"Nossa, mas você tá de TPM?"
É fácil para os homens usarem essa pergunta para nos desqualificar. Neste ponto, na questão biológica, nós não podemos negar as diferenças. Nós, mulheres, somos cíclicas. Todo o nosso corpo, inclusive os hormônios relacionados à emoções, responde ao ciclo biológico da menstruação.
Não quer dizer que somos reféns do ciclo menstrual, mas sim que ele faz parte da nossa natureza e, portanto, nos afeta diretamente, assim como as necessidades de comer, dormir ou fazer uma pausa de 5 minutos para ir ao banheiro. Já tentou se concentrar enquanto segura o xixi ou então participar de uma call de 2 horas pescando de sono?
Dessa forma, é importante saber que praticamente todas as mulheres menstruam e, portanto, todas nós passamos por esse mesmo ciclo ao longo do mês, em momento diferentes. Ou seja, é óbvio que cada uma das mulheres estão passando por momentos diferentes de seus ciclos menstruais enquanto estão trabalhando. Não dá para impedir isso, do mesmo jeito que não existe uma chavinha que desliga nossa fome durante o período de trabalho.
Curiosidade: caso as mulheres não usem tratamentos hormonais para regular o ciclo, é provável que uma equipe feminina bem alinhada não só use rosa nas quartas-feiras, mas acabe alinhando também seu ciclo menstrual.
A conexão feminina é poderosa!
Mulher é bicho esquisito, todo mês sangra
Vou explicar rapidinho aqui como funciona o ciclo menstrual. Aprendi com os homens que quanto mais racionais as coisas parecem, menos misteriosas elas se tornam. Então vamos lá: o ciclo menstrual começa no primeiro dia da menstruação (sangramento) e termina quando o próximo ciclo se inicia. Ou seja, não conseguimos pausar, a não ser quando estamos grávidas.
Entendam: As mulheres estão sob influência do seu ciclo menstrual todos os dias.
Atura ou surta, querido.
O que acontece biologicamente: o cérebro envia estímulos hormonais para os ovários, que causam mudanças nos folículos (onde ficam os óvulos) e no útero. Palavras proibidas para o vocabulário masculino, mas que já está na hora de todo mundo aprender.
Vamos por partes: sobre o cérebro, ok, todos sabem o que é (apesar de nem todos usarem como deveriam). Ovários são as duas formas arredondadas que existem uma de cada lado no ventre da mulher e são ligados ao útero (onde os bebês ficam até o nascimento) por meio de dois tubos conhecidos como trompas. Os folículos estão dentro dos ovários e guardam os óvulos, que são as sementinhas femininas X, que o espermatozoide campeão do homem fecunda para formar o feto (que ainda não é um bebê).
Voltamos para o ciclo: a primeira metade do ciclo menstrual prepara o óvulo para ser liberado do ovário (e, se houver espermatozoides na corrida disponíveis, fecundado) e já constrói o tecido do útero para receber o possível óvulo fecundado. Nessa fase o corpo da mulher está trabalhando intensamente, com muita energia e disposição.
A segunda metade do ciclo prepara todo o corpo da mulher para receber o óvulo fecundado, se houver, ou para dar início ao próximo ciclo, caso não haja gravidez. Tudo isso enquanto trabalhamos, vamos ao mercado, estudamos, fazemos academia, dirigimos, dormimos, discutimos, planejamos...
Partindo dessa explicação mais rasa, você já pode imaginar que existe muito mais acontecendo em nosso corpo do que a própria ciência consegue explicar, até porque a ciência sempre foi dominada por homens e, cá entre nós, homens nunca se preocuparam muito em tentar entender o corpo da mulher. É mais confortável dizer que somos complexas demais e seguir a vida com a simplicidade de dar inveja deles.
A Megera Domada
Portanto, é verdade. Nossa menstruação e tudo o que ocorre antes e depois dela afetam nosso dia a dia, nossos humores, nossa saúde física, emocional e mental.
