O BLOQUEIO DE REDES SOCIAIS E DO WHATSAPP COMO MEDIDA EXECUTIVA ATÍPICA
Esse singelo artigo parte das seguintes perguntas: i) Existe amparo legal para que o juiz determine o bloqueio de redes sociais e do whatsapp do devedor como medida executiva atípica? ii) Tal medida vulneraria direitos fundamentais do indivíduo, especialmente aqueles consagrados no Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) e na Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018)?
Sobre o acesso à internet, já tive a oportunidade de destacar, em outra ocasião (Ética e Empresa. As empresas modernas como protagonistas de um mundo melhor. São Paulo: Biblioteca24horas, 2016, pp. 49-50), que:
O direito humano ao desenvolvimento progressivo reclama uma distribuição mínima e igual de bens fundamentais (educação, saúde, trabalho, alimentação, lazer, segurança, previdência social, proteção e assistência aos desamparados ou aqueles em situação de vulnerabilidade, etc.).
Observe-se que o rol de bens primários ou fundamentais é sempre exemplicativo e tem a tendência de ampliar-se com o tempo.
Com efeito, o acesso à internet tornou-se um bem primário nas últimas décadas, determinando a adoção de políticas de inclusão digital.
Extrai-se, em contrapartida, da experiência forense, um número assombroso de execuções cíveis frustradas ou, para usar um termo técnico, suspensas por inexistência de bens penhoráveis do executado (art. 921, III, CPC).
Observe-se, por oportuno, que o novo Código de Processo Civil consagra o princípio da efetividade em diversos artigos. O art. 4º, CPC, estabelece, por exemplo, que: “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.
Já o subsequente art. 6º, revela, ainda mais, a preocupação do legislador com a efetividade da jurisdição estatal ao consagrar, de maneira expressa, o princípio da cooperação no processo civil. Confira-se, a propósito, o teor do referido dispositivo legal: “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.
Fixadas essas premissas, existe amparo legal para que o juiz determine o bloqueio de redes sociais e do whatsapp do devedor como medida executiva atípica? Em princípio, sim.
O art. 139, IV, CPC [1], serve de fundamento a eventual bloqueio desta natureza.
Entretanto, não há, por ora, na jurisprudência pátria, um consenso sobre as medidas proporcionais e razoáveis dispostas no art. 139, IV, CPC.
Em breve pesquisa jurisprudencial, constata-se, no repertório do E. TJSP, quais destas medidas não seriam razoáveis e proporcionais para assegurar o cumprimento da ordem judicial, v.g. apreensão de passaporte e suspensão de CNH, muito embora o dispositivo retro esteja alocado em capítulo do CPC assim intitulado: “DOS PODERES, DOS DEVERES E DA RESPONSABILIDADE DO JUIZ”.
Não se sabe, portanto, diante da indeterminação legal, o que se afigura admissível ou não no que diz respeito à imposição ao executado de medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias que poderão ou não ter “relação finalística” com a satisfação crédito.
De qualquer forma, dúvida não há no sentido de que incumbe ao juiz determiná-las.
Todavia, o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem se esmerado em dizer como o art. 139, IV, CPC, não deve ser aplicado, ao invés de fazer justamente o contrário, de sorte a garantir e não negar o acesso à justiça, de acordo com as disposições contidas nos arts. 4º e 6º, CPC.
É indiscutível, sob essa ótica, que o art. 139, IV, CPC, se transformará em letra morta e, via de consequência, em abrigo clandestino assegurado pelo Poder Judiciário aos devedores, caso não haja uma guinada interpretativa.
Evidentemente, se a medida pleiteada pelo credor for, porventura, considerada excessiva e injusta pelo juiz, compete a este o deferimento de outra em seu lugar que, por sua vez, se mostre consentânea com a dignidade do devedor e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (art. 8º, CPC).
Não basta, desse modo, o mero indeferimento de pedido desse jaez por afronta à CF, ao CDC, Marco Civil da Internet, Lei Geral de Proteção de Dados ou ao próprio CPC, sob pena de grave violação ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, XXXV, CF c/c art. 3º, CPC).
Somente será plenamente justo, o julgado efetivo ou efetivado. Nem todo julgado efetivo será justo, mas todo julgado justo haverá de ser efetivo.
