Novo conto que está sendo produzido
"...Fernanda foi arrancada de seu mundo de sonhos por um choro de bebê. Cobriu a cabeça tentando abafar aquele som insistente e irritante. Era um fato, agora tinha certeza, nunca em nenhum momento de sua vida, desejou aquilo para si. Perder horas de seu precioso sono para cuidar de uma criança. Era uma das razões que a mantinham atenta para eventualidades. Só de pensar em algo tão pequeno, rosado e barulhento...
Ela não compreendia por que algumas mulheres decidiam sacrificar suas vidas em nome da espécie. Além de um mundo abarrotado de gente, a violência e a falta de condições de vida deixava tudo deprimente. Ainda na sua adolescência decidira-se a não ser como a maioria delas, não colocaria mais uma criança no mundo, além do mundo estar completamente perdido e com seus dias contados, não queria perder a oportunidade de aproveitar tudo que podia aproveitar.
O choro continuava e cada vez mais alto. Fernanda descobriu a cabeça, sabia que não conseguiria pegar no sono se não tomasse alguma atitude. Não haveria jeito, tinha que bater na porta de sua vizinha e exigir que ela tomasse alguma atitude com aquela criança, porém, foi neste momento que se lembrou que, o outro apartamento ficava longe demais para ouvir a criança tão bem. Ela apurou os ouvidos e sentiu um arrepio percorrendo a espinha.
Aquele som... Parecia mais próximo...
Inesperadamente Fernanda levantou-se, mas não de livre e espontânea vontade, sentiu a estranha coceira novamente, desta vez, muito mais forte, era como se algo dentro dela tentasse de alguma maneira sair. Ela jogou a coberta para longe a tempo de perceber quatro riscos vermelhos desaparecendo de sua barriga. Fernanda não sabia o que estava acontecendo, o choro da criança estava mais alto, parecia que vinha de sua sala.
Sem saber o que fazer, levantou-se lentamente e, ao olhar para a parede de seu quarto, leu algo que a deixou completamente estarrecida, escrito em letras vermelhas e desiguais: deixe-me sair... deixe-me sair... Fernanda levou uma das mãos a boca para abafar o grito desesperado que emergiu de suas entranhas e, inesperadamente, outro grito se ouviu, e para seu desespero, este vinha da sala e parecia o choro desesperado de uma criança.
Fernanda, em lágrimas chamou pelo marido. Não sabia o que estava acontecendo e muito menos como aquela criança chegara a sua sala, mas, aquele choro parecia despedaça-la por dentro, lhe trazia um terrível sentimento de vazio, de frieza, de não ter sentido algum. Ela sentou-se na cama por alguns momentos, tentou conter as lágrimas que caiam em profusão, mas, percebeu que era incapaz, os sentimentos que as causavam eram simplesmente devastadores.
Ainda insistiu em chamar o marido, mas lembrou-se que havia saído para seus exercícios rotineiros e, por ser um sábado, ele demoraria além do tempo costumeiro. Ela não podia ficar sentada ali, refém de seus próprios medos, por isso, lentamente se levantou e começou a caminhar para a sala, ao chegar a porta, o choro simplesmente cessou. Ela fechou os olhos aliviada, mas assim que virou sobre os calcanhares para voltar para a cama, o choro se reiniciou como se exigisse a sua presença ali.
Aos gritos Fernanda entrou na sala e para sua surpresa, se deparou com uma série de carrinhos de bebês, todos exatamente iguais. Aquela visão silenciou seus lábios, demorou um certo tempo para perceber que não era apenas seus lábios que estavam em silêncio, mas tudo ao redor.
Sem saber o que fazer, Fernanda se aproximou de um dos carrinhos com cuidado, não sabia o que viria em seu interior, e, mesmo querendo sair correndo daquele lugar, sentia-se forçada a olhar de perto apenas um deles. Uma curiosidade mórbida tomou seus pensamentos e começou a se aproximar de um deles. Ela percebeu que parecia haver alguma coisa ali dentro, não era uma criança, uma criança não balançaria um carrinho daquela forma ainda mais com aqueles sons que mais pareciam um rosnado..." - Adriano Villa
Diretor executivo da Energias de São Paulo
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