O cérebro social e a empatia no ambiente organizacional.

O cérebro social e a empatia no ambiente organizacional.

A competitividade extrema, metas arrojadas, conquista por espaço e as pressões diárias são alguns dos estressores do ambiente corporativo, que aparentemente não combinam com a empatia, pois indicam certo individualismo, contrapondo-se a ideia comum do termo empatia que é a de “colocar-se no lugar do outro”. Porem para melhor compreensão da empatia é preciso falar brevemente sobre o “nosso CEO”, mais especificamente sobre o cérebro social.

Como o avanço continuo da tecnologia nos anos de 1980 quando as técnicas de neuroimagens permitiram uma visualização mais precisa do encéfalo, a evolução do entendimento e a compreensão do funcionamento do cérebro, possibilitou uma visão mais ampla e dinâmica de todo sistema nervoso. Já a decada 1990 é considerada a “Decada do Cérebro”, pois nesta decada que aconteceu uma explosão de conhecimento sobre o sistema nervoso. Com o final da Guerra Fria o governo americano investiu fortemente para descobrir como o cérebro funciona.

O conceito do cérebro social apresentado pela neurociência está relacionado a capacidade inata de relacionamento entre as pessoas, são as conexões cerebrais envolvidas na formação da autoconsciência e tambem na empatia. Nossa geração experimentou o Isolamento Social, onde aconteceu um aumento significativo de sintomas de sofrimentos psicológicos, que incluem a ansiedade e a depressão, ou seja, uma piora na saúde mental das pessoas.

Uma viagem na história do estudo do cérebro nos ajuda a compreender que ao longo dos milênios paradoxos foram quebrados, mitos e lendas foram desfeitos, a ciência evoluiu, e mesmo assim estudiosos do cérebro e da atividade cerebral em algumas situações enfrentaram as superstições e os preconceitos da sua época.  É logico que quando regressando nos primórdios das civilizações, por exemplo, olhamos com estranheza e achamos “loucura” a prática da trepanação.  A trepanação era praticada por médicos que afirmavam que conseguiam curar a loucura e epilepsia. Na trepanação abria-se um (ou mais) buraco no crânio do paciente (sem anestesia), enfiava uma broca até atingir a dura-máter para descomprimir o cérebro e curar doenças mentais, ou tirar “energias ruins”. O mundo era outro!

A evolução - da trepanação as neuroimagens

Nos anos de 1970 o neurocientista Paul D. MacLean apresenta a Teoria do Cérebro Trino, com a hipótese de que nós, humanos e primatas, temos o cérebro dividido em três unidades funcionais distintas, ou seja, o cérebro humano seria composto por tres sistemas independentes (não 3 cérebros).

O primeiro é o cérebro Reptiliano: responsável pelos instintos, é o cérebro primitivo; o segundo é o cérebro Límbico: é o emocional, responsável por controlar o comportamento emocional; e o terceiro o cérebro Neocórtex: é o mais recente e racional, responsável por tarefas intelectuais que somente os seres humanos dominam. É o Neocórtex (córtex pré-frontal) o responsável pelos sentimentos de empatia, solidariedade e compaixão, por exemplo.

O cérebro Trino de MacLean

Somos seres sociais, e a socialização está entranhada em nosso cérebro, e em parte é responsável pela evolução desse órgão. Ele evolui para acomodar e possibilitar a socialização cultural, moral, espiritual, afetiva, entre outros. Nosso cérebro tambem evolui em face a grupos sociais cada vez maiores e multifacetados; com suas novidades cognitivas; com o desenvolvimento gradual ou acelerado da tecnologia e de novas ferramentas; alem da comunicação e a transmissão de novos conhecimentos entre cada grupo social, com suas particularidades e/ou pluralidade.

O ser social remonta à história das civilizações humanas, onde a formação de grupos sociais ofereceu vantagens significativas para a sobrevivência. A habilidade de cooperar, compartilhar recursos e se comunicar de maneira complexa foi fundamental para o sucesso adaptativo da espécie humana. O ser social que é engajado e ativo tende a experimentar bem-estar emocional e resiliência. Isso porque mecanismos cerebrais, como os envolvidos na empatia, são essenciais para a compreensão e resposta aos sentimentos dos outros. A capacidade de se colocar no lugar de outra pessoa contribui para a coesão social e a construção de relacionamentos significativos.

Interessante como a palavra empatia está em uso no nosso dia a dia. Porem muitas vezes é utilizada ou aplicada em total desconexão com sua etimologia. A raiz da palavra “empatia” está no grego “empatheia”, que está ligado à paixão; é “achar a humanidade” é projetar o outro em si mesmo. É obvio que a maioria das pessoas não está interessada (mas deveriam) no significado etimológico das palavras, mas sim no uso comum, mesmo que muitos as utilizem de maneira errada, para defender idéias e pensamentos (ideológicos por exemplo) ou ofender e até mesmo denegrir quem não pensa igual, como é o caso de algumas palavras como: racista, genocida, fascista, homofóbico, fariseu, golpista, rapariga etc.

Na decada de 1970 o filosofo americano Thomas Nagel, em sua crítica a subjetividade da mente pergunta: Como é ser um morcego para um morcego? Para Thomas Nagel, somente um morcego pode sabê-lo, pois sabê-lo é ter acesso às suas experiências (dormir pendurado de cabeça para baixo, viver no escuro, voar, ter um sonar, dormir 20h, etc.). Por mais que aconteçam estudos e a ciência evolua, somente um morcego tem o privilégio de saber como é ser um morcego. Assim parece que ideia mais comum da empatia, que é a de “se colocar no lugar do outro” parece antagônica ao senso comum, ou pelo menos é fisicamente impossível conforme a Lei da Impenetrabilidade (Newton).

Como é ser um morcego?

Porém é necessário “achar a humanidade”, a empatheia, a capacidade de “projetar o outro em si mesmo” é intrínseca ao ser humano, está no âmago da humanidade, é a resistência a indiferença, é antítese a antipatia, é o nosso cérebro social em ação.

Na década de 1990, na Universidade de Parma, acontece uma importante descoberta cientifica pela equipe de neurocientistas lideradas pelo Dr. Giacomo Rizzolatti, um neurofisiologista e professor italiano, que investigava os movimentos motores dos macacos. Para ele era fascinante ver como existia uma série de estruturas neuronais que reagiam ao que outro membro da mesma ou de outra espécie estivesse fazendo. Acontecia aí a descoberta dos neurônios-espelho, pela primeira vez constatou-se que a simples observação de ações dos outros era capaz de ativar as mesmas regiões do cérebro do próprio observador.

Neurônios-espelhos.

Neurônios-espelho? Mas o que isso tem a ver com a empatia? Na realidade fica evidente que essa capacidade de simular ações, se deve aos neurônios-espelho, um sistema cognitivo espalhado em partes do cérebro que são responsáveis pela linguagem, empatia e dor. Os neurônios-espelho são ativados quando alguém observa uma ação de outra pessoa. O mais impressionante é o fato desse espelhamento não depender obrigatoriamente da nossa memória. Algumas partes do nosso cérebro como os lóbulos frontais e principalmente o córtex pré-frontal, onde temos nossa cognição, são estimuladas a aprendizagem e reprodução (espelhados) de comportamentos de outras pessoas, evidenciando dessa forma, que os neurônios-espelho têm papel essencial na percepção de intenções e na experiência da empatia.

A empatia não é narcisista! A empatia não é egoísta! A empatia busca o entendimento da perspectiva do outro; a empatia trabalha para reconhecer emoção no outro; a empatia procura não julgar o outro; e a empatia dedica-se a comunicar tudo isso ao outro.

Durante a socialização liberamos ocitocina, que é um importante hormônio no corpo humano.  Conhecida com hormônio do amor, a ocitocina, junto de outros neurotransmissores, reduz níveis de ansiedade e estresse nas interações sociais, além de estar relacionada ao desenvolvimento de confiança, generosidade e empatia. Um hormônio social, a liberação de ocitocina alem de ajudar homens e mulheres na satisfação em suas relações sexuais, proporciona sensações reconfortantes durante interações sociais e físicas, como por exemplo o vínculo entre casais, e mães e filhos.

A empatia não é o mesmo que simpatia! Por mais que os termos sejam similares, e até possam ser usados de maneira intercambiável, nem sempre podem ser consideradas como sinônimos. A simpatia tambem tem sua nobreza, é a comunhão de sentimentos (grego sympatheia - syn: “junto” e pathos: “sentimento”), sentir o mesmo que o outro; a simpatia pode ser expressada por meio de tristeza, pena ou compaixão por outra pessoa que se gostaria de ver melhor ou mais feliz; essa conexão pode afetar os sentimentos alheios de maneira positiva ou negativa. É possível existir simpatia, porém sem empatia, e essa conexão de atuação desigual pode levar a mais isolamento e desconexão.

Na empatia = eu sinto a sua dor -  Na simpatia = eu sinto muito por você sentir essa dor.

A conexão empatica.

E no ambiente organizacional? É possível considerar a empatia, ou será mais um mito, visto que a dominância subjetiva e relativizada das organizações se curvam ao politicamente correto, dominante em um mundo pós-moderno, onde tudo no papel é maravilhoso, mas na prática as pessoas estão quase que sem apreço aos valores éticos e morais, menosprezam a boa postura, a boa educação, o respeito hierárquico e os valores mais básicos, como o respeito ao próximo. Cada empresa é uma fábrica de B.O.

Sim, é possível considerar, pois a abrangência da empatia está no outro, mas tambem está intrínseca no eu. O autoconhecimento, o autocontrole, a autoavaliação são capacidades desenvolvidas na empatia, a experiência e facilidade para lidar com pessoas nas relações organizacionais, tambem envolve a capacidade de examinar e entender os sentimentos do outro no trabalho; a empatia permite relacionamentos positivos, sinérgicos e cooperativos, pois entre as diversas competencias desenvolvidas pela empatia podemos citar:

A empatia e a formação de cultura organizacional: a cultura organizacional pode ser entendida como a essência da organização, ou seja, sua personalidade; a maneira como a organização se comporta, pensa e faz as coisas organizacionais. A cultura organizacional não é entendida como características isoladas, mas um todo inter-relacionado. A empatia deve estar no amago da organização e na formação da cultura organizacional precisa estar presente na formação de práticas, pode ser aprendida, transmitida e partilhada.

A empatia e as habilidades socioemocionais: que são entendidas como as competências inatas ou aperfeiçoadas que envolvem as nossas emoções e a maneira como lidamos com elas, e tambem com as das outras pessoas, é a nossa convivência com outros indivíduos e conosco mesmo, de maneira saudável e pacífica; são nossas habilidades de comunicação, as expressões de autoconhecimento, de compaixão e autogestão, é a maneira como nos relacionamos em sociedade.

A empatia e a expressão do comportamento: o comportamento diz respeito às nossas reações no meio em que estamos inseridos. Por exemplo, a neurociência do comportamento busca compreender a origem, a base e as motivações das ações humanas. O comportamento humano envolve diversos aspectos da nossa constituição biológica e psíquica; aspectos como cognição, emoções, aprendizagem, memoria, motivação e empatia fazem parte desses aspectos que nos capacitam no gerenciamento das tomadas de decisões e relações sociais positivas.

A empatia e as conexões sociais:  os relacionamentos sociais podem beneficiar a saúde física e mental dos indivíduos-alvo, e através do espelhamento influenciar outros indivíduos na sua rede de conexão social. O isolamento social, seja ele voluntário ou não, tem consequências negativas aos indivíduos. Na neurociência social, a nossa necessidade de conexão com outras pessoas pode ser comparada a satisfação das nossas necessidades básicas, como comida e abrigo.

 A empatia é a antítese da antipatia (grego antipathéia: anti (contra) e pathéia (afeição)), é o oposto da afeição; um sentimento de repugnância e repulsa diante do outro, é um sentimento desarmônico com o próximo. A antipatia não prioriza o outro e o convívio social; é a ausência de autocontrole, é um mal ao proprio indivíduo que a cultiva.

É importante frisar que a capacidade de ser empático, não é o mesmo que “se apoderar” do cérebro do outro, pois não temos essa capacidade, as pessoas são autônomas, com sentimentos e emoções próprios. O ser empático facilita o autocontrole, que nos permite tomar decisões mais lúcidas e assertivas, pois o exercício mental de se colocar no lugar do outro, com sentimentos externados e complexos, pode ser desafiador e em algumas situações até traumático. Pense nisso!

Concluindo...

Os relacionamentos sociais no ambiente organizacional ou fora dele são partes de processos que dependem essencialmente de bom senso, equilíbrio, empatia, compreensão e respeito ao lidar com a singularidade de cada um. Diversas fases das relações e desenvolvimento humano aconteceram na humanidade até nossos dias; alem das relações humanas o desenvolvimento de novas tecnologias tem auxiliado muito a compreensão e o entendimento do funcionamento do sistema nervoso, e com isso avanços significativos para se desvendar e esclarecer os mistérios do cérebro humano.

O cérebro humano é o nosso CEO, é extremamente complexo, está bem adaptado à vida em sociedade, e com isso considera fundamental a necessidade inata de conexão e interação. Para estar (viver) e compreender o papel da socialidade é preciso alem da capacidade cognitiva a capacidade de desenvolver a empatia, enriquecendo assim a nossa compreensão da atual condição humana; é estar disposto a abnegação para realização de relações sociais saudáveis, com a promoção do bem-estar individual e coletivo.

Ao longo de sua vida o ser humano experimenta diversos tipos de relacionamentos e interações em sociedade; e estas experiências sociais do ser humano e o ambiente ao qual ele está inserido, formam a sua cognição, ou seja, o cérebro se modifica e se desenvolve durante a vida. Através da socialização, é possível que a pessoa consiga aprimorar a sua linguagem verbal e não verbal, interagir com outras pessoas, reconhecer e expressar emoções, exercer suas potencialidades e ter empatia.

Nas relações humanas em muitas situações é necessário renunciar ao desejo de reconhecimento e assumir a humildade pode ser um bom caminho de sucesso nas relações interpessoais. Estender a mão a quem precisa, sem esperar reconhecimento. Seja no ambiente organizacional ou não, é responsabilidade de cada um fazer a sua parte, exercendo valores de bondade, altruísmo, honestidade, ética, respeito e verdade.

Nada é fácil nessa vida, mas é preciso acreditar que é possível.


Valdemir Silvestre Carneiro.

Pós Graduado em Neurociências e Fisica da Consciência - UNINTER.

Jundiai - SP.

Soli Deo Glória!







MARCELO APPOLINARIO ∴

Coordenação de Gente | Especialista em Educação Corporativa | Criador de Conteúdo e Facilitador de Treinamento | Certificado em Metodologias Ágeis e 6D | Líder em Desenvolvimento de Pessoas

1 a

Show de bola... Excelente leitura.

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