Notas sobre o recalque na vida acadêmica
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Notas sobre o recalque na vida acadêmica

Escrever é, de fato, libertador. Há pessoas que conseguem tal libertação cantando. Outras, desenhando. Outras, ainda, em atividades físicas. Mas, para mim, é inegável que a escrita liberta. Estou atravessando um dos tantos desafios em minha trajetória acadêmica. Não é o primeiro e está longe de ser o último. O fato é que esse desafio que chegou de surpresa, me colocou a escrever sobre esses “detalhes tão pequenos” de nossa (tão difícil) vida acadêmica.

O primeiro desses textos foi “Algumas verdades nada convenientes sobre a vida acadêmica”. Não tinha a ideia inicial de seguir escrevendo sobre o tema. Era para ser apenas um exercício (auto) reflexivo e até terapêutico. O fato é que outras reflexões surgiram e a vontade de escrever não passou. Somado a isso, alguns comentários e interações com esse texto me fomentaram ideias, pensamentos e novos debates que julgo importante de compartilhar aqui.

Não sei como essas humildes reflexões reverberam em você que as estão lendo. Nem tenho como saber. Ficarei, entretanto, bastante feliz se você deixar seus comentários com suas impressões. Essa troca é bastante importante e fundamental. Há os que reagem com um “amei”, há outros que reagem com “gostei”. Há, ainda, os que reagem com “interessante”, que, aqui no LinkedIn, me parece ser uma forma de questionamento ao conteúdo apresentado. Pelo menos é essa a impressão que eu tenho. Se estiver equivocado, por favor, me corrijam. Sobre isso: fique à vontade para interagir aqui. Sempre, claro, mantendo o necessário respeito.

As reflexões que proponho nesse artigo dizem respeito ao recalque na vida acadêmica. Recalque? Aquele falado num primeiro momento pelo velho Freud? Sim. Aquele cantado pela Valesca Popozuda, na música “Beijinho no ombro”? Também!

 E as pessoas leitoras de fora do mundo acadêmico poderiam se perguntar: mas existe recalque no meio acadêmico? Pesquisadores não são todos pertencentes a uma grande família que busca a produção de conhecimentos? A resposta para essas perguntas pode ser encontrada em bom brasileiro: “sabe de nada, inocente...”.

Embora tenha realizado formação psicanalítica, não me autorizei, ainda, como psicanalista. Admito que preciso de muito mais leitura e embasamento teórico-prático para autorizar-me como tal. O fato é que estive e sigo estando em contato com a obra de Freud e o tema do “Verdrängung” é um dos tantos que estão em destaque em sua obra. Trago aqui a expressão original do alemão, pois houve por algum tempo tensionamentos quanto a essa tradução ao português: alguns a traduziam como “repressão” e outros como “recalque”. A verdade é que de acordo com os diferentes contextos de leitura e interpretação da complexa obra de Freud, a expressão “Verdrängung” pode adquirir esses significados. Assumo, portanto, que a partir desse ponto tratarei como “recalque” e todas suas interpretações e derivações.

Em uma explicação bastante simples e resumida – já que nosso objetivo aqui não é debater a psicanálise em si, mas as vivências desses conceitos em um espaço específico – a partir de Freud poderíamos entender o recalque como um mecanismo que envia para o inconsciente algumas emoções e sentimentos entendidos como repugnantes para um sujeito. O que isso significa? Se uma pessoa entendida como recalcada fala mal dos outros, é muito provável, por exemplo, que ela tenha inveja das pessoas que fala mal. Por isso, podemos assumir que o recalque é que faz com que o indivíduo tenha inveja ou sinta raiva de outros indivíduos.

Então quer dizer que falar de recalque é falar de inveja? Também! Há outros elementos que compõem um entendimento mais amplo do “Verdrängung” e, como tudo na vida, as leituras da psicanálise não podem ser resumidas em “A” ou “B”, pois são complexas como a própria vida o é. De todas as formas, dentro de todo o espectro do recalque, passamos a nos ater aos aspectos da inveja no mundo acadêmico, já que é um dos sentimentos mais vivenciados pelos sujeitos que estão imersos nesse universo.

