Negociação na prática: quando a solução superou as expectativas das partes
O objetivo desse artigo é apresentar uma negociação real, ocorrida em março de 2020 – em plena pandemia –, na qual o uso de uma ferramenta simples permitiu que as partes superassem suas expectativas e fechassem um excelente acordo.
O caso
Fui contratado por um sócio de grande grupo empresarial do setor de alimentos. Havia conflito de interesses e mútua desconfiança entre ele e o sócio controlador.
Após longas reuniões, foi desenhada a solução para o caso, que envolvia a permuta de cotas de 3 empresas do grupo nas quais ambos tinham participação relevante.
Realizada a estimativa de quanto cada empresa valia (valuation), remanescia um crédito relevante ao meu cliente, que foi compensado integralmente com o direito de exclusividade de exploração de marca do grupo em uma região específica.
O acordo estava praticamente sacramentado. Faltava apenas um detalhe: definir o prazo do direito de exclusividade do meu cliente. Propusemos 10 anos. O outro sócio solicitou para reduzi-lo para 5 anos.
Ao comunicar meu cliente da contraproposta, recebi a seguinte resposta:
“`Proposta rejeitada! Pode cancelar tudo então”.
Do lado do sócio controlador, a resistência era a mesma. Uma solução salomônica – propor o prazo médio de 7 anos e meio – era completamente inviável.
Como resolver o impasse?
Diferenciando posição e interesse na negociação
Muitas vezes o uso de uma técnica simples é suficiente para a resolução de um problema complexo. Uma ferramenta básica utilizada em mediações e negociações é diferenciar posições de interesses.
A posição é a intenção declarada pela parte como seu objetivo. No caso, as posições eram as seguintes:
Como descobrir o interesse das partes no caso?
O interesse das partes é a motivação que as levam a declarar as posições, quase sempre oculta e, por vezes, inconsciente. Para conhecer o interesse, é necessário compreender o quê ou por que as partes querem o que querem.
O interesse do meu cliente era o seguinte: ele pretendia abrir o novo negócio em no máximo 2 anos, mas como a região inserida no seu direito de exclusividade é relativamente nova e começa agora a se expandir, era possível que, no prazo de 5 anos, não conseguisse o retorno integral sobre seu investimento, considerada a grande quantidade de recursos financeiros (CAPEX) que seria alocada para a abertura da nova empresa.
Como a confiança entre as partes estava momentaneamente abalada, meu cliente tinha convicção de que o prazo não seria renovado e novos entrantes, franqueados ou licenciados, seriam incentivados a explorar aquela região.
Faltava descobrir o interesse do sócio controlador.
Embora soasse difícil, a tarefa foi razoavelmente tranquila. Com uma abordagem orientada a demonstrar o que já havia sido construído por eles na negociação ao invés de focar no problema, pedi, com espírito desarmado e com a mente de aprendiz, que o sócio controlador me explicasse o porquê do prazo máximo de 5 anos na exclusividade.
A resposta veio sem meias palavras: ele queria evitar que meu cliente utilizasse todo o prazo de sua exclusividade para não abrir a empresa naquela região. Se aceitasse o prazo de 10 anos, o grupo poderia perder as oportunidades emergentes daquela localização estratégica.
Portanto, os interesses das partes eram os seguintes:
Identificado que os interesses, na verdade, não eram opostos, o impasse seria solucionado.
Quando a solução supera as expectativas das partes
O quadro acima demonstra que nenhuma parte buscava prejudicar o interesse da outra. Na verdade, a mútua – e passageira – desconfiança fazia com que ambos imaginassem que a posição revelava interesses contrários ao crescimento do grupo econômico.
Como não era o caso, a solução proposta foi bastante simples: incluir um prazo adicional para o exercício do direito de exclusividade.
Como o sócio controlador estava satisfeito com o prazo de 5 anos, surpreendi-o sugerindo o prazo máximo de 3 anos para meu cliente exercer seu direito de exclusividade. Em contrapartida, pedi que o prazo total da exclusividade fosse ampliado para 12 anos, o que foi aceito sem complicações.
O resultado da negociação foi o seguinte:
Ressalte-se que o uso dessa técnica vale para toda negociação e para todos os mercados. Pouquíssimas vezes a posição e o interesse são a mesma coisa: diferenciá-los pode ser o diferencial para as partes chegarem ao “sim”.
Entender e identificar os interesses das partes em uma negociação é essencial e, muitas vezes, suficiente para um acordo de bom termo. Com sorte, como no caso comentado, essa simples ferramenta poderá surpreender os envolvidos, superando suas expectativas.
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4 aExcelente. Uma aula . Negociar, vender, atender bem é sempre mais uma questão de ouvir e conciliar do que de falar e impor.
Chief Commercial & Operations Officer | Startups | Retail | Fintechs | Buy Now Pay Later | E-commerce (We're Hiring)
4 aMuito bom o texto, parabéns pela objetividade e simplicidade.
Doutorando em Direito, Estado e Constituição na UnB, pesquisador e ativista.
4 aRealizamos pelo Instituto Beta: Internet & Democracia um evento em 2018 que tinha um planejamento bem linear e fomos surpreendidos pelo resultado fora das nossas expectativas, contrário ao nosso direcionamento futuro mas tivemos a sensibilidadede pivotar ao vivo. Foi uma novidade muito gratificante pra mim e que fortaleceu o reconhecimento pelo conjunto de participantes. O sucesso do fracasso, eu diria.
Rankings e Marketing Jurídico | Fundador e CEO da MATTERS: Marketing Jurídico
4 aQue história! E a sua solução ressalta uma coisa fundamental e muito em falta hoje em dia: a conversa. Parabéns pelo artigo e pelos resultados!
Santander Private Banking | Wealth Planning | Engenheiro de Produção | Advogado | Mestrando em Direito
4 aMuito bom! Poder participar efetivamente dessa negociação foi uma imensa oportunidade de aprendizado para mim. Que venham mais desafios!!