Aliás, é alta a probabilidade de que, sendo injusto, carecerá de efetividade, na medida em que a parte que se sente injustiçada costuma criar inúmeros obstáculos ao seu cumprimento.
Nesse diapasão, a efetividade é atributo do título executivo condicionado à verificação concreta de acontecimentos futuros como, por exemplo, o sucesso das medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias determinadas pelo juiz para assegurar o cumprimento da ordem judicial (art. 139, IV, CPC) ou o próprio comportamento do réu que, a depender do caso, poderá, quiçá, atendê-la espontaneamente.
O juiz, como ser humano, falível e imperfeito, não reúne condições de prever, no ato de julgar, a perfeita efetivação de sua decisão de mérito, ainda que anteveja, de alguma maneira, este potencial. Tais ponderações exprimem a ideia de movimento.
Diante disso, não há como aferir, de plano ou de modo estático, a justiça e a efetividade do ato decisório.
Será, de fato, justo e efetivo, atingindo, assim, o grau máximo de realização, dentro das práticas processuais e dos comandos impositivos nele contidos, se vier a ser cumprido de modo espontâneo ou forçado, lembrando-se que, a rigor, o executado astuto poderá se desvencilhar de todas as medidas executivas típicas e atípicas. Não fosse assim, todos os bloqueios de ativos financeiros via Bacenjud seriam frutíferos.
De qualquer forma, é necessário analisar, antes de tudo, o histórico do feito executivo e se o comportamento do executado se coaduna ou não com o princípio da boa-fé processual (art. 5º, CPC).
É importante verificar, também, se todas as medidas executivas típicas já foram implementadas sem sucesso (e. g. bloqueios de ativos financeiros, de bens móveis e imóveis, inscrição do nome do executado no rol de inadimplentes).
Nestas situações excepcionais, admite-se, em tese, o pedido de bloqueio do facebook, instagram e whatsapp do executado até o pagamento integral do débito ou pelo prazo máximo de cinco anos, como medida executiva atípica autorizada pelo art. 139, IV, CPC. O prazo máximo de cinco anos encontra respaldo, por analogia, na regra prevista no art. 43, § 1º, CDC.
O pedido, contudo, tem sido frequentemente rejeitado pelo Poder Judiciário. Nos dizeres do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo por ocasião do julgamento do AI nº 2184368-86.2018.8.26.0000:
Ocorre que a adoção das discutidas providências atípicas é subsidiária, somente sendo cabível depois de tentados os meios de sub-rogação convencionais. Além disso, devem ser determinadas com esteio em uma análise prognóstica de seus reflexos na satisfação do crédito perseguido. Não podem ter como fulcro a mera punição da parte contra a qual se dirigem... Realmente, improvável que as medidas requeridas surtam algum efeito no tocante à satisfação do crédito. Isso sem contar que são facilmente burláveis. O devedor poderia acessar o Whatsapp por meio de outro número de telefone, bem como às redes sociais, mediante criação de outros perfis.
O art. 139, IV, CPC, autoriza, em contrapartida, a imposição de medida indutiva necessária para assegurar o cumprimento de ordem judicial que tenha por objeto prestação pecuniária.
De acordo com o “Pequeno Dicionário Brasileiro de Língua Portuguesa” (11. ed. Rio de Janeiro: Editora Nacional, 1987, p. 670), “induzir” significa “causar; inspirar...instigar ou persuadir; sugerir; incutir; incitar; aconselhar...”.
Nesse sentido, não há dúvida que o bloqueio do facebook, instagram e whatsapp, longe de traduzir punição pura e simples ou gratuita, tem o enorme potencial de induzir, instigar, persuadir ou incitar o executado a cumprir o título extrajudicial ou judicial.
Essa probabilidade – mesmo que pequena – é o quanto basta para a concessão desta medida executiva atípica, já que é impossível antever os seus reais impactos no comportamento do devedor.
É preciso, na realidade, que o Judiciário se reinvente e seja otimista em relação às medidas executivas atípicas representativas de verdadeira e profunda revolução silenciosa do processo civil. Seu resultado prático, a propósito, dependerá de tentativas – plenamente válidas – e eventuais acertos.