Já afirmei que, recentemente, tenho enfrentado um importante desafio em minha trajetória acadêmica e, se você conseguiu ligar o ponto “X” ao ponto “Y” nesse texto, já pode perceber que a origem desse desafio está alicerçada no recalque de outras pessoas. Ou em sua inveja, como queira interpretar. Não vou, obviamente, detalhar nem os nomes dos santos, nem de seus milagres, muito menos de suas paróquias. O que posso relatar é que esse desgaste não é apenas uma perda de tempo e de energia, mas é um impacto emocional gigantesco. Vendo pelo lado do “copo meio cheio”, esse desafio me proporcionou a volta desse desejo de escrever esses textos aqui, nesse estilo mais livre, de comunicação direta com quem o lê. Portanto, se você chegou até aqui, obrigado!

 Naquele primeiro texto – dessa que tem tudo para ser uma série de escritos sobre o tema – um comentário da Christine da Silva Schröeder (Uma grande especialista em neurodiversidade e uma profissional de altíssima competência! Recomendo seguirem o perfil dela!) me chamou atenção. Em certa parte, a colega pesquisadora diz o seguinte: “A academia me deu asas que provavelmente outras instituições não me dariam, contudo, seu ambiente extremamente politizado e burocrático, às vezes, é bem eficiente em tentar cortar as mesmas asas”. E essa é a mais pura verdade! Além de ser, por sua vez, uma leitura prática bastante assertiva das práticas das pessoas recalcadas, em especial quando essas pessoas têm dificuldades de reconhecer o sucesso alheio e, para tentar lidar emocionalmente com isso, acabam arrumando defeitos onde não existem, julgam sem razão os fazeres de outrem e sentem dificuldade de aceitar características dos outros que desejariam ter, mas não o tem. E como fazem isso? “Cortando as asas” de quem deseja voar.

 Outro comentário que me chamou atenção foi o da Suzana Almeida - Susan Meotti (pesquisadora do campo da Educação, Cultura e Comunicação, que também recomendo fortemente fazer conexões nessa rede), que, em determinado ponto diz assim: “Eu era a pessoa que estava ali sentindo a turma e percebendo as ações dos professores, q em mtas vezes ñ demonstravam se importar c/ uma turma q estava prestes a se formarem como pedagogos e q ñ sabiam conviver entre si. Em sua maioria acabei ñ sendo compreendida ou sofrendo retaliações”. Eis aí outra forma de atuação de pessoas recalcadas: retaliar. Quando não basta enaltecer os defeitos dos outros (sim, todos nós temos defeitos), as pessoas recalcadas inventam defeitos para atacar os demais. A retaliação – entendida como o revide de uma ofensa recebida – quando é realizada por pessoas recalcadas nada mais é do que revidar não uma ofensa, mas a própria dificuldade de aceitar características dos outros que desejariam ter.

 Haveria, sim, muito mais a escrever tanto para os entendimentos teóricos quanto em milhões de exemplos de recalque vivenciados no mundo acadêmico. Para finalizar esse humilde texto que talvez tenha lhe deixado com mais perguntas do que respostas, há que se trazer uma palavra de esperança. E, aqui, não me vem outras palavras que não aquelas cantadas pela Valesca Popozuda:

 

Desejo a todas inimigas vida longa
Pra que elas vejam a cada dia mais nossa vitória
Bateu de frente é só tiro, porrada e bomba
Aqui dois papos não se cria e nem faz história
 
Acredito em Deus e faço ele de escudo
Late mais alto que daqui eu não te escuto
Do camarote quase não dá pra te ver
Tá rachando a cara, tá querendo aparecer
 
Não sou covarde, já tô pronta pro combate
Keep calm e deixa de recalque
O meu sensor de periguete explodiu
Pega sua inveja e vai pra
Rala sua mandada
 
Beijinho no ombro pro recalque passar longe
Beijinho no ombro só pras invejosas de plantão
Beijinho no ombro só quem fecha com o bonde
Beijinho no ombro só quem tem disposição
Christine Da Silva-Schröeder, PhD

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2 a

Essa reflexão segue sendo muito relevante. Eu vejo a intelectualidade, em particular na academia, como uma luta constante entre altruísmo e egoísmo. Melhorar a academia é melhorar, antes de tudo, as relações conosco mesmo e com os outros. Haja terapia e autoconhecimento para tornar nossos ambientes menos tóxicos e mais sensíveis. Engana-se quem pensa que tentamos dizer que apenas a academia é tóxica. Não. Toda relação humana tem o potencial de ser tóxica, inclusive tornando a nós mesmos os próprios...tóxicos. Então autoconhecer-se e conhecer o sistema é uma questão de saúde.

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