As novas ondas do quiet quitting
Recessão econômica, altos índices de juros e insatisfação no trabalho. Este coquetel molotov foi insuflado pela pandemia de Covid-19 e soou como um alarme para a maioria das empresas. Em um primeiro momento, observou-se o fenômeno conhecido como Great Resignation (“A Grande Renúncia”), sobretudo nos Estados Unidos, quando milhões de pessoas decidiram abandonar seus empregos. Depois, vimos o surgimento de alguns movimentos e tendências que remodelaram a rotina no ambiente corporativo, como o quiet quitting, conhecido como “demissão silenciosa” ou “desistência silenciosa”.
Tudo começou no TikTok, quando Zaid K publicou um vídeo em julho do ano passado. O jovem cantou a bola da vez ao falar que estava “desistindo silenciosamente” do trabalho. Seu post teve quase 500 mil curtidas e funcionou como uma centelha para outros TikTokers falarem sobre o assunto. A fagulha atingiu até os meios de comunicação tradicionais, como o Wall Street Journal e a Bloomberg, que publicaram vários artigos tentando definir o que levava as pessoas a desistirem de seus empregos.
A expressão viralizou e fazer o mínimo no trabalho, em prol de um equilíbrio entre vida profissional e pessoal, ganhou adeptos de todas as idades, principalmente os mais jovens. Segundo uma pesquisa da consultoria Gallup, divulgada em setembro do ano passado, os “desistentes silenciosos” representavam pelo menos 50% da força de trabalho dos Estados Unidos. Por outro lado, no Reino Unido, um levantamento feito pela YouGov revelou que apenas 3% dos trabalhadores faziam o mínimo para manter seu emprego, enquanto 17% afirmaram não estar se esforçando nem perdendo tempo.
Onda, onda, olha a onda?
O quiet quitting pode ser considerado um ethos que veio para ficar. A questão não é apenas se esquivar de trabalhar a mais, fora do horário ou assumir tarefas adicionais, mas tentar manter uma vida equilibrada fora dele. Por isso, a expressão também tem sido usada para se referir à prática de estabelecer limites pessoais para não ficar desmotivado.
Embora o termo pareça novo, ele traduz a natureza do ser humano, segundo dois especialistas do NeuroLeadership Institute, pioneiro em trazer a neurociência para a liderança. Em um artigo publicado na revista norte-americana Harvard Business Review, eles explicam que, quando nos deparamos com uma situação inevitável, ficamos desanimados e acabamos desistindo. Esta reação, nomeada pelos cientistas de “desamparo aprendido”, foi identificada na década de 1960 em um experimento psicológico.
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Na saúde, na doença e no verbete do dicionário
Engana-se quem pensa que a desistência silenciosa está restrita ao mercado de trabalho. Pelo contrário. O termo ganhou as ruas e pode ser encontrado também no Dicionário Collins, como substantivo informal, com duas definições cunhadas. Além disso, pode ser aplicado a inúmeras situações da vida, como os relacionamentos interpessoais. Em entrevista ao Oprah Daily, Lynn Saladino, terapeuta na cidade de Nova York, explicou que desistir silenciosamente de um relacionamento significa que você está “tecnicamente” comprometido, mas para de se empenhar na relação e não gasta mais energia. No texto, a doutora enumera alguns sinais para você identificar se entrou no modo quiet quitting.
Insatisfeitos por natureza: os novos movimentos
Além do quiet quitting, o mundo corporativo foi invadido por outros movimentos, como o quiet firing (quando os empregadores “demitem silenciosamente”), o goblin mode (ter um comportamento desleixado e rejeitar as normas) e, mais recentemente, o career cushioning (“amortecimento de carreira”, quando os profissionais empregados se preparam para uma mudança de carreira). Cada um no seu quadrado e com seus problemas, claro, mas todos com um determinado tipo de insatisfação profissional. Um estudo da plataforma Empregos.com.br elucida esse descontentamento generalizado. Segundo a pesquisa, mais de 80% dos 517 entrevistados não estão contentes com seus atuais empregos e 70% afirmam priorizar melhores salários quando buscam por vagas.
Pra onde correr?
Diante da insatisfação generalizada, seja ela silenciosa ou não, os líderes de RH e de outros setores poderiam voltar a engajar os colaboradores utilizando três maneiras, como destaca este artigo publicado no site da Fast Company. São elas: descobrir o que está causando a falta de engajamento, fortalecer a cultura da empresa e promover o bem-estar holístico. Além disso, as empresas precisam se inclinar mais para ouvir o que causa essa profunda insatisfação em seus profissionais e buscar suprir suas faltas como organização. Claro que o componente econômico pesa muito, mas por que não tentar oferecer aos seus profissionais missões mais palpáveis e apoiadas no reconhecimento e bem-estar coletivo? Não custa tentar, porque desistir, como dizem, “tá pra jogo”.