O hackathon está evoluindo ou está morrendo?
Equipe vitoriosa no Hackathon da FIESP, da qual eu tive o privilégio de fazer parte.

O hackathon está evoluindo ou está morrendo?

A primeira participação em um hackathon foi um choque para mim. Eu já havia participado de diversos eventos de startups e inovação antes mas aquilo foi uma experiência nova e completamente diferente.

Isso foi há 4 ou 5 anos atrás, oque no mundo da tecnologia é uma eternidade.

Para quem não sabe, um hackathon é uma competição entre times multidisciplinares que tem um tempo reduzido, na maior parte das vezes em torno de 30 horas, para criar e desenvolver do zero um protótipo funcional envolvendo tecnologia que resolva um problema proposto a todos.

Nessa época, dezenas, às vezes centenas de nerds se reuniam em condições desconfortáveis, muitas vezes insalubres e não raramente pouco estruturadas, disputando cada centímetro em espaços apertados para instalar seus notebooks e começar a codar pelo puro prazer de criar, compartilhar conhecimento e principalmente inovar.

Difícil mensurar quanto tempo seria necessário para aprender de forma tradicional, tudo o que eu aprendi participando de hackathons.

Nessa época, os eventos eram organizados pelas comunidades de tecnologia e o máximo que se esperava como recompensa pela participação era uma pizza de madrugada para manter a barriga cheia e os neurônios ativos até a hora de entregar o projeto na manhã seguinte.

O final de um hackathon era sempre um show de inovação.

Em cada pitch, ideias de todos os tipos. Simples, complexas, ideias geniais, ideias loucas e outras que poderiam se transformar em um negócio no dia seguinte. Mas criar empresas não era o objetivo. A motivação por trás do evento era ensinar, aprender e inovar.

Eu saia de um hackathon exausto física e mentalmente mas com a alma lavada. Inspirado, motivado, com uma vontade louca de assim que a cabeça e o corpo voltassem a funcionar, sentar na frente do computador novamente para botar em prática tudo o que eu havia aprendido ou pesquisar sobre aquele monte de coisas novas que eu havia descoberto durante o evento.

Bons tempos aqueles.

Domingo encerrei a participação em mais um hackathon, o hackathon da CCR organizado pela Shawee. Foi o segundo hackathon online que participei (sinal dos tempos) e o décimo segundo no total juntando os presenciais.

Minha sensação foi completamente diferente de quando eu comecei a participar. E lembrei que tem sido assim ultimamente. Não me senti motivado nem inspirado, apenas cansado.

Isso me fez refletir se seria um problema pessoal meu, um desgaste natural depois de ter participado de tantos hackathons ou se algo mudou nesse tipo de evento.

Esse texto é resultado dessa reflexão.

Nos últimos anos, conforme as grandes empresas tomaram conhecimento dos hackathons e do frenesi de conhecimento e inovação que acontecia durante esses eventos, decidiram se aproximar, participar e investir no movimento.

Hoje os hackathons não são mais organizados por comunidades de desenvolvedores mas por startups criadas e estruturadas apenas com o objetivo de organizar esse tipo de evento e se possível, lucrar com eles.

Grandes prêmios são distribuídos e não mais apenas pizza para os participantes. Dinheiro, computadores, viagens.

Antes da pandemia, os locais onde aconteceram os últimos hachathons que participei eram coworkings com arquitetura moderna, confortáveis, ventilados, localizados em bairros nobres de São Paulo. Já teve hackathon até na casa do BBB, acredite.

Uma situação bem diferente do que conheci há poucos anos atrás.

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Mas o que superficialmente parece positivo, pode estar sendo responsável pela morte daquele espírito desbravador que havia em um hackathon que me encantou e que suspeito foi o que encantou e gerou interesse nas empresas também.

Se as empresas injetaram dinheiro nos hackathons, com isso também tiraram a independência deles. Empresas raramente agem como mecenas, investindo em algo sem interesse em retorno. Muito pelo contrário.

Os critérios de avaliação dos projetos deixaram de ser inovação e disrupção mas adequação e aplicabilidade. Os patrocinadores tem pressa em transformar o dinheiro investido em algo que possa ser utilizado na prática. E quando esse é o modo de trabalho, deixa-se de pensar no revolucionário e começa-se a pensar no aceitável, no vendável. E nesse contexto, o risco, que costuma andar sempre de mãos dadas com a inovação, passa a ser mal visto.

Se tirarmos o componente de experimentação e disrupção do hackathon o que sobra é bem parecido com um departamento tradicional de desenvolvimento de qualquer empresa ou uma startup qualquer criando mais um e-commerce igual a milhares ou fazendo um copycat de alguma solução já existente.

É compreensível que as empresas tenham adotado esse modus operandi. Mas como hacker, eu gosto de combinar áreas diferentes de conhecimento e ver o que acontece com a mistura.

É preciso que as empresas saibam o que esperar de um hackathon. Se é inovação que as empresas esperam, é preciso mudar a forma como elas enxergam esse tipo de evento.

O hackathon deveria ser para a tecnologia o que a alta costura é para a moda.

