“Num vai dá” – Razões pelas quais inciativas de melhoria contínua fracassam.
A “épica” frase do ex-jogador Neto viralizou no ano de 2017 em meio a campanha do Corinthians que sagrou a equipe Campeã Nacional no mesmo ano. Mesmo campeão e com estatísticas incontestáveis, a mídia especializada e mesmo parte da Torcida julgam que o título conquistado se deu mais pela incompetência dos adversários do que pelos próprios méritos da equipe.
Ao traçar um paralelo com o mundo corporativo, observamos alguma semelhança na trajetória do título Corintiano, este teve estatísticas extremamente favoráveis, que corroboraram com o título, iniciou o primeiro turno tal qual um furacão, deixou os adversários bem distantes na tabela, e selou o mesmo primeiro turno com chave de ouro, porém o segundo turno da equipe foi repleto de incertezas, e oscilações, o que levaram ao famoso ex-futebolista a exclamar em rede nacional de televisão seu famoso: “Num vai dá”!!!
Da mesma maneira, a cada novo ciclo de Gestão em uma empresa, alguém “tira da cartola” a solução de todos os problemas operacionais – Programas de Melhoria Contínua (i.e., Lean, Six Sigma, ToC, TPM etc.). Estes Programas recebem altas doses de impulsionamento em seu início, sendo “suportados” por todas as áreas da organização !?! sic.
Porém tal qual o Corinthians de 2017, os resultados alcançados em curto prazo, as mudanças visuais proporcionadas, as falas motivacionais geram percepções extremamente positivas, mas o inexorável fim de ano fiscal mantém sua forte caminhada, e no DRE anual de alguma forma os incríveis “savings” não refletiram... - crise a vista?!?
O “savings” antes que propiciavam segurança e falas audaciosas passaram a ser questionados, e neste ponto temo uma inflexão da curva, onde o Slope de positivo passa para negativo, e a famosa “nuvem negra” começa a pairar sobre a cabeça dos executivos. Não obstante esta nuvem se torna uma tempestade rapidamente, e a balada do relógio marcando meia noite propicia o fim do encanto, tal qual na fábula infantil, restando apenas um dos sapatinhos de Cristal como memória do fabuloso começo de mais um programa de melhoria contínua.
Reuniões antes amigáveis tornam-se ásperas, jocosas, e em momentos de máximo, um efeito manada, onde as iniciativas de melhoria são responsáveis por todo e qualquer problema de áreas operacionais (nota: estas mesmas áreas que, por inépcia da Gestão Executiva ou mesmo do Responsável por melhoria contínua, permitiram que os “savings” obtidos fossem consumidos, antes mesmo de realizados no resultado da empresa).
O Colapso parece próximo, como dizia o ex-futebolista: “Eu num jogo mais!!! Eu que vou falar com o porteiro”, mas tal qual a equipe corintiana temos como reverter os cenários se nos mantivermos atentos aos seguintes fatores listados abaixo:
“Saving” sem redução no orçamento não é saving.
Exemplificando: Hipoteticamente temos uma linha de produção com 5 operadores para a produção de 3 diferentes Itens, após iniciativas de melhoria decidiu-se utilizar 4 operadores para apenas 1 destes Itens, no entanto o item otimizado usa apenas 20% da ocupação, o Gerente de Produção a fim de não perder recursos deixa 4 operadores na momento da produção do item otimizado, e realoca o quinto operador para limpar a fábrica (ou qualquer outra atividade de suporte), obviamente temos uma redução na apropriação de mão de obra no item otimizado, porém as horas não absorvidas do quinto operador que esteve por exemplo, limpando a fábrica, serão rateadas por todos os demais itens da fábrica. O time de melhoria reportou a redução de 1 recurso, mas a Fábrica não reduziu, de tal forma o resultado não sofrerá efeito algum e com consequências bem ruins pois será necessário entender as origens de horas sendo rateadas para demais produtos que corroeram alguma Gross Margin de itens mais sensíveis.
Parece simples, caso as empresas funcionassem de maneira linear e com variação controlada, o que na realidade é bem difícil de encontrar, e afim de corrigir os “erros de apontamento”, inicia-se uma validação que passa por analises de medições de apontamentos numa faixa amostral mínima para validar a hipótese assumida de que as falhas eram em decorrência de apontamentos, ou seja, "abyssus abyssum invocat" (expressão latina extraída do Salmo 42,7 que significa: “um abismo chama outro abismo”).
“Saving” sem revisão no Roteiro de Fabricação não é saving.
Aqui temos um ponto nevrálgico dentro da Engenharia Industrial, que muitas vezes recebe um “wish” da Engenharia de Produto e cria um Roteiro de Fabricação baseado em familiaridade (não que isso é errado, e muito do fator tempo de atendimento ao cliente está implícito aqui).
