O ABSURDO DA VIDA
Coubert auto-retrato (1845)

O ABSURDO DA VIDA

“Se Stavogrine acredita, ele não acredita que acredita. Se ele não acredita, não acredita que não acredita.”

(Dostoiévski, “Os possessos”)

Todos os heróis de Dostoiévski questionam-se sobre o sentido da vida. Como muitos de nós. São modernos, não temem o ridículo. As tramas nutrem-se de problemas morais, alcançam tal intensidade que só admitem soluções extremas. Como nossas vidas quando ultrapassam a fronteira estreita da mediocridade.

A opinião é de Albert Camus, que adaptou “Os possessos” para o teatro. É minha também.

Não há conflito raso no autor russo, o leitor tem que mergulhar muito fundo e trazer à tona a essência, sempre encoberta pela história. Não há conflito raso na contemporaneidade, o cidadão tem que mergulhar fundo e resgatar a essência encoberta por histórias de jornal.

No caso de “Os possessos”, jovens de uma pequena cidade russa insubordinam-se e querem a “revolução” pela violência. Um dos personagens, humilhado e ridículo na condição humana do absurdo, que conhece há tempos, decide suicidar-se, mas em combate, como quem defende a causa. Que não defende.

Juventude perdida

Transpondo para tempos atuais, flagro-me descrente e nada bélica. Não cabe indignação, porque quando parto para a ação a teoria já é outra, as conspirações não se confirmam e outras se apresentam.

A Ciência não explica, acaba em hipótese, a lucidez obscura culmina em metáfora, a incerteza resolve-se em obra de arte. Essa última é o espelho onde me busco, e não descambo para a política porque se tornou animais invencíveis, assassinos e míticos como os de filmes em série ou fábulas também seriada. O mal e o bem se digladiam, a vitória do bem nunca é definitiva; a do mal, previsível.

Derrotada na cama, não durmo, arregalo os olhos, pergunto por que tanto esforço para inventar a esperança cada manhã, faço coro com Camus: “As linhas suaves da colina e a mão da noite neste coração agitado me ensinam muito mais.”

Se a morte é o fim, não capto o mundo. Lambo a ponta do dedo, que desliza, delineando o contorno redondo, sigo delicada e longamente com o dedo, rugosidade, forma, relevo; do que me salva nada saberei. Mas é bom!

Que condição é essa em que nos metemos na qual só podemos ter paz quando nada sabemos ou fazemos. Ou quando temos a cabeça chacoalhada por excesso de informações inúteis. Minha arma é o pensamento, não tem bala no tambor. Não temo. Mas, ai, o querer, esse suscita paradoxos. Me tira do sério no melhor sentido.

Meia-idade

Na meia-idade, tudo está arrumado para que nasça uma paz envenenada que a indolência, o sono do coração ou as renúncias mortais oferecem. É o buquê de flores da morte que se anuncia.

E pensar o que significa a vida em tal universo... Talvez indiferença e a paixão de esgotar tudo o que é dado. Neste ponto, sejamos simplistas, o mundo proporciona sempre a mesma soma de experiências a duas pessoas que vivam o mesmo número de anos. Cabe a nós ter a consciência disso. Sentir o máximo possível da fé, revolta, liberdade (ainda que cheia de limites); é viver o máximo possível.

Assim, em todos os dias de uma vida sem brilho, o tempo nos leva. Mas sempre chega uma hora em que temos de levá-lo. É a morte para a qual fomos feitos.

Biografia do Tempo

Se fosse preciso escrever a única história significativa do pensamento humano deveria ser a de seus arrependimentos sucessivos e de suas impotências. Ela nos redimiria e daria a chance, ilusória, de volta ao começo. E tudo seria quase como antes. Variáveis existem e são para serem reconhecidas.

A luta

Todas as grandes ações e todos os grandes pensamentos têm um começo ridículo. Muitas vezes as grandes obras nascem na esquina de uma rua ou na porta giratória de um restaurante. Absurdo assim. O mundo absurdo, muito mais que outro, obtém sua nobreza desse nascimento miserável. Estou esperando o ridículo para agir grandiosamente, contemplação demais já me cansou. Esse texto retrata o ridículo do absurdo da minha vida como cidadã, que me consome. Preparo-me para a grande ação!

Belíssimo artigo. Aliás, como tudo o que a Christiane Brito escreve. Um prazer enorme esta leitura, obrigada por compartilhar.

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