O Aumento dos Jogos de Poder nas  Empresas

O Aumento dos Jogos de Poder nas Empresas

Artigo escrito para o Jorna Valor Econômico, publicado em maio de 2018.

Os jogos políticos fazem parte da vida organizacional. Basta um grupo de pessoas se juntar para a realização de alguma tarefa que teremos a formação de um nicho com poder.

Compreender essas dinâmicas e aprender a sobreviver nesse tabuleiro de xadrez é uma competência necessária para quem está no mundo do trabalho. Já faz alguns anos que tenho recomendado que os profissionais considerem, sim, os fatores políticos em suas carreiras. Presumir que todas as pessoas têm uma agenda comum e estarão dispostas a ajudar uns aos outros é pura ficção e certa ingenuidade. Na prática, as associações internas, os conflitos entre áreas, os influenciadores do poder estão muito além do organograma tradicional.

O escritor inglês Michael Korda, em 1983, tratou deste tema no livro "O Jogo do Poder na Empresa". As histórias ilustradas por ele parecem ter sido tiradas dos quadrinhos do Dilbert e relatam o cotidiano quase circense das empresas. As brigas nos bastidores das organizações, o faz de conta das intermináveis reuniões, a troca seletiva de informações para a alta gestão e o teatro no entorno do ambiente empresarial são algumas das reflexões irônicas e cheias de críticas do retrato das organizações das décadas de 70 e 80.

Já no século XXI, ingressamos na fase do "politicamente correto". Com coragem, enfrentamos questões corporativas relacionadas a sustentabilidade e a diversidade. Em paralelo a isso, seguimos com o mantra da colaboração, criado por mentes da era digital, que defendem que a construção de ecossistemas é a real geradora de valor para toda a sociedade. Essa reflexão moderna de negócios ressignifica o nosso modelo mental. Afinal, não devemos pensar somente no indivíduo e, sim, no conjunto que o cerca. Uma vez que temos abundância de conhecimento, não precisaremos competir ou prejudicar o outro. E é dessa forma que transformaríamos o planeta, melhorando o ambiente de trabalho e reduzindo os infames jogos de poder.

Na prática, percebo que esse conjunto valoroso de iniciativas ainda não passa de conteúdo para reportagens de revistas especializadas. Os jogos de poder e a falta de colaboração nas empresas estão mais vivos do que nunca. Podemos compreender parte dessa realidade quando observamos as pressões que os executivos enfrentam, como a competição por recursos limitados, as constantes trocas de controle acionário, a necessidade de realizar metas impossíveis e os planos de negócios mirabolantes, além da luta pela sobrevivência na empresa. Se somarmos a instabilidade econômica, as guerras políticas são ainda mais intensas.

Distante do mundo da colaboração e dos coloridos escritórios de coworking, a imensa maioria dos profissionais está afundada nessas dinâmicas de poder. Em um interessante texto de Maurício Goldstein e Philip Read, ambos especialistas em comportamento humano, são descritos alguns desses jogos de poder, como o "te peguei". É um dos movimentos mais utilizados para apontar o erro do outro e gerar mais vantagem política. Outra técnica comum é o 'sandbagging', que significa reduzir propositalmente expectativas de vendas para obter vantagens.

Eles também citam as famosas fofocas como forma de levantar boatos nas empresas para a pessoa que espalhou receber atenção por obter informações privilegiadas. Outro exemplo é a "zona cinza", cujo objetivo é lançar dúvidas sobre quem deveria fazer as atividades a fim de evitar responsabilidades. As conversas que tenho com executivos de alta gestão confirmam esse movimento. Alguns relatam que gastam mais de 50% de seu tempo com articulações políticas para sobreviverem nas corporações. Certamente, a energia desempenhada nessas dinâmicas deixou de ser aplicada em ações para a empresa.

Assim como incluímos a diversidade na pauta corporativa, teremos de discutir os jogos de poder e seus danos nas empresas. Falar em ambiente colaborativo e transparência será mais um dos modismos se continuarmos tendo empresas carregadas de articulações, agendas ocultas e individualismo. A não ser que essa agenda contemporânea seja apenas parte de mais um dos jogos de poder.


Rogerio Carlos David

Owner of the Freedom Star Supply of Marine Spears Parts To Ships, Platforms & Refineries

6 a

Perfeito 

Interessante a descrição e interpretação do dia a dia nas empresas.

admiro muito seus artigos, parabéns Rafael Souto

Alex R.

Eng. de Produção | Processos | Data Analyst

6 a

Rafael Souto Penso que parte desses jogos do poder e a falta de colaboração também ocorre em locais fora do ambiente corporativo, como o Linkedin, por exemplo. Onde de um lado temos profissionais bem colocados no mercado e que precisam manter uma reputação dentro e fora da empresa. Sendo que, alguns, para isso, buscam somente as articulações/conexões políticas que mais lhes favorecem. E do outro lado, há grandes profissionais não tão bem colocados no mercado (ou até mesmo desempregados) que sentem um forte desprezo por essa parcela de profissionais politicamente ativos. Isso explica boa parte das ações, ou sua falta, quando buscamos nos aproximar e compartilhar ideias dentro de uma organização que cultiva esses valores.

Jose Mendonca

Sócio em Scientia I Vendas para os segmentos Médico (Silicones p/ Dispositivos Médicos), Soluções de Inteligência Artificial da Monet Analytics (California), Aeroespacial e Eletro-eletrônico.

6 a

Muito bom texto!

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