros eram gerados, o que limitava a estabilidade do estado quântico, fazendo os sistemas se comportarem como computadores clássicos. Ao resolver a questão, o Willow abre caminho para que computadores quânticos de maior porte, que tenham de fato utilidade comercial, sejam construídos;

. pela primeira vez também foi possível demonstrar a capacidade de correção de erros em tempo real, algo similarmente fundamental para aplicações em casos de uso comerciais;

. o Willow resolveu em menos de 5 minutos o RCS (random circuit sampling), um método de avaliação das capacidades quânticas de um sistema, tido como o benchmark mais difícil para computadores do tipo e básico para entender se os mesmos conseguem desempenhar tarefas impossíveis para sistemas tradicionais. Para se ter uma noção do feito, o Frontier, um dos mais poderosos supercomputadores clássicos do mundo hoje, demoraria 10 septilhões de anos (10,000,000,000,000,000,000,000,000) para fazê-lo;

. o chip aumentou para 100 milissegundos o tempo de estabilidade do estado quântico dos qubits, um incremento de 5x em relação às gerações anteriores de chip do Google. Este tempo de estabilidade é vital para que sistemas deste tipo consigam performar com sua capacidade plena.

2024: o ano de maior investimento em startups quânticas

Quando escrevi sobre o assunto pela primeira vez, em 2018, a tecnologia começava a ganhar espaço no mainstream, com algumas das Big Techs colocando computação quântica ao lado de inteligência artificial e realidade aumentada como três das mais importantes tecnologias do futuro. De lá para cá, o interesse só se ampliou, o que pode ser demonstrado pelo aumento significativo de aportes feitos em startups do setor nos últimos anos.


Fonte: Crunshbase

2024 se tornou o ano de maior investimento até o momento, segundo levantamento da Crunchbase: até o início de novembro, eram US$1,5 bilhão distribuídos em 50 deals, ultrapassando 2022, com US$973 milhões em 77 deals. 

A Crunchbase especula que o boom de AI ajudou neste crescimento de valores aportados em startups quânticas, uma vez que inteligência artificial tem como um dos seus principais pilares de ganho de escala o poder computacional - e se computadores quânticos podem ser muito mais potentes que os clássicos, em teoria isso poderia acelerar consideravelmente o desenvolvimento de AI, inclusive de forma mais barata e mais eficiente em termos de uso de energia.

O “Q Day” e a necessidade de se acelerar a criptografia pós-quântica

Como supracitado, o “Q Day” é como é chamado o momento em que computadores quânticos se tornam capazes de quebrar a criptografia clássica. Se você leu até aqui, fica fácil de entender o motivo: os algoritmos criptográficos foram desenvolvidos com bases em problemas matemáticos muito complexos de serem decifrados por sistemas tradicionais de maneira eficiente. Há diversos métodos de criptografia, sendo três deles mais comuns atualmente, porém nenhum está pronto para lidar com máquinas exponencialmente mais poderosas, o que representa um problema gigantesco para governos, empresas e pessoas, uma vez que a grande maioria das informações privadas e confidenciais está resguardada desta maneira. Documentos sigilosos de Departamentos de Defesa, informações estratégicas organizacionais, dados médicos pessoais, chaves privadas de wallets de criptomoedas… são apenas alguns dos exemplos que correm riscos.

Não à toa o assunto virou prioridade para as duas maiores potências do mundo, EUA e China, que, assim como em outros casos recentes, iniciaram uma corrida para ver quem irá dominar a tecnologia primeiro, se antecipando a possíveis ataques rivais.

Do lado corporativo também já há interesse nos potenciais impactos da computação quântica em cibersegurança. No início de outubro, por exemplo, o The Wall Street Journal publicou matéria com o título “Q Day Is Coming. It’s Time to Worry About Quantum Security”; já o Gartner, uma das maiores consultorias de tecnologia do mundo, colocou em seu report “2025 Top Strategic Tech Trends” a criptografia pós-quântica como um dos destaques - um novo tipo de criptografia preparado para lidar com sistemas quânticos.