Quem é do mundo da moda, sabe que ninguém vai a um desfile de alta costura, esperando que as pessoas comprem e saiam vestindo aquelas roupas extravagantes e muitas vezes desconfortáveis.

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O papel da alta costura é mostrar peças únicas, inovadoras, criativas, muitas vezes até inviáveis de ser produzidas em escala mas que apontarão caminhos, criarão desejo e servirão de inspiração para as coleções chamadas prêt-à-porter, mais adequadas ao consumo e que ocuparão as vitrines das lojas na estação seguinte.

O grande apelo e o resultado que deve ser esperado de um hackathon é ver e fazer alta tecnologia, alta inovação. E não fazer mais do mesmo.

Sair inspirado por aquelas ideias mirabolantes e tentar aplicar pelo menos uma fração daquilo no seu dia a dia. Assim como ninguém que gosta de moda sai inspirado de uma loja da Hering, ninguém que gosta de tecnologia sai inspirado de um hackathon sem inovação.

Parece contraditório mas buscar resultados muitas vezes é o oposto de inovar.

O Youtube sobreviveu durante anos sem que os investidores soubessem como monetizar a plataforma. O primeiro Macintosh foi desenvolvido em um clube de hackers sem a intenção de virar uma empresa. Muitos filmes de Walt Disney deram prejuízo mas durante sua produção foram inventadas tecnologias que impactam a produção cinematográfica até hoje. Steve Jobs foi demitido da Apple por causa de seu jeito inovador de enxergar a empresa.

É preciso que as empresas parem de encarar o hackathon como um evento de produção e vejam como um local de pesquisa. Deixem de esperar resultados e passem a receber inspiração, Esse tipo de evento não é pra gerar negócios e sim produzir conhecimento.

É a partir do conhecimento que os negócios são gerados.

O hackathon ao contrário de uma corrida tradicional, não deve ter um trajeto definido e um ponto de chegada como objetivo mas sim a liberdade de seguir qualquer direção e chegar nos lugares mais inesperados.

Claro que se for perguntar para cada um dos milhares de participantes do Hackathon da CCR o que um hackathon significa, muito provavelmente serão dadas muitas respostas diferentes e essa é apenas a minha.

Queria muito resgatar aquela sensação deliciosa que eu tinha ao terminar um hackathon. Aquele gostinho de estar vislumbrando um pedacinho do futuro ao final de cada pitch.

Mas se isso não for possível e o destino natural do hackathon seja seguir esse caminho, buscar ideias mais "pé no chão" e aplicáveis, deixo aqui pelo menos minha sugestão para que o evento adote um nome mais adequado e respeitoso com a tradição hacker.

Minha sugestão é passar a chamar Startathon.


Exatamente isso que ocorreu comigo no último hackaton que participei. Participei de poucos (4 no total), mas esse último me mostrou exatamente essa análise que você descreveu. Estava pensando em participar de algum até o final do ano para ver se mudou alguma coisa. Espero que esse texto impacte os organizadores para mudarem esse cenário. Adorei o texto, parabéns.

Ulysses R.

Senior Software Engineer @Meta (Facebook)

4 a

Rogerio, muito obrigado por publicar esse texto, eu achei muito bom e me deixou pensando bastante desde que eu li.  Eu concordo que os Hackathons vem dessa cultura de "maratonas hacker" com uma raiz muito "orientada a tecnologia", mas hoje a tendencia tem sido a de serem eventos "orientados a ideação de produtos". Eu não acho que isso seja bom ou ruim e também tenho forte resistencia a chamar isso de hackathon raiz/nutella. Eu acho importante antes ressaltar que o formato de competição muda MUITO as coisas. Eu já participei tanto de "hackathons internos" de empresas que não tinham formato de competições e eles tem uma pegada "maker" forte, focado em provas de conceito, experimentação com tecnologias, ideias diferentes e muito essa linha de "alta costura" que você apontou.  Mas também já participei como competidor, organizador, mentor, etc de muitos no que eu vou chamar de "Hackathons Competitivos" que tem colocações, banca avaliadora, premiações, trofeu e sem dúvida o ambiente competitivo muda as coisas. [Continua]

Guilherme Ribeiro

Mercado Imobiliário 🏡 | IA 🧠 | Inovação 💡| Tecnologia 👨🏻💻 | Palestrante📢 | Autor 📚

4 a

Excelente texto! O espírito inovador começou a morrer quando os organizadores começaram a se preocupar mais com a quantidade de pessoas (“o maior do Brasil...”) e os patrocinadores em fazer marketing e recrutar programadores. Como colega participante, mentor, jurado, vi a infeliz decadência, o distanciamento, e até mesmo a morte precoce deste importante evento maker. Espero sinceramente voltar a ver bons e gostosos hackathons. #TamoJunto #Hackathon #Maker

Ricardo B.

Diretor Técnico | Engenheiro de Software

4 a

Excelente análise. Estou indo para meu quinto ou sexto hackathon e a percepção é essa mesma. Ao mesmo tempo acho uma grande ferramenta para exercitar disciplina (o tempo é escasso, tendo que gerenciar bem), liderança/comