O fiasco de um festival de música e o que isso tem a ver com seu projeto
O Fyre Festival tomou o espaço das redes sociais recentemente com o lançamento de dois documentários que contam a história do fracassado festival de música. O que deveria ser um luxuoso festival de música nas Bahamas, com artistas de peso e uma experiência sem precedentes, se transformou em uma das mais impressionantes histórias de empreitadas malsucedidas dos últimos tempos.
Poderíamos resumir o fracasso do evento ao fato de que foi liderado por um mentiroso, bastante habilidoso em vender ideias porém sem nenhuma experiência em eventos, e que acabou por se envolver em algo que era maior do que sua habilidade para lidar com as questões práticas que envolver organizar um festival de música. E as consequências desse fiasco foram importantes – Público do festival trancado numa sala de aeroporto sem acesso a água ou comida; fornecedores trabalharam em ritmo frenético e não receberam por seu trabalho. Felizmente, coisas mais sérias que poderiam ter acontecido não ocorreram, deixando uma tragédia em potencial ser somente um grande fiasco.
No entanto, é válido esmiuçar os erros do festival para tirarmos lições que podemos aplicar nos nossos projetos.
Falta de Planejamento
Entre o kickoff do projeto do festival e a realização do evento, havia um intervalo de 6 meses. Esse intervalo seria curto para qualquer festival de música em um grande centro, e mais curto ainda para um festival com os desafios logísticos do Fyre – um festival de luxo nas Bahamas.
Além disso, a mentalidade “move fast, break things” (“ande rápido, quebre coisas”), popularizada pelas empresas do Vale do Silício, parece ter entrado em cena na organização do festival. Infelizmente, um approach de menos planejamento de passos futuros que funciona muito bem em soluções digitais de baixo risco, não é o mais adequado para um festival que teria milhares de pessoas.
O tempo investido em planejamento é essencial para dimensionar esforços e ajustar o escopo de acordo com a capacidade de produção time disponível.
Mais Falta de Planejmento
Se houve algo bem sucedido no festival, foi sua divulgação. A estratégia baseada no uso de influencers de peso no instagram aliada à proposta do festival fez com que ele fosse um instantâneo sucesso comercial – ingressos esgotados em 48 horas.
No entanto, os ingressos foram vendidos sem que a estrutura de custos fosse minimamente definida. Com ingressos esgotados, os organizadores contactaram fornecedores e descobriram que o custo estimado para o projeto seria bem maior. Ainda assim, o projeto seguiu, mesmo com a proposta de um festival de luxo sendo completamente inviável diante de um erro no dimensionamento do escopo.
Incompetência
Billy McFarland, responsável pelo festival, não tinha experiência com festivais e nem sua equipe. Esse é um problema que seria facilmente resolvido chamando pessoas com experiência na área – o que aconteceu depois de algum tempo. Tempo demais, no caso.
E além da falta de conhecimento da produção de um festival, a falta de liderança e de disposição assumir responsabilidades ficou evidente. Quando questões práticas relacionadas às dificuldades logísticas do festival eram levantadas, ao invés de assumir a responsabilidade, McFarland optava por chavões motivacionais do tipo “não traga problemas, traga soluções’.
Conteúdo motivacional faz sucesso no Linkedin e é importante que as pessoas trabalhem com autonomia e busquem soluções para os problemas que aparecem. Mas isso não significa que uma liderança deva se esquivar de problemas concretos que surgem no desenrolar de um projeto. Esse tipo de comportamento deve ser visto como um sinal de alerta.
Desespero
Vale repetir: O que faltou de capacidade de execução no Fyre Festival, sobrou na capacidade de promover o festival. O alto interesse do público e a capacidade de McFarland vender o evento para investidores criou uma tempestade perfeita. Era evidente que não havia condições de o festival acontecer e que a melhor decisão seria cancelá-lo. Porém os compromissos com investidores criaram uma pressão para que o evento fosse realizado a todo custo.
A decisão de seguir com o festival, ignorando todos os problemas, pode ser atribuída a um viés conhecido como sunk cost fallacy (falácia do custo afundado) – quando o custo empenhando em uma iniciativa faz com que não aceitemos que um projeto não dará certo. Para fugir de arcar com o prejuízo, alocamos ainda mais recursos em uma iniciativa que não terá sucesso, o que aumenta os prejuízos no futuro. O cancelamento do festival teria evitado todo o sufoco que o público passou nas Bahamas, teria evitado que bahamenses virassem noites trabalhando para não serem pagos depois e teria evitado que fornecedores arcassem com grandes prejuízos.
Ou como diz Andy King, um dos envolvidos na organização do festival, “pessoas desesperadas, fazem coisas desesperadas”.
O fiasco do Fyre Festival é um excelente caso para refletirmos como otimismo irrefletido e burburinho midiático combinados com falta de capacidade de execução formam uma combinação perigosa.