Negócios de Impacto - Um campo possível ao Gestor de Políticas Públicas
INTRODUZINDO O SEGMENTO DE NEGÓCIOS DE IMPACTO SOCIOAMBIENTAL
As intempéries ambientais, econômicas e sociais têm exigido cada vez mais ações, sob uma perspectiva ecossistêmica, de atores e instituições pertencentes aos três setores econômicos a partir de um frame de co-criação e colaboração mútua, a fim de trazer de fato o desenvolvimento sustentável à realidade. Mais do que isto, os problemas que outrora pareciam distante e/ou atingiam as organizações de modo mais indireto, agora, encontram-se à espreita. O lucro pelo lucro não é mais um objetivo. A palavra da vez na cultura organizacional é impacto. Tem-se atentado mais fortemente àquilo que se quer causar na sociedade e no meio ambiente.
Assim, têm-se difundido novas formas organizacionais que respondem ao cenário atual, coadunando sustentabilidade financeira e geração de valor socioambiental. Negócios de Impacto Socioambiental, ou simplesmente Negócios de Impacto são a denominação destes empreendimentos sociais que vislumbram atingir lucro por meio de mecanismos de mercado mas, a priori, querem gerar impacto socioambiental positivo.
No entanto, há diferenças semânticas importantes à serem esclarecidas no que se refere a este modelo organizacional. São três: Negócios Sociais, Negócios Inclusivos e Negócios de Impacto, com diferenças sutis. Negócios Sociais são compreendidos em cenário nacional como aqueles negócios que, assim como os de Impacto, tem a intencionalidades socioambientais positivas, no entanto, diferentemente, não possibilitam a geração de lucro para ser divido entre os investidores. Neste modelo, todo o excesso gerado é reinvestido no próprio negócio. Não obstante, há a termologia Negócios Inclusivos, que objetiva enquadrar aqueles empreendimentos sociais que permitem a geração de lucro e repartição de dividendos, mas, possuem como grande frame a construção de oportunidades para grupos que possuam mobilidade reduzida no mercado de trabalho (TEODÓSIO; COMINI, 2012).
Todas as três especificações possuem como denominador comum gerar impacto positivo à sociedade. A escolha pela terminologia Negócios de Impacto se faz, para além desta questão de intencionalidade, pois no Brasil há a Força Tarefa de Finanças Sociais, um movimento que conjumina inúmeros atores, a fim de identificar, apoiar e conectar organizações que atuam na temática, que corrobora ao fortalecimento, de forma organizada, deste negócios e ecossistema, a fim de aportar até R$50 bilhões ao ano movimentados até 2020 para o campo das Finanças Sociais, que incluem os três tipos de negócios acima identificados. Porém, tal movimento adotou a definição de negócios (de Impacto) como: “empreendimentos que têm a missão explícita de gerar impacto socioambiental ao mesmo tempo em que geram resultado financeiro positivo e de forma sustentável” (FORÇA TAREFA DE FINANÇAS SOCIAIS, 2017). Como o movimento tornou-se o grande referencial no ecossistema, grande parte de empreendimentos sociais, aceleradoras, incubadoras, fundos de investimentos, institutos e fundações, tem se orientado por ele.
Esta Força Tarefa faz parte do Global Social Impact Investment Steering Group, um movimento global sucessor ao Social Impact Investment Taskforce, que fora estabelecido e anunciado no G8 Social Impact Investiment Forum pelo Primeiro Ministro Britânico. Desta forma, O GSG coaduna as forças tarefas de 13 países membros e União Europeia, bem como ativos do governo e outras organizações que atuam por meio de uma ampla rede, a fim de catalisar um mercado global de investimentos de impacto para os negócios – sociais, inclusivos, de impacto.
DEFINIÇÃO DO SEGMENTO PROFISSIONAL
O Ecossistema de Negócios de Impacto e Finanças Sociais conta com três grandes tipos de players: empreendedores sociais, intermediários e financiadores. Os empreendedores sociais são indivíduos ou grupos que, a partir de uma ótica de inovação, optam por empreender na edificação de um negócio que possa ser rentável e gerar impacto. No entanto, para que o negócio se viabilize, são necessárias competências e habilidades em gestão orientada ao impacto socioambiental e o conhecimento de certas especificidades no modus operandi deste tipo de negócios que, muitas vezes, estes empreendimentos não conseguem desenvolvê-los per se. Assim sendo, se faz necessário o apoio de atores intermediários que os viabilize, instrumentalize e insira em uma rede de potenciais parceiros e investidores, assistindo à todas as variáveis de um negócio. Para tanto, existem as incubadoras, que fornecem apoio aos projetos, ideias, para que se tornem negócios. A partir de determinado estágio, as aceleradoras são acionadas – instituições responsáveis por ajudar os negócios ae escalarem (DELOITTE, 2015). Ainda como intermediários, encontram-se as instituições de ensino, que assessoram e legitimam o campo por meio do conhecimento científico gerada. Por fim, os financiadores. Fundos de investimentos, Family Offices, pessoas físicas e jurídicas, instituições de microcrédito, institutos e fundações (que possuem certo hibridismo entre apoio institucional e em gestão, geração de conhecimento e fomentadoras financeiras), bancos e agências governamentais, compõe o grupo que aloca capital para o desenvolvimento de negócios de impacto, por meio de recursos financeiros de mercado, formando assim, as Finanças Sociais.
Como elucidado, o ecossistema de Negócios de Impacto e Finanças Sociais, ou simplesmente os Negócios de Impacto, necessitam de um grande arcabouço para se desenvolver e de uma rede considerável de intermediários e financiadores. Assim sendo, pode-se dizer que este tipo de negócio funciona a partir de métodos administrativos comuns à empresas privadas, por meio de planejamento estratégico, separação de áreas por competências, controle de custos etc., mas com uma intencionalidade socioambiental muito forte, sendo esta a orientadora de todos os esforços. Assim, todas as funções de uma empresa privada podem e, em alguns casos, são contempladas por negócios de impacto. No entanto, um grande diferencial do campo é sempre a postura ecossistêmica para as ações. Sendo assim, se faz necessário para atuar junto destes negócios, engajamento social e/ou ambiental, conhecimentos técnicos de gestão de recursos (financeiros, humanos, etc.) e competências e habilidades multi e interdisciplinares, tendo em vista o contexto de cooperação que o ecossistema estabeleceu e o profundo engajamento do conhecimento cientifico para orientar suas ações. Para além, a interação com o poder público é fundamental para a regulação deste ecossistema e sua disseminação. Sendo assim, o Gestor de Políticas Públicas é apto a adentrar o campo, por meio de inúmeras posições em quaisquer uma das três vertentes que englobam os Negócios de Impacto.
O SEGMENTO NO BRASIL
Tendo em vista que o desalinhamento conceitual ainda persistente no campo, os mapeamentos produzidos por atores do campo de negócios de impacto, identificaram um total de 943 empreendimentos sociais (e todo o leque de terminologias) no Brasil. Os levantamentos foram realizados a partir de amostras intencionais, constituídos por organizações que se relacionam com atores intermediários – aceleradoras, incubadoras, institutos, fundações e fundos de investimento. Como estes atores atuam de forma preponderante no Sudeste, as amostras refletem este viés.
Assim, partindo-se do pressuposto que não há sobreposição de empreendimentos nos respectivos relatórios, pode-se dizer que há 140 negócios sociais e inclusivos (PLANO CDE, 2011), 16 negócios sociais e inclusivos (INSTITUTO WALMART, 2011), 27 negócios sociais (SERCONEK; VITORIANO, 2013), 25 negócios de impacto (POTENCIA VENTURE, 2013a; 2013b), 19 negócios inclusivos (PNUD, 2015), 50 empreendimentos sociais (INSPIRARE, 2015), 28 negócios de impacto social (SEBRAE, 28), 50 empresas sociais (ENDEAVOR, 2016) e 579 Negócios de Impacto (PIPE, 2017). Há um alto nível de concentração dos empreendimentos no sudeste, seguido por nordeste e sul, com baixíssima representação do centro-oeste e norte (PLANO CDE, 2011; INSPIRARE, 2015; SEBRAE, 2016; PIPE, 2017).
. Dados da Anprotec (2016) indicam a existência de 369 incubadoras no Brasil que reúnem cerca de 2310 empresas incubadas e 2815 empresas graduadas. Porém, não há a discriminação daquelas que atuam apenas com impacto e aquelas que não atuam. ANDE e ICE (2016) identificaram 256 iniciativas de aceleração e incubação. Mais recentemente, Quintessa (2017) apresentou seu novo Guia 2,5 que traz 34 iniciativas intermediárias que atuam no apoio a Negócios de Impacto de modo explicito, sendo que destes, 19 apresentam capilaridade nacional.
Plano CDE (2011) realizou o primeiro levantamento referente à investimento de impacto no Brasil, identificando 14 investidores que apoiam negócios de impacto de modo explicito, por meio de capital social (equity), empréstimos e/ou garantias. A maior concentração de investidores que apoiaram negócios de impacto social foi na região Sudeste, onde foram mapeados 12 investidores, seguida da Região Sul e Nordeste, ambas com um investidor cada. O mecanismo de investimento mais frequente foi a participação direta no capital social (equity), seguido de doações. O setor preferido foi educação, seguido de agricultura, tecnologia da informação e serviços financeiros/microcrédito. O critério mais citado pelos respondentes para avaliação das propostas de investimento foi o do perfil do empreendedor, seguido pelo impacto social relevante. Somente 50% declararam mensurar o impacto dos seus investimentos.
ANDE, LGT e Quintessa (2014) publicam o primeiro relatório que apresenta o volume de capital disponível para o campo de negócios de impacto na América Latina. O relatório mostra que no Brasil foram investidos US$ 117 milhões, menos de 0,4% dos US$ 46 bilhões apontados pelo relatório do mesmo ano de 2014, publicado pelo GIIN em conjunto com o banco J.P. Morgan (J.P. Morgan, 2014, p. 6). O segmento de inclusão financeira desponta como prioritário, vindo em seguida educação, TIC e agricultura. ANDE, LGT e LAVCA (2016), dando continuidade ao levantamento feito em 2014, identificaram um crescimento de 31% no número de investidores de impacto ativos no Brasil, passando para 29 com um total de US$ 186 milhões em ativos.
O ecossistema de negócios de impacto é relativamente recente no Brasil, no entanto está em expansão e com um ritmo acelerado de crescimento. Conta com uma série de players ativos, bastante diversos, mas que acabam por se concentrar no eixo sudeste – sul. Após dez anos em que surgiu o termo investimento de impacto, pode-se dizer que este já representa uma classe de ativos no mercado financeiro. Além disto, os negócios têm se focado nas temáticas de educação, saúde e distribuição de renda.
ILUSTRAÇÕES DE VAGAS
O campo de impacto, dada sua gênese ecossistêmica, acolhe diversas formações. No entanto, algo que é necessário de todas elas, são conhecimentos gerais em gestão de projetos e, uma vez contemplados, a aplicação de outros conhecimentos mais específicos de acordo com áreas formativas especializadas. No caso, a Gestão de Políticas Públicas versa quase que metade de sua grade curricular em aspectos de gestão, mais do que necessários à atuação como empreendedor social de negócios de impacto, consultor em aceleradoras e incubadoras, gestor de projetos em outros intermediários, como institutos e fundações, e gerente de portfólio de investimentos, por exemplo.
Assim sendo, grande parte destas possíveis carreiras contemplam disciplinas do projeto pedagógico do curso de gestão de políticas públicas, de modo direto e indireto. Assim, discrimina-se no Quadro, possíveis disciplinas que serão utilizadas em gestão de projetos orientada à negócios de impacto, que desenvolvem competências necessárias nos três grandes clusters deste ecossistema, e privilegiam ainda assim, conceitos que permitem uma visão ecossistêmica dos desafios da contemporaneidade, quais sejam:
Ainda assim, é válido ressaltar que o curso de Gestão de Políticas Públicas é privilegiado para atuar junto dos Negócios de Impacto, não apenas pela multi e interdisciplinaridade mas, também, por conta da articulação deste campo com o poder público. Como a intencionalidade destes negócios é gerar impacto socioambiental positivo, o Estado se faz um ator mais do que necessário para viabilizar a escala das soluções trazidas por estes empreendimentos sociais. Mais do que isso, o campo ainda não e encontra regulamentado, o que impede o estreitamento das relações com o governo, no entanto, tem-se feito o esforço para a criação de uma Política Nacional de Finanças Sociais, orientada pela Força Tarefa de Finanças Sociais. Não obstante, a proximidade também tem sido trabalhada em outras alçadas do Estado – a Força Tarefa lançou em Novembro de 2017 um guia de compras, denominado “Gestores Municipais Compram Soluções de Negócios de Impacto”, a fim de inserir estes negócios como parceiros das prefeituras e fornecedores e bens e serviços, possibilitando que o impacto seja gerado duplamente.
CONCLUSÃO
A contemporaneidade brasileira apresenta inúmeros problemas sociais e ambientais. O Estado, historicamente, demonstrou sua incapacidade para apresentar soluções viáveis em alguns momentos. Há uma abertura junto ao setor privada que deve ser explorada. Há também, capital disposto a ser alocado para a resolução de problemas socioambientais. É neste cenário, portanto, que existe uma grande janela de oportunidade para que Negócios de Impacto sejam desenvolvidos.
Apesar de existir concentração geográfica no que concerne ao campo de negócios de impacto, têm-se visto uma tendência à democratização do acesso deste tipo de conhecimento para replicá-lo e desenvolvê-lo em outros espaços, particularmente pelo esforço de organizações intermediárias em contemplarem a representatividade nacional em seus esforços de disseminação da temática.
O montante de recursos com potencial de ser investido em negócios de impacto é crescente, porém, falta capital semente que ajude os empreendimentos a testarem modelos inovadores na fase inicial de seus projetos. Quando isto não ocorre, os possíveis negócios não possuem fôlego institucional e orçamentário para alcançarem aceleradoras e, dependendo do nível de maturidade dos negócios, certas incubadoras.
Existe um olhar dissonante entre o que é o impacto. Muitos correlacionam este com a escalabilidade. No entanto, inúmeras inciativas de sucesso no campo se firmaram como tal, tendo em vista a escolha da profundidade de seu impacto em detrimento da escalabilidade deste. De qualquer maneira, a evolução do ecossistema de negócios de impacto exige a materialização de casos bem sucedidos que estejam avançando e servindo de inspiração para que outros empreendedores criem negócios similares.
O campo de Negócios de Impacto encontra-se distante das temáticas ambientais, como mudanças climáticas, manejo, restauração, gestão ambiental e etc. Na mesma medida, a concentração em questões sociais segue temáticas mais tradicionais do terceiro setor e deixa, em certa medida, questões como relações de gênero, violência, migração, LGBTTT e etc. de lado, elucidando, portanto, certa parcialidade desse ecossistema. Reconhece-se que coadunar social, ambiental e financeiro é difícil na lógica liberal e capitalista, porém, espera-se que as organizações de impacto orientem-se a partir de uma lógica ecossistêmica – pode-se, por exemplo, alinhar-se aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e a Agenda 2030, que orientam esforços de organizações nacionais e internacionais de diversos setores em prol de questões sociais, ambientais e financeiras, como as exemplificadas.