Ambos seguem uma timeline parecida para o “Q Day”: meados da década de 2030. O Gartner fala que em 2029 os métodos criptográficos atuais serão considerados inseguros e em 2034 devem se tornar totalmente quebráveis. Já o WSJ cita Dario Gil, diretor responsável por computação quântica na IBM (uma das empresas líderes na tecnologia), ao afirmar que em 2029 sistemas tolerantes a falhas e capazes de corrigir erros serão viáveis e que em 2035 poderão quebrar criptografias atuais.

No entanto, não é porque estamos falando de um horizonte temporal na casa de uma dezena de anos que governos, companhias e cidadãos não devem se preocupar ainda. Tanto o Gartner quanto o WSJ citam uma prática chamada de “harvest now, decrypt later”, em português “colha agora, decifre depois”. Ou seja, já existem grupos criminosos (e entidades governamentais, por que não?) roubando dados criptografados agora com a expectativa de poderem quebrá-los em alguns anos, quando a tecnologia permitir. Por isso a urgência de se adotar métodos de criptografia pós-quântica desde já para evitar problemas graves no futuro.


Ciclos de desenvolvimento tecnológico cada vez mais acelerados

É notório que tecnologias têm evoluído de maneira cada vez mais veloz nos últimos anos e o maior exemplo disso é o que tem acontecido no campo de AI, mais especificamente GenAI. Experimente tentar acompanhar o ritmo das coisas e ficará com estafa mental. Porém, estas mesmas tecnologias que têm avançado rapidamente acabam ajudando a acelerar outras, criando um ciclo virtuoso mais e mais poderoso. Por exemplo, o próprio Google, recentemente, lançou o AlphaChip, seu algoritmo de AI capaz de otimizar o design de chips, com performance superior à de profissionais humanos. Ou seja, uma inteligência artificial cria chips mais poderosos que irão alimentar outras inteligências artificiais, tornando-as ainda mais poderosas e por aí vai.

Por que estou escrevendo isso? Porque pode ser que as timelines destacadas acima sejam encurtadas a partir de novas descobertas no meio. Há, inclusive, papers publicados demonstrando a capacidade de computadores quânticos atuais de quebrar criptografias clássicas, como o RSA.

Porém, avanços como os demonstrados pelo Willow tornam esta possibilidade de antecipação de datas muito mais crível. Se estamos falando de um sistema que pode crescer em tamanho de qubits (tornando-se mais potente) enquanto diminui a produção de erros; capaz de corrigir estes erros em tempo real; que mantém seu estado quântico estável por significativamente mais tempo, podendo performar mais e melhor cálculos antes de “quebrar”; e que consegue resolver o benchmark mais complicado do meio infinitamente mais rápido do que um dos supercomputadores clássicos mais robustos do planeta, é perfeitamente possível acreditar que talvez o “Q Day” não esteja tão longe assim.

Ou seja, está na hora de você começar a pensar com seriedade nos impactos da computação quântica, antes que seja tarde.

João Henrique Bellincanta Gomes

CEO na Trustic | Founder da CorLabs Holding | Empreendedorismo e Inovação | Estratégia de Negócios | Tecnologia para fintechs | Membro de Board

1 m

O avanço da computação quântica AINDA não ameaça diretamente a segurança do blockchain e do Bitcoin. A indústria cripto está proativa, desenvolvendo soluções como assinaturas pós-quânticas para minimizar futuros riscos. Mas precisamos de um olhar mais estratégico, todos os setores dependentes de criptografia, para garantir alguma segurança.

Cláudia Gazar

Comunicação Corporativa | Sustentabilidade & ESG | Marketing Digital | Empreendedorismo | Planeamento Estratégico

1 m

Felipe Ribbe de Vasconcellos obrigada pelos esclarecimentos (apesar de ter ficado cheia de dúvidas!!!). Espero que este conteúdo sirva mesmo de alerta aos Governos, Organizações de Saúde e a Banca, para que estejam a investir no pós-quântico!

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outros artigos de Felipe Ribbe de Vasconcellos

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos