O dia em que fui surpreendida pelo Cleber

A notificação do Whatsapp avisou que eles chegariam em pouco tempo. Fui para a frente da casa da minha mãe e esperei a Volskwagen Kombi chegar. O Cleber, um dos filhos da família, desceu com o mesmo sorriso de sempre no rosto. Trouxe os produtos para dentro do meu pátio, eu paguei e levei as compras para dentro de casa. Tirei tudo de dentro das sacolas para higienizar os produtos e vi um bilhete escrito à mão, em letra legível e redondinha que dizia:

Entregamos com carinho estes produtos para que possam passar com saúde por este momento tão difícil.

Fiquei encantada com a mensagem e com a delicadeza da família Allgayer, que mora em Lomba Grande, um bairro rural de Novo Hamburgo, município do Rio Grande do Sul. Logo que iniciou a quarentena, quando os produtores rurais não puderam mais participar das feiras do produtor, entrei em contato com a família, porque eu tinha o cartão de visita deles.

As feiras aconteciam em quase todos os dias da semana, em diferentes bairros e horários no município. Com o isolamento social, alguns produtores começaram a entregar os produtos nas residências dos clientes para não perderem a produção. Imaginem que as verduras e legumes não fazem quarentena, portanto entregar os produtos foi uma forma de fazer o ciclo da produção girar.

Tenho o hábito semanal de ir à feira do produtor, que é a feira dos agricultores rurais, lugar onde é possível comprar legumes, verduras e produtos coloniais orgânicos, tais como cucas, roscas, pães, schmier (doce similar à geleia caseira), waffer (o mesmo que waffles), cookies, tudo feito pelas famílias. Valorizo o trabalho dos produtores rurais, que tem suas mãos e rostos marcados pelo árduo trabalho com a agricultura, atividade que exercem de domingo a domingo, e que dependem da previsão do tempo para terem uma colheita boa ou ruim. Por exemplo, se chove muito ou pouco, a colheita pode sofrer alterações, sendo em maior ou menor quantidade.

Na Quinta-feira Santa, quando o Cleber me entregou os produtos, encontrei um ramo da planta campestre macela, símbolo pascal, com um bilhete que dizia: "A Páscoa se aproxima, e queremos desde já desejar uma Feliz Páscoa, com saúde e esperança".

O simbolismo da planta acompanhada do carinhoso bilhete me fez pensar quão importante foi o gesto da família, que trouxe alegria e carinho para dentro da minha casa. Me senti acolhida, importante e valorizada. 

Para esclarecer, a colheita da macela é feita antes do nascer do sol na Sexta-feira Santa, pois tem efeitos medicinais e pode ser usada como chá, inclusive para colorir os ovos de galinha, que são presenteados na Páscoa, tradição que algumas famílias ainda mantém. Além disso, a planta medicinal é reconhecida como um símbolo do Rio Grande do Sul. Portanto, há muito envolvimento de famílias e representa a união, a renovação e o acolhimento nessa data.

Em quatro semanas de quarentena, o bilhete se manteve escrito à mão, mas na semana passada ele veio digitado, talvez pela facilidade de reproduzir mais mensagens em menos tempo. Um dos motivos que me leva a crer nisso é que nestas entregas eu sempre pergunto para o Cleber como eles estão, e ele geralmente comenta que as entregas dão muito trabalho, pois eles precisam separar cada pedido em cestas, fazer o roteiro de todas as entregas e ir de residência em residência em uma única tarde. 

Eu imagino que esteja sendo mais trabalhoso para eles, pois na feira o cliente pede os produtos que deseja, ele embala e recebe o pagamento. Quando recebe o pedido por whatsapp, precisa separar os produtos de cada um, embalar, somar e levar na casa do cliente. 

Penso que em um município de 250 mil habitantes, traçar a rota das entregas não é tão simples. Certamente a família Allgayer sente falta da rotina das feiras do produtor, mas precisa manter a entrega nas residências para garantir o sustento da família e o consumo dos alimentos que precisam ser colhidos, para não perderem a produção.

Na última entrega, contudo, algo diferente aconteceu. Ele recebeu o pagamento e voltou na Kombi para pegar um lindo buquê de zínias, um tipo de flor que eles também vendem na feira. Me entregou e disse que era para eu dividir o buquê com a minha mãe, que também compra os produtos da família há muitos anos.

As flores me surpreenderam e intensificaram a conexão que tenho com o propósito do trabalho das famílias de agricultores de produtos orgânicos da feira do produtor. Os bilhetes já haviam reforçado quão humano é o trabalho da família, mas as flores me fizeram vibrar.

Os vínculos emocionais que se estabelecem quando o cliente se conecta com a empatia do prestador de serviços, torna o serviço mais genuíno e tocam a essência do cliente. Talvez a família Allgayer não esteja racionalmente usando os bilhetes escritos à mão como uma estratégia experiencial para relacionar-se comigo, mas está reforçando uma maior conexão emocional.

São essas experiências que trazem a personalização do serviço e que se apresentam como únicas para cada cliente.

Sinto como se aquilo tivesse sido feito especialmente para mim, cheio de propósito e de cuidado comigo e com a minha família, que é o maior bem que tenho. Surpreender as expectativas de um cliente é deixá-lo em débito com você. Mesmo quando a feira retornar à rotina semanal, depois da quarentena, a banca mais importante e frequentada por mim será a da Família Allgayer. A prova de que eu estou engajada para promover os produtos que eles amorosamente cultivam e vendem se revela nesse depoimento.