Normalidade e (in)sanidade
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Normalidade e (in)sanidade

Cesar Paz e Edson Matsuo, Articuladores do Coletivo Poa Inquieta; publicado no portal gauchazh.clicrbs, 23/04/20.

Recentemente, um amigo comentou: tudo o que mais desejo é que essa crise passe logo para voltarmos, sãos e salvos, à normalidade. Sobre esse comentário, cabe a reflexão: o que é "normalidade"? O que é ser “são”?

O fato é que não deveríamos voltar à normalidade, se o normal era justamente o maior dos nossos problemas. Também não poderíamos voltar completamente sãos, se há muito tempo estamos doentes. 

Como propriamente disseram Fritjof Capra e Henderson, em recente artigo sobre as pandemias, as falsas teorias do desenvolvimento e progresso humano, medidas por números e métricas baseadas em indicadores econômicos, como PIB, preço do dólar, índice da bolsa ou superávits, culminaram em crescentes perdas sociais e ambientais. Poluição do ar, da água e da terra, destruição da diversidade biológica, perda de serviços ecossistêmicos - todos exacerbados pelo aquecimento global - aumento do nível do mar e perturbações climáticas maciças. 

É evidente que adoecemos à medida em que nos agarramos ao desenvolvimentismo e negamos as compreensões sistêmicas, nossa natureza solidária e nossa cultura cidadã. Falsas teorias nos levaram a todos os desequilíbrios, incluindo a desigualdade, as doenças físicas e mentais e as pandemias do século XXI, como SARS, MERS, influenza e o coronavírus.

Nos últimos anos, construímos, todos “doentes", em escala global, a polarização política que expõe a nossa natureza mais agressiva, usa como matéria-prima a eleição de inimigos e dá forma a uma falsa política, uma política do avesso, que exclui, não dialoga e fomenta o ódio. A esses exemplos seguem outros tantos em escalas e territórios diversos. É muito fácil imaginar as coisas que “doentes" fazemos hoje e sobre as quais nos envergonharemos no futuro breve. 

Estamos vivendo muito mais do que uma pandemia ou um problema gravíssimo de saúde pública. Tamanha é a importância deste momento que podemos imaginar uma verdadeira mudança na periodização clássica da história. Sairemos, em alguns meses, da Idade Contemporânea para entrar na Idade "sei lá o que". Historiadores saberão batizar essa nova era como algo que represente o novo Renascimento.

Na passagem para a Idade "sei lá o que" teremos espaço, urgência e protagonismo para os ecossistemas criativos, os processos de inovação e transformação, os modelos sistêmicos, as construções colaborativas e coletivas e o bem comum. Por fim, e acima de tudo, valorizaremos o cuidado com a biodiversidade e com todos seres vivos. As matérias-primas serão o pensamento criativo e a empatia. 

Esse não é um processo de transformação que possa ser simplificado, mas é possível perceber que as transformações são inexoráveis e já se processam em diferentes dimensões. 

Num primeiro plano, as transformações quase imediatas se referem a todos os tipos de  organização (estado, igreja, empresa, sindicato, família, etc…) e seus modelos culturais. Em poucas semanas de pandemia, já é evidente o salto quântico em termos de inovação organizacional ocasionado pelo choque da sobrevivência. 

Em um plano intermediário, temos as transformações das nossas conexões com o mundo e com o próximo, resgatando valores da nossa natureza que há muito estavam adormecidos. De repente, muitos se tornaram mais solidários, mais empáticos, mais família. Deixamos o campo exclusivo da racionalidade para sermos pautados também pelo afeto, pelas emoções e pelo cuidado com os outros. Uma pauta, por exemplo, como a renda básica universal, que seria assunto de décadas e com fortes correntes ideológicas contrárias, passará a ser compreendida sob novas perspectivas de viabilidade, a partir das experiências durante a Covid-19. 

Por fim, a transformação mais importante e mais complexa que ousamos pensar que também começa a ocorrer em uma escala ainda não vista, é a transformação individual do ser. A transformação capaz de nos trazer o equilíbrio e a conexão com visões sistêmicas e com a dinâmica do universo sempre em movimento. 

Por tudo isso, é óbvio, não voltaremos sãos à normalidade.  Como disse Ailton Krenak, um dos mais destacados ativistas do movimento socioambiental, “se voltarmos à chamada ‘normalidade’, não valerá de nada as mortes de milhares de pessoas”.


Lucas Caumo

Partner | Monet Engenharia | Wit Engenharia | Construção

4 a

Demais, Cesar!!!

Domingos Secco Jr

Founder & Diretor Presidente at ALRIGHT. #contratando

4 a

Que assim seja. E que venha essa Era - seja lá qual for o nome

Fabiano Goldoni

Founder BOND - Consultoria Go-To-Market | Growth | PLG | AI Platforms

4 a

"O fato é que não deveríamos voltar à normalidade, se o normal era justamente o maior dos nossos problemas. "

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