O Antibranding. Ou, Como Alienar seu Cliente e ainda achar bom.
Desespero define.

O Antibranding. Ou, Como Alienar seu Cliente e ainda achar bom.

Se existe uma constante na vida de um gestor de branding é sempre buscar o reconhecimento da marca no seu mercado. De fazer seu público percebê-la, ter contato com ela, usar seus produtos/serviços e depois da experiência, sair com a melhor imagem possível. 

Mas e quando a marca quer que o cliente a esqueça? Quando a marca faz tudo para que seu cliente não lembre dela, não use seus serviços e de preferência tenha muita preguiça ao tentar entrar em contato?

Parece totalmente contra intuitivo, mas existe. E não funciona. Mas as empresas persistem tentando. 

Eu sou cliente da mesma operadora de Planos Saúde há anos, e a única maneira que eu consigo pensar em ser pior tratado seria se mandassem alguém todos os dias na minha casa para me dar doze chibatadas. Não é que seja difícil lidar com eles. É virtualmente impossível. Abaixo vão algumas das práticas que, sozinhas, já são incompreensíveis. Quando colocadas em conjunto, pintam uma história menos aleatória:

  • Falta de canais de contato: No telefone te falam que o aplicativo e site fazem de tudo. Na realidade, fazem muito pouco, e te mandam de volta para o telefone. Não existe um chat. Não existe email de contato. 
  • Telefone com menus longos, muito longos: acho que digitei meu CNPJ umas três vezes. A atendente perguntou mais uma. Os menus têm opção que vão de 1 a 9, os submenus idem, com enormes textos informando dezenas de coisas que você não perguntou entre eles. A paciência vai sendo minada. No momento em que você eventualmente for atendido, já estará em modo tolerância zero.
  • Protocolos enormes: quando a gravação começa a falar o número do protocolo do atendimento, separe metade de uma folha. Não termina. 
  • Protocolos que não servem para nada: você anotou o número, mas no atendimento ninguém os pede. Não têm utilidade. Existem só porque a agência reguladora exige.
  • Demora: esse é clássico. Nunca tive uma interação que tenha demorado menos de meia hora. Só para conseguir encontrar a opção do menu que você procurava, demora 15 minutos. Depois disso, espere mais 20 a 30 minutos de música irritante.
  • Atendentes cansados e desmotivados: acostumados a atender reclamações o dia inteiro, eles parecem já não dar a mínima. Você reclama sobre a empresa e eles entram no modo "posso ajudar em mais alguma coisa?". 
  • Conclusões que não concluem: No fim, me foi ofertado, prometido e acordado algo, com data e promessa sacramentados por um protocolo. Que não valeu de nada. A promessa não foi cumprida, e não havia alçada superior a atendente que falava comigo. Nem área de relacionamento, nem gerência, nada. Era aceitar ou pedir exclusão do plano.
  • Redes sociais escondidas: A empresa tem duas redes: Linkedin, e Youtube. Curiosamente, aquelas que menos fomentam o ato de ouvir seu cliente, testar a temperatura do seu entorno.

É um desastre, que poderia ser caracterizado como um simples caso de incompetência. Eu sou particularmente cético ao pensar em empresas multimilionárias que cometem erros seriais dessa forma. Quando o conjunto de erros me parece incompreensível, me cheira mais a um plano mesmo. 

Todas as incongruências deste caso me levam a uma direção: quanto mais se dificulta o acesso do cliente aos seus serviços, melhor. Um plano de saúde quer duas coisas: que seu cliente pague, que pague o máximo possível, e que use o plano o mínimo possível. Quanto maior a distância entre esses dois atos, melhor. Para reduzir custos, investe-se o mínimo possível em unidades de atendimento, barateia-se. E quando seu cliente for reclamar, que seja difícil. Que seja muito, muito difícil. Perto do impossível mesmo. 

Existem outros setores que se comportam da mesma forma, ou de forma similar. Geralmente estão entre os mais reclamados nas plataformas de Código de Defesa do Consumidor. São operadoras de telefonia, saúde, TVs fechadas, serviços como Água, Gás, Eletricidade e, claro, Saúde. Me vêm à mente o presidente da Enel dizendo que não devia desculpas aos seus clientes pela falta generalizada de luz durante as tempestades em São Paulo. 

Em todos os casos, sobressai uma natureza típica de estatais. Em muitos, uma dificuldade do cliente em substituir o serviços. Uma sensação (talvez também intencional) de que os concorrentes são tão ruins quanto. De fato, reina uma mentalidade de serviço público (não tá satisfeito? Vá reclamar com Papa!). 

Do ponto de vista de branding, nada disso funciona. A médio e longo prazos, por mais que as empresas invistam em infraestrutura, equipamentos e profissionais qualificados, o que vai sobressair é a natureza do atendimento. É como um bar que serve os melhores drinks, mas o garçom ofende sua mãe.  No fim das contas, a marca vai pro saco, e precisa sofrer mudança de nome para seguir no mercado.

Seria muito mais efetivo investir pesado em qualidade, diversificar os canais de atendimento ao máximo, modernizar sistemas, usar as redes sociais para informar e ouvir (sem fingir que problemas não existem), criar campanhas de saúde complementar que efetivamente diminuam a quantidade de vezes que um cliente fica doente, inovar efetivamente na dispersão de informação. Quem sabe até assumir uma posição mais humilde em suas deficiências.

Talvez tudo isso venha em um sistema top-down, onde os acionistas exigem que as coisas não mudem. Mas se eu fosse o Gestor de Branding de um concorrente, estaria obcecado em encontrar a equação que me tirasse desse meio.

E olha, solução existe.

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