Ademais, ambas as redes sociais (facebook e instagram) e o aplicativo de comunicação (whatsapp) são superestimados na sociedade contemporânea.
Seriam, porém, imprescindíveis à subsistência do devedor, às suas relações interpessoais ou profissionais e à liberdade de comunicação?
Ao que tudo indica, negativa é a resposta.
Com efeito, remanescerá incólume o princípio da menor onerosidade para o executado diante da adoção destas medidas executivas atípicas, posto que preservados o mínimo existencial e, via de consequência, a dignidade da pessoa humana.
Significa dizer, em outras palavras, que as redes sociais e o aplicativo de comunicação não integram o núcleo intangível de direitos fundamentais do devedor, salvo, por exemplo, se se tratar de pessoa natural ou jurídica que, de maneira direta, aufira renda pela internet (lojas virtuais, youtubers, digital influencers, etc.), o que, naturalmente, deverá ser averiguado pelo Poder Judiciário, se e quando houver impugnação nesse sentido.
Em regra, o bloqueio das redes sociais não afeta a existência digna do devedor que, por sua vez, poderá construir novas relações interpessoais/profissionais ou, ainda, fortalecer aquelas já existentes, por outros veículos de comunicação, como o bom e velho diálogo presencial, tão démodé nos dias de hoje.
De igual modo, o bloqueio do whatsapp não implica em cerceamento de sua liberdade de comunicação, na medida em que existem outras formas de exercê-la via ligações telefônicas, SMS e, inclusive, mediante o uso de outros aplicativos, a exemplo do skype.
Inegavelmente, o bloqueio destas redes sociais e do whatsapp poderá persuadir o executado a pagar a dívida, a depender do valor sentimental que este atribua aos indigitados canais de relacionamento humano.
Além disso, competirá aos provedores destes serviços o fiel cumprimento da medida indutiva e ao Poder Judiciário em conjunto com o credor fiscalizá-la. Caso o devedor burle a referida ordem judicial estará sujeito à multa por ato atentatório à dignidade da justiça prevista no art. 77, IV e § 2º, CPC, sem prejuízo de outras sanções nas esferas criminal, civil e processual.
Embora a resposta tenha sido previamente anunciada: Tal medida vulneraria direitos fundamentais do indivíduo, especialmente aqueles consagrados no Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) e na Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018)? Em regra, não.
Tanto o Marco Civil da Internet, quanto a Lei Geral de Proteção de Dados, garantem, em linhas gerais, o direito de acesso à internet, mas não à determinada rede social ou aplicativo.
É certo, porém, que o Marco Civil da Internet enuncia dentre os seus princípios, a “garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da constituição Federal”, a “proteção da privacidade” e a “participação na vida cultural” (art. 3º, I e II, e art. 4º, II, respectivamente). A Lei Geral de Proteção de Dados também contempla alguns fundamentos relevantes, tais como “o respeito à privacidade”, “a autodeterminação informativa”, “a liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião”, “a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem”, “a defesa do consumidor”, “os direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais” (art. 2º, I, II, III, IV, VI e VII).
No entanto, se o escopo do novo Código de Processo Civil, explicitamente declarado em sua exposição de motivos, é o de resolver problemas, mostra-se imprescindível a criação de medidas capazes de atendê-lo a contento.
Ao fim e ao cabo, no caso de adoção ou não destas medidas executivas atípicas, “o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão” (art. 489, § 2º, CPC).
Em suma, entre o princípio da efetividade do processo, “incluída a atividade satisfativa” (art. 4º, CPC), e os objetivos, fundamentos e princípios consagrados no Marco Civil da Internet e na Lei Geral de Proteção de Dados, sobreleva-se o primeiro em detrimento daqueles previstos na legislação especial sub examine, sobretudo quando se tratar de devedor contumaz ou fantasma; aquele é useiro e vezeiro do calote e este dá pouca ou nenhuma importância às ordens judiciais e, embora citado e intimado, sequer comparece aos autos, reservando-se à missão ingrata de aterrorizar o credor e a execução de título extrajudicial ou judicial.
[1] Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
... IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;
Advogado Trabalhista e Previdenciarista
5 aMuito bacana Dr. Prof. Tannus!!!