O que isso significa para o ambiente de trabalho? Nada, apenas que precisamos respeitar nossos corpos.
Entendam, homens e mulheres: a menstruação não é uma doença. É ilógico pensar que uma vez por mês metade da população do planeta fica doente, em uma fase mais vulnerável ou sensível e, portanto, 50% da população do planeta se transforma em megeras indomáveis com as emoções à flor da pele. Shakespeare não descreveu Catarina como "uma eterna dama de TPM". Outra questão que acho importante mencionar aqui: esconder seu absorvente, O.B ou pílula por vergonha é bobagem. Todas as mulheres usam esses recursos.
Para muito além da questão biológica (que eu, sinceramente, acredito que nunca foi a questão que paira sobre a cabeça dos homens que pensam que TPM nos transforma em monstros), a pergunta retórica "Tá de TPM?" desqualifica não só nossos sentimentos e emoções, mas também nossa própria realidade.
Associar TPM a qualquer comportamento feminino é assumir que não somos capazes de usar nossa racionalidade por causa dos nossos hormônios.
É assumir que somos seres emocionais demais para saber discernir as sensações corporais do dia a dia no trabalho. É nos infantilizar a ponto de considerar que, assim como crianças choram em qualquer situação quando não são atendidas, não amadurecemos a ponto de reconhecer que certos impulsos precisam ser contidos para manter a civilidade.
Perguntar a uma mulher sobre a Tensão Pré-Menstrual dela, além de ser extremamente invasivo, minimiza nossa maior capacidade desenvolvida de verbalizar o que sentimos. A realidade é que todos os seres humanos sentem raiva, solidão, amor, tristeza e alegria, mas nem todos são capazes de verbalizar ou demonstrar sentimentos.
Os homens foram condicionados a não assumirem suas emoções para o mundo, a ponto de reprimi-las até se anestesiarem.
Óbvio que isso faz muito mal para eles, mas o combate à masculinidade tóxica deve partir dos próprios homens, nós não podemos ser penalizadas por isso muito menos responsabilizadas por consertar um problema que, cá entre nós, eles mesmos causaram.
Se a mulher foi colocada neste lugar de ser emocional durante séculos, relatar sobre sentimentos é "coisa de mulher".
Ok, falamos sobre o que sentimos, mas somos também desqualificadas por isso, já que uma sociedade tão racional e científica quanto a ocidental valoriza muito mais a razão e o agir do que a emoção e o sentir. Se externamos alguma insatisfação ou somos mais assertivas em certos momentos, os homens não têm direito de nos ignorar considerando nossas reclamações como fruto de uma situação biológica que é natural.
O discurso "ela tá de TPM, deixa pra lá" também prejudica nossa perspectiva enquanto líderes, capazes de tomar decisões estratégicas e gerir pessoas de diversas idades e formações. Vou desenhar aqui todos os problemas envolvidos dentro desta frase considerada tão inocente:
- Desvaloriza o campo emocional
- Nos coloca como atuantes apenas dentro do campo emocional
- Desqualifica nossas emoções
- Desqualifica nossas críticas
- Pressupõe que somos pacíficas, exceto quando a TPM bate
- Desconsidera nossa assertividade
- Relaciona nossa assertividade com uma descontrole
- Torna ilegítimos nossos apontamentos e considerações, ainda que assertivos
Simplificando: se não nos posicionamos, somos submissas. Se nos posicionamos, estamos de TPM. É sério?
Parem de falar sobre nosso ciclo menstrual. Não é uma informação pública, assim como nosso corpo não é público. Parem de tentar usá-lo para desqualificar nossas ações e comportamentos. Principalmente, não interessa a ninguém em qual fase do ciclo menstrual qualquer mulher está, a não ser a ela mesma.
Pode ser que eu esteja de TPM.
Pode ser que eu não esteja de TPM.
Nenhuma das situações condiciona meu comportamento.