O Cyrano de Bergerac corporativo
Os Cyranos ao longo da história (da esquerda para a direita): Pierre Magnier (1925, cinema), José Ferrer (1950, cinema), Peter Dinklege (2021, cinema), Gérard Depardieu (1990, cinema), Kevin Kline (2007, teatro), Gumae Carvalho (hein?)

O Cyrano de Bergerac corporativo

De quem são as palavras e atos que você diz e pratica todos os dias na empresa?

A história muitos devem conhecer. Apaixonado por uma linda mulher, um homem não se sente confortável ou com a coragem necessárias para se declarar. Usa extremamente bem as palavras, que traduzem seu amor, carinho e emoção pela jovem. Sem condições de a conquistar, recorre a um rapaz, mais jovem e belo, que também se sente atraído por ela. E é por meio deste novo personagem, Cristiano, que Cyrano de Bergerac “fala” para sua amada.

E Roxane se apaixona. Mas a quem ela dirige esse amor? Ao belo Cristiano ou a Cyrano, com seu grande nariz, que o faz acreditar que ela nunca se apaixonaria por ele?

Foram filmes e peças encenadas a partir da obra para o teatro de Edmond Rostand, escrita em 1897 e baseada na vida de Hector (ou Hercules, para alguns) Savinien de Cyrano de Bergerac. Sim, ele existiu, era escritor e dizem que sua semelhança física com o personagem interpretado no cinema por Gérard Depardieu, em 1990, é verdadeira.

No entanto, foi a produção de 2021, com o ator Peter Dinklege, que chamou mais minha atenção. Acontece que, aqueles que assistiram a Game of Thrones sabe, Dinklege não tem nariz grande. Sua estatura é que é pequena. Seja como for, nos dois casos a diferença física dos personagens traz uma discussão boa sobre diversidade e inclusão. Porém, sinto informar, não são os temas aqui.

Foi a partir de uma entrevista que Dinklege deu que acendeu uma luz. Comentava ele sobre as redes sociais, nos quais muitas pessoas criam “personas”, falando por outros. É aquela velha história: não há gente infeliz no Facebook, no Instagram... No LinkedIn, a média não foge a esse tipo de conteúdo. Eu mesmo posso estar nesse barco sem perceber – ou de forma consciente.

Quantos perfis existem que não correspondem à realidade e à identidade de quem os escreve ou mantém? Assim como Cyrano “criou” um novo Cristiano, criam-se pessoas a partir de outras.

Ok! E daí?

Por um momento, parei para pensar em quantos “cyranos corporativos” existem por aí. Deixam de acreditar em si mesmos por algo que julgam torná-los fora de um padrão. Quanta gente competente vem abafando suas qualidades e competências por isso? Sim, aqui voltamos para o tema D&I também.

No mesmo enredo, temos, no outro lado, aqueles que também abandonam quem são e se deixam levar pelos outros. Escondem que são ao perceberem que o sucesso está dando certo. Mas as palavras não são deles. São como alto falantes ou megafones. Não por atingirem um grande público, às vezes isso acontece, mas por apenas serem uma “ponte”. Ecoam consciente ou inconscientemente o que receberam em congressos, livros, seminários, posts, artigos, entrevistas...

Mas existem “pontes” e “pontes”. Umas apenas retransmitem o que não conseguem reter e tirar proveito daquilo. Outras, ouvem o que lhes dizem, absorvem, fazem uma curadoria, veem o que serve, o que acreditam e repassam com mais conteúdo, com mais amor, com mais propósito. Elas ensinam.


Gumae de Bergerac?

Não vou contar, ao menos agora, como a história termina. Spoiler para quem não lembra ou conhece: é triste. Mas vou contar outra, um tanto parecida, que aconteceu entre os anos 1980 e 1990.

Se você tem mais de 45 ou 50 anos e aproveitou bem os fins de semana pulando feito doido danceterias como a Up&Down e a Toco, aqui em São Paulo (para mim, foi a saudosa Brilho, na pacata cidade mineira de Barbacena – quem é de lá e conheceu levanta a mão!), naquela época, então deve lembrar do sucesso Girl, you know it’s true.

Era um dos carros-chefes da dupla Milli Vanilli (mais uma, depois de WHAM!). “Fab” Morvan e “Rob” Pilatus foram os escolhidos pelo produtor Franz Forian para dar corpo ao dueto. E só o corpo mesmo porque a voz era dos cyranos John Davis e Brad Howell. No fim das contas, eles foram desmascarados e Pilatus teve um fim triste.

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Mas calma, não quero dizer que os “cristianos corporativos” terão sempre um fim trágico. Ao menos não é isso o que desejo, do fundo do coração. Desejo apenas que todos façamos uma reflexão: que tal fazer uma sessão de exorcismo corporativo? Tiremos do corpo o que não nos pertence! Quantas vezes assumimos tantas falas de outros, deixando de lado quem somos, só para agradar alguém? Para não ser enquadrado como chato, diferente, arrogante?

Por um tempo, me sentia muito incomodado em escrever coisas desta forma, nesse estilo, meio maluco, tentando ser engraçado, ligando pontos que talvez nunca se encontrassem ou fossem pensados. Confesso que pairava um grande medo: o que iriam dizer de mim? Vão pensar que não sou sério? Que sou muito egocêntrico? Ou que penso ser engraçado?

(ou será que era vergonha do meu diastema?)

Resultado disso? Praticamente não existi nas redes de tão pouca atividade. Pareci uma manjubinha se esgueirando entre as linhas para peixes grandes ou aqueles seres abissais, que ficam lá no fundo do oceano, bem longe do olhar humano...

Depois do fim do meu ciclo na revista Melhor, passei um bom tempo escondido e esse receio sobre terceiros era uma das causas – existiam outras. Na revista, sempre que podia, eu deixava sair um pouco desse Gumae (de Bergerac?) em alguns textos, títulos, chamadas ou imagens selecionadas. Sempre com a espada na cabeça: e se alguém não gostasse?

Livre, leve e solto (rs), veio aquela sensação que muitos retratam como a folha em branco em sua frente: pinte, escreva, desenhe o que quiser! Seja você mesmo. E aí o medo. Ser um Cyrano de verdade traria algum empecilho para conquistar uma Roxane com CNPJ? Será que meu CNPJ daria match com o dela?

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Solte sua voz

Agora entendo melhor o medo que Cyrano deve ter sentido, embora fosse valente e corajoso, além de um excelente espadachim. Passei dias imaginando que vivia a Síndrome do impostor. Outros, era a síndrome do Impopstar – o que se acha muito, um rei (e por falar em rei, não perca o texto sobre Roberto Carlos).

Havia um Cyrano preso aqui dentro? Pode ser.

Com o tempo e com a ajuda de muita gente, com terapia e quetais, fui redescobrindo esse ser “de nariz grande” escondido. Não faço a menor ideia se ele conquista alguém com o que aparece na tela do computador enquanto “cato milho” no teclado. Preocupo-me com isso? Não posso negar, até por ser um profissional de comunicação, de produção de conteúdo. Tenho de atingir um público, tenho de ter um propósito claro com o que faço.

Olha, é complicado esse negócio de propósito, sabe? Gosto muito de relembrar um bate-papo com o Fabio Betti , em que ele falou que às vezes basta ter um sentido. É isso mesmo, né Fábio (rs)?

Qual o sentido de escrever aqui e dessa forma? Alimentar meu ego (que está aqui ao meu lado, bem próximo de Gasparzinho, meu amiguinho imaginário de home office – leia aqui, depois deste texto, pls)? Levar algum momento um pouco mais bem-humorado (eu tento, juro!) sobre alguma coisa, alguma informação, dica, reflexão? É tudo isso e mais um pouco.

É a mistura da eterna busca de propósito, do sentido da vida, dos quais vamos nos aproximando deles enquanto... vivemos, experimentamos. Sou Cyrano, sou parte de meus autores prediletos, de quem passou em minha vida, de tudo o que ouvi, de tudo o que senti. Sou o Gumae que, um pouco mais exorcizado, procura sempre incorporar o que há de melhor e o que mais faz sentido para mim. Posso ser muitos, mas a voz é minha. Ao menos tento.

E você, aí no trabalho ou na vida: quem é você? O Cyrano que se esconde? O Cristiano que só repete palavras, autores da moda? É Milli e Vanilli? Você são muitos? Até seja vários, mas que o melhor de todos esses também seja você, sua voz!

Fui!

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Marcelo Dias de Oliveira

Comércio Exterior, Transportes e Logística Nacional e Internacional

2 a

Sempre brilhante, meu irmão artífice genial das palavras 👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼 E dá-lhe memória 👍🏼

Guma, excelente texto. Apenas um comentário: o bom e velho Guma que conheçi na pacata cidade de Barbacena, escreveu esse texto. Inteligência, precisão, humor. Esse é o Guma. Embora nossas experiências tenham influência em nossas vidas, nossa essência não muda. Basta pararmos um pouco como você fez. Taí o resultado. Keep walking, irmão.

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