O fail fast e o paradigma do erro
O conceito de “fail fast, fail cheap”, típico da cultura do Vale do Silício e das startups mundo afora, significa uma prática de testar rapidamente novas ideias, mudanças, projetos etc., furando a fila de longos planejamentos, que normalmente só seriam testados ao final, depois de todas as variáveis analisadas, discutidas e acordadas.
Tudo isso é feito sem uma cultura de perseguição ao erro. Testando mais, erra-se mais, mas quanto mais rápido encontrar o erro, mais rápido é possível adaptar e seguir em frente.
Por exemplo, quando uma empresa está desenvolvendo uma nova ideia de um produto ou serviço, a proposta é tentar trazer o cliente já no começo, em pequenos ensaios ou grupos, e não deixar para incluí-lo só nas etapas finais do desenvolvimento.
Ou seja, essa metodologia ajuda negócios a não gastarem meses e meses pensando e planejando algo que, no final, pode atender o desejo da empresa, mas não do cliente.
Eu sei que a gente não aguenta mais falar de Covid-19 – apesar de saber o quanto o assunto ainda é sério. Mas vi uns materiais muito importantes que “casam” essa ideia de fail fast com o momento que estamos vivendo.
Uma coisa que chamou minha atenção vi no CEO Outlook Brasil 2020, um estudo muito completo sobre o que pensam os CEOs de várias empresas. O novo coronavírus entrou na pauta, com análises que mostram comparações de antes e depois da pandemia.
São muitas avaliações relevantes, como perspectivas sobre transformação digital, impulsionada pela Covid. Exemplos:
- 40% dos CEOs brasileiros dizem que o processo da digitalização das operações foi acelerado em meses;
- 67% dos CEOs viram uma aceleração representativa ou muito representativa na criação de uma experiência digital perfeita para o cliente;
- 87% dos brasileiros sentiram a aceleração na criação de uma nova força de trabalho, impulsionada pela automação e inteligência artificial.
Mas algo em especial no estudo me fez refletir. Em 2020, 58% das empresas celebram iniciativas fast-failing, enquanto, em 2019, eram 70%. Já 68% hoje incentivam os funcionários a inovar, contra 74% no ano passado.
O que entendo desses resultados é que, em função dos problemas gerados pela pandemia, das incertezas de curto prazo, as estratégias de reação das empresas acabaram por frear um pouco esses programas de inovação. Mas não creio mesmo que seja uma mudança de cultura, apenas um imediatismo frente aos problemas atuais.
Por outro lado, ainda que isso tenha acontecido no início da crise, a pandemia está pedindo às empresas para repensarem seus negócios. Logo, hoje as estratégias de inovação e transformação devem voltar como prioridades.
É aí que percebo que entra a metodologia fail fast. As transformações constantes provocadas pela crise que estamos vivendo dificultam planejamentos e processos “amarrados”. Flexibilizar, ou melhor, adaptar e transformar são medidas muito mais viáveis em cenários incertos.
Em muitos contextos, estamos falando de imprevisibilidade, o que pede muito mais por tentativas, e menos por execuções de longo prazo. Ou seja, quando implementamos ações imediatas e observamos erros nos caminho, é muito mais fácil recalcular a rota, sem grandes prejuízos.
O que é importante esclarecer é que, na verdade, agilidade não significa falta de controle, nem mesmo de planejamento. A obsessão não está no resultado perfeito e demorado, mas no resultado verdadeiramente prático para quem irá usufruir dele.
Ou seja, quebrar cabeça por dias, sabendo que amanhã tudo pode mudar, tornou-se um risco muito maior atualmente. Por isso, vejo os tempos atuais com um rompimento do paradigma do erro, pois, nesse raciocínio não damos abertura para falhas de processos completos, apenas pequenas partes – e bola pra frente.
Uma reflexão muito prática sobre essa metodologia se aplica no próprio desenvolvimento de uma vacina, por exemplo. Quanto antes pesquisadores encontram falhas em vacinas, mais cedo conseguem disponibilizar a imunização à população. Além disso, para transformar processos tradicionais desse tipo de produção, é preciso inovar, algo que os institutos de pesquisa, como a própria Universidade de Oxford, tem feito nesse cenário.
No fim das contas, falando de um conceito que veio de um lugar focado na experiência do usuário, o Vale do Silício, podemos refletir sobre como “fail fast, fail cheap” busca focar no que dá certo para quem usa o produto ou serviço, e não necessariamente para as amarras de quem executa o processo.
Mas só é possível para negócios colocarem isso em prática por meio de uma mudança cultural. O fail fast funciona somente em uma cultura mais horizontal, em que as pessoas têm mais poder para testar e apresentar ideias. Por outro lado, nas tradicionais, demonstrar a falha logo no início muitas vezes significa ser taxado de incompetente. Assim não funciona.
A cultura organizacional deve ser realmente participativa, aberta a testes e propostas, da mesma forma que logo apresenta os erros quando algo não funciona. E se isso acontecer, tudo bem, não é o fim do mundo, pois, quanto mais rápido percebermos falhas e as corrigirmos, melhor.
Em resumo, hoje estamos falando mais e mais de um foco nas necessidades do usuário final, algo que pode mudar a qualquer momento e, por isso, exige nossa capacidade de nos virarmos para fazer acontecer.