O direito de Menstruar como Política Pública
Por: Beatriz Amin
Políticas públicas são ações desenvolvidas pelo governo, em nível nacional, estadual ou municipal. De acordo com Schmidt (2008) o termo pode ser usado com diferentes significados, sendo consideradas, em síntese, um conjunto de ações adotadas pelo governo, a fim de produzir efeitos específicos, ou de modo mais claro, a soma de atividades do governo que afetam a vida da população. Políticas públicas em prol da inclusão e diminuição das desigualdades sociais atuam através da efetivação de direitos e garantias sociais equitativas, que partem de diferentes parâmetros para o seu desenvolvimento.
Seja com recorte de raça, gênero ou socioeconômico, a gestão e bom funcionamento das políticas públicas tem como objetivo principal o direito à cidadania, assegurado pela Constituição Federal. Com essas inferências, foi possível que diferentes demandas, como saúde e bem estar menstrual, começassem a ser repensadas como responsabilidade não apenas pessoal, mas sim, de direitos humanos e saúde pública, como assegurado desde 2014 pelas Nações Unidas (ONU). O tabu e a ausência de dados sobre o impacto da falta de itens de higiene menstrual corroboram para a dificuldade de compreensão da urgência de políticas públicas específicas. Um exemplo disso, referente ao Brasil, se reflete em contradição aos avanços internacionais, onde no mesmo ano (2014) houve o veto em parte da Medida Provisória 609, que incluía os absorventes como itens de cesta básica propensos à redução zero de alíquota do PIS/PASEP e Cofins, deixando o seu valor mais baixo para quem os consome.
O tema da saúde e segurança menstrual é tratado hoje, em nível nacional, através de diferentes demandas, o impacto na saúde (proliferação de infecções ginecológicas e impactos psicológicos), educação (evasão escolar) e de bem-estar financeiro. Por isso, existem muitos projetos e propostas que são desenvolvidas em inúmeras esferas políticas. O tema tem importância interseccional, aparecendo também em demandas populacionais. Um exemplo ocorreu no ano de 2019, através de uma Sugestão Legislativa* (SUG 43/2019) quando a cidadã pernambucana Emilly Silva, através do portal e-Cidadania propôs que absorventes fossem distribuídos para mulheres em situação de vulnerabilidade econômica, e sua proposta contou com o apoio online de 32.847 pessoas. A SUG 43/2019, contou com o voto favorável da senadora Zenaide Maia (Pros-RN) que transformou a sugestão em um projeto de lei.
No começo do mês de março, o presidente Lula assinou o decreto que prevê a distribuição gratuita dos itens básicos para pessoas que menstruam, o decreto institui o Programa de Proteção e Promoção de Saúde Menstrual e serve para regulamentar a lei nº 14.214/2021. O projeto tem como principais objetivos: combater a precariedade menstrual, identificada como a falta de acesso a produtos de higiene e a outros itens necessários no período da menstruação ou a falta de recursos que possibilitem a sua aquisição; garantir os cuidados básicos de saúde e desenvolver os meios para a inclusão das pessoas que menstruam, em ações e programas de proteção à saúde e à dignidade menstrual; e promover a dignidade menstrual.
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Diferentes projetos em prol da diminuição da taxa de absorventes descartáveis e distribuição gratuita dos itens, foram apresentados no contexto brasileiro nos últimos anos. O tema, por ser transversal, pode afetar diferentes âmbitos da vida de quem menstrua e evoluções estruturais foram desenvolvidas desde o primeiro projeto com a temática. Modificações como a troca do termo mulheres para "pessoas menstruantes" e a compreensão sobre a necessidade de projetos locais, considerando a demanda de cada região, foram importantes exemplos desse desenvolvimento em prol de uma política pública inclusiva. Compreender que a pobreza menstrual vai muito além da ausência dos itens de higiene é o principal para que políticas de combate sejam realmente eficazes e alcancem o seu objetivo final: garantir vida digna e confortável para todos os brasileiros.
Mesmo com avanços estruturais, ainda existem lacunas de dados sobre o público alvo e quais são os impactos diretos e indiretos da ausência de políticas de saúde menstrual. Por isso, direcionar verbas não apenas para a compra e distribuição dos itens de higiene, mas como também para a capacitação de agentes de saúde e geração de dados a partir de pesquisas analíticas e territoriais são possíveis caminhos para que os projetos possam ser replicados e adaptados diante diferentes necessidades. Para se ter políticas públicas de inclusão é necessário dar espaços de escuta aos que serão beneficiados.
* Sugestões Legislativas são a forma de participação da sociedade civil no processo legislativo por meio da apresentação de minuta de proposta legislativa, e podem ir para votação no Senado Federal.
Referências:
Annual Review of Political Science Volume 11, 2008 , Schmidt, pp 303-326
Dignidade menstrual é um tema urgente!