O abraço de verdade
Meu pai faria setenta anos hoje. Desnecessário dizer da saudade e do desejo de poder abraçá-lo no dia do seu aniversário. Desnecessário dizer também que aqueles que têm seus pais nesse mundo deveriam se permitir transbordar de afeto por eles em todos os momentos possíveis.
Contudo, muitos são aqueles que com os pais vivos (ou já mortos) são incapazes de resgatar na memória a última vez que ganharam ou deram um abraço. Alguns podem até ter seus motivos para não abraçá-los (saber perdoar é uma virtude), mas muitos não tem uma justificativa aparente que resulte em tanto vácuo afetivo.
Deixo claro que não estou falando de qualquer abraço. Refiro-me aqui ao abraço de verdade. O abraço de verdade é aquele que nos faz sentir o coração do outro batendo dentro do nosso peito. Façam o teste.
Talvez muitos não consigam fazê-lo por vergonha ou orgulho, ou até mesmo porque podem chegar à conclusão que nesse mundo ainda não apareceu ninguém à altura de merecê-lo. Para alguns, o abraço de verdade pode não fazer a menor falta também.
Aliás, é provável que muitos nunca deram ou receberam esse abraço de verdade de ninguém. Há casos graves de pessoas que evitam passar festas de fim de ano em família apenas para não se submeter à mais remota possibilidade de dar e receber um abraço de verdade dos pais e dos irmãos. Esse tipo de bloqueio a psicologia chama de “vergonha do afeto” e é mais comum do que a gente imagina.
É claro que se não houve uma naturalização da troca de afeto na infância e na adolescência dentro de casa, não será na vida adulta que isso acontecerá espontaneamente. Nessas situações, o sentimento de querer abraçar de verdade e a ação de abraçar de verdade devem ser construídos e racionalizados sem a ativação de uma memória afetiva infantil. E isso torna tudo mais difícil, mas não impossível, claro.
Se sinto hoje o desejo de abraçar de verdade meu pai é justamente porque aprendi com ele (ou com a convivência com ele) sobre a importância da demonstração explícita de carinho, de afeto, como um sinal que fala ao outro que deste lado há alguém que está com você, incondicionalmente. E é apenas e tão somente para as pessoas que sabemos que estão do nosso lado de fato, que são parte de nós, que realizamos nossas ações no mundo real, no trabalho etc. Não me esforço para dar uma boa aula ou escrever um bom texto esperando o reconhecimento dos meus pares, claro que não. O que nos leva a fazer tudo aquilo que fazemos é a consciência de que em algum lugar há alguém do nosso lado que nos motiva verdadeiramente a isso no campo do afeto e do amor.
O único sentido da vida é a felicidade. E não existe felicidade sem afeto, sem abraço de verdade.
Parabéns, papai. Obrigado por tudo. Obrigado por me ensinar, com extrema alegria, a nobre arte de demonstrar carinho verdadeiro, de abraçar de verdade.