O elefante no cérebro
Um cientista alienígena que viesse à Terra observar os seres humanos rapidamente concluiria que estes são primatas e também animais políticos, cujos cérebros foram moldados evolutivamente por seleção natural não apenas para serem caçadores-recolectores, mas também para conseguirem navegar e progredir socialmente. E, muitas vezes, fazem-no usando o engano e, se necessário, o autoengano. Afinal, o sistema de comunicação humano, como qualquer sistema de comunicação animal, não está predefinido para dizer a verdade ou a mentira mas sim para dizer o que for do seu interesse. Aliás, é por isso que os seres humanos dizem a verdade a maior parte das vezes e a maior parte do tempo uns aos outros. Porque é do seu interesse.
Ainda que sejam conspiradores egoístas, beneficiam fingindo ou sinalizando o seu contrário. Por exemplo, dizendo que querem ser felizes e ver toda a gente feliz, mostrando-se altruístas e revelando boas intenções ou quão boas pessoas são (quais pavões a abrir as suas magníficas caudas para sinalizar a sua qualidade genética para acasalamento e reprodução).
No fundo, tudo isso não passa de formas de gestão da sua reputação e, pela mesma razão, de uma preocupação em sinalizar as suas virtudes nas redes sociais. Nesta rede há mesmo especialistas nisso. Mas já chega de falar como observador extraterrestre. Falemos disto agora diretamente como sendo o que nós, humanos, fazemos.
O que parece acontecer é que quanto menos soubermos sobre as nossas próprias razões e os nossos motivos feios, melhor. Não gostamos de falar ou mesmo sequer de pensar sobre a extensão do nosso egoísmo e as verdadeiras razões que nos movem. Fica mal e afeta a reputação e a virtuosidade tanto da autoimagem, como da imagem social que se quer tanto projetar. Este é o nosso "elefante no cérebro". Uma espécie de tabu tão introspectivo que se torna difícil até para nós acedermos a ele e pensarmos claramente sobre a nossa natureza e as (reais) explicações para os nossos comportamentos e motivações.
Tentar confrontar diretamente os nossos motivos ocultos e rastrear alguns dos cantos mais sombrios da nossa mente é um exercício algo ariscado, eu sei. Pode despertar emoções e incompreensões, porque torna estranho aquilo que é familiar e torna familiar aquilo que é estranho.
Não se trata de tentar ver o que ainda ninguém viu. Trata-se apenas de tentar ver de outro ângulo o que poucos ainda viram, sobre aquilo que toda a gente diariamente vê, mas que evita falar, ou porque não quer, ou porque acha desagradável ou, ainda, simplesmente porque desconhece. Afinal, "os peixes não sabem que vivem na água".
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Os humanos, uns mais do que outros, gostam de sinalizar que tudo o que fazem é por boas razões. Sim. Também as há.
Mas para além dessas, há as outras razões.
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