Geralmente o produto é alocado em máquinas, linhas células etc. e começa a ser produzido gerando uma série histórica de produção, tempos depois o especialista em melhoria contínua é “convocado” para solucionar o problema, faz seu assessment e indica algumas soluções, para a fotografia observada no momento, e remove sua Excalibur da Rocha, que agora se chama Kaizen...e voilà...seis meses depois algum “saving” aparece, mas misteriosamente a cada virada de ano fiscal, ou dança de cadeiras o cenário volta ao inicial, Porque? Como resposta possível, temos que, no desenvolvimento do conceito de fabricação não ocorreu o desenvolvido do processo com o foco em máximo de resultado (algo que práticas de DFMA, P2 ou P3 de Lean ajudariam fortemente).
Sempre, sempre questione o status quo, as razões de escolhas de linhas, células e máquinas especificas, estamos com o Bom ou Ótimo? Quantidades de Kaizens e A3 não corrigem maus roteiros, em absoluto.
Geralmente as associações por familiaridade são as mais usuais, sendo boas para start-ups de operações, de produtos, mas não as ideais, e não sendo as ideias, se tornam fontes de consumo de recursos, difíceis de mensurar de imediato e causadoras de perdas que implicarão em correções no futuro.
“Saving” sem revisão no Rate de Produção não é saving.
Geralmente após um mapeamento de Processos, um VSM ou qualquer outra técnica empregada, os especialistas em melhoria contínua sentem-se confiantes em reportar potenciais “savings”, até mesmo implementam trabalhos padrão, porém não revalidam as capacidades produtivas dos equipamentos, não incorrem na verificação de que eles podem não mais estar trabalhando com o Rate produtivo ideal, não ocorre o questionamento se os parâmetros dos equipamentos podem ser aumentados ou diminuídos após as melhorias implementadas.
Cenários para exemplificar, são onde reduzimos postos de pessoas e aumentamos o uso do equipamento, se aumentamos velocidades e cargas nos equipamentos, teremos maior incidência de manutenção...maiores custos, e foi-se embora os “savings”. De tal forma inversamente, implementadas pequenas autonomações, onde o cenário deveria contemplar um balanceamento de operações entre humano-máquina e um alívio no gargalo (caso seja uma máquina), mas mantém-se o equipamento em uso acima do especificado ou em plena carga 100% da disponibilidade física dele (nota: disponibilidade física <> disponibilidade teórica <> disponibilidade planejada), sem revisão de parâmetros que podiam aumentar a confiabilidade do equipamento em si. Novamente perdas. Enfim, nada vale o novo trabalho padrão ser estabelecido, sem revisão do rate e do custeio do equipamento em nível de sistema e absorção de custos, os “savings” serão absorvidos por alguma outra ineficiência.
“Saving” sem revisão de Disponibilidade de equipamento não é saving.
Raramente um projeto de melhoria contínua envolve, coleta e/ou trabalha em conjunto com a manutenção. Para ilustrar este cenário trarei o relato de um grande amigo (àqueles amigos que se tornam irmãos!) Este assumiu a cadeira de uma grande empresa, em meio a uma transição onde uma consultoria de renome internacional estava executando e implementando os projetos de Excelência Operacional necessários. Os VSM’s, as Crono-análises, os Assessments gritavam: OBZ, processos, padrão, Lean etc. Pois bem, novo OBZ, novos níveis de produtividade postos, nova disponibilidade a ser atingida, nova produtividade estabelecida e... meta não atingida (?). Ocorreu uma falha gritante durante o processo, a análise de Life Cycle dos Equipamentos, a Gestão destes ativos ao longo do tempo, a qualidade da execução da manutenção...tudo isso impactou o resultado, pois como dizemos em manutenção: “-o sistema tava cansado”. O paradoxo logo foi estabelecido: a) “estouramos orçamento para entregar disponibilidade?” b) “sacrificamos produtividade e não entregamos o que prometemos?”. A resposta neste caso foi “b”, e os “savings” dizem mais um Adeus.
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“Saving” sem novo procedimento de trabalho não é saving.
Não existe Excelência Operacional sem um método (e aqui não defendo A ou B, na verdade sou adepto e defensor do Hibridismo em Excelência Operacional). Sem estabelecer governança, métrica de mensuração e procedimentos quaisquer iniciativas que buscam “savings” serão engolidas pelo processo em si. Estabelecer um método que sustente as melhorias é função do especialista de melhoria contínua. O Professor Vicente Falconi tem uma frase que gosto muito, que diz: “Método é uma sequência de procedimentos necessários para se atingir uma meta”. O Objetivo final é garantir a meta, para que a empresa aumente a lucratividade.
“Saving” sem Gerenciamento da Rotina de Trabalho (GEROT) não é saving.
Certa vez li um Cartoon de Hagar o Terrível, a história é bem simples e rápida, mas ilustra perfeitamente que não adianta ter meta, um alvo claro e agir na hora errada, com os recursos incorretos.
A história de Hagar segue da seguinte maneira:
Certa vez Hagar reuniu seu exército e marchou para conquistar um belo castelo. Ao para defronte ao castelo vociferou: - “Renda-se ou morra!! Eu sou Hagar, o Horrível”, houve silencio, e então uma forte e firme voz de mulher alertou: - “Parem com essa gritaria e saiam de cima de minhas Tulipas, ou vão se ver comigo!”, rapidamente Hagar ordenou o recuou do exército da seguinte maneira: - “Vamos, rapazes...é melhor voltar quando o Homem da casa estiver no castelo”. Este pequeno Cartoon claro, tem uma piada explicita para o relacionamento entre marido e esposa e hierarquia de comando na casa. Mas traçando um paralelo com o GEROT, vemos que a missão fracassou, pois usou recursos em demasia de um lado, no momento incorreto e sem planejamento algum, a não ser a força de vontade de Hagar.
Um bom GEROT contempla, a definição de uma rotina de verificações padrão dentro do processo em diferentes níveis hierárquicos, que vão desde a alocação de recursos, perguntas a serem respondidas, metas para serem atingidas, processo de escalação e planos de contenção. Sem proceder desta maneira, tal qual Hagar, os “savings” recuarão.
“Saving” sem Lesson Learned não é saving.
Em uma das empresas que trabalhei vivenciei uma prática excepcional. Havia um sistema informatizado para coleta de Lesson Learned, que alimentavam um Banco de dados para cruzamento destas informações, de maneira a replicar as boas práticas de maneira rápida e efetiva, gerando ações de contenção, mitigação e mesmo eliminação de problemas. Isso é um saving real, uma organização que aprende de maneira sistemática. Essa sistematização apresenta um propósito, e pessoas com proposito entregam/são algo maravilhoso, elas são o real motor dos savings. Uma organização que aprende não está restrita a uma coletânea de One Pagers dento do HD da máquina de um PMO. Outra prática incrível que vi, foi um mural de Formulários A3, sendo alimentado continuamente e que faziam parte da trilha de carreira dos colaboradores, isso gera propósito, objetivação pessoal. Não tenho nada contra as “caixinhas” de sugestão, são uma maneira rápida e barata para coletar sugestões, mas coletando-as, use.
“Saving” sem redução de perdas e reflexo no EBIT não é saving
Aqui compartilho outra experiência pessoal. A mais de 15 anos atrás em uma de minhas experiências profissionais fomos eleitos a melhor Planta Lean do Mundo, num assessment de alto nível, com avaliadores de 3 diferentes países, tudo motivo de festa, emoção, gente que estava na forca respirou, tudo lindo! Tínhamos excelentes resultados Operacionais, alta lucratividade, tudo muito bom. Porém dois dias depois da festança nosso líder, um homem bem sábio nos fez a pergunta, que carrego comigo até hoje:
“- Somos os melhores, disso não há sombra de dúvidas, mas porque não vejo isso refletindo no EBIT?”
Sempre brinco com os especialistas de Lean, Six Sigma etc...é nesta pergunta que “Deus faz a divisão por zero”.
Conclusão:
Em 2017 deu para o Corinthians, quando o mercado está bom, quando existe um momento de expansão, quando existe pouca concorrência – “Dá”.
No entanto uma hora o queijo acaba, lembre-se Gestão é um tema prático, filosofia é o oposto disso, um sistema entrega o que ele foi desenhado para fazer, se a Excelência Operacional tem sido desenhada de maneira superficial, a entrega será de maneira superficial...pois uma hora “Num vai dá”.
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Sobre o Autor
Marcos Paulo Del Passo é Engenheiro de formação, com mais de 25 anos de experiencia em empresas multinacionais e nacionais de grande e médio porte dos segmentos industriais, logísticos e Agronegócio como Head nas áreas de manutenção, automação, digitalização, Indústria 4.0, manufatura e Gestão Industrial e de Negócios. Também atua como consultor de Excelência Operacional, Sistemas Informatizados e de Automação nas áreas Industriais e de Supply Chain.
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Gerente de Engenharia | Gerente de Projetos, Programas e Portfólio | PMO | Desenvolvimento de Negócios e Pessoas | Product Owner
3 aPreciso como sempre, meu amigo! Lamentavelmente a gestão de resultado imediatista usa o vocábulo da forma como convém no papel e nos ppts da vida e, muitas vezes, muda de cena antes que os resultados reais sejam colocados na mesa e questionados.
Gerente de Projetos Logísticos | Excelência Operacional | Torre de Controle | Operações Logísticas
3 aExplicou a complexidade com muita simplicidade e resumiu sem perder detalhes. Vivenciamos juntos alguns momentos destes. Parabéns pelo texto! Abs
Especialista em Gestão da Qualidade e Melhoria Contínua
3 aAline Lopes, da uma lida neste artigo.
Consultor em Metodologia Lean e Seis Sigma
3 aBottom line matters para as empresas saudáveis!! Todo o resto é dispensável!! Cash flow matters para as empresas a beira do colapso!!!! Todo o resto é dispensável!!!! Todo o resto é ENTRETANTO Seu artigo de EXCELENTE qualidade expõe muito bem a fragilidade do "savings" no papel, Abstrato!!! O mundo concreto é Muito mais Complexo e exigente em respostas verdadeiras!!! Em minha carreira, vi muito frequentemente "savings" surreais, nada verdadeiras!!! Você está coberto de razão!!!
Head of Logistic at Mahle Metal Leve S/A
3 aExcelente artigo Marcos, muito contundente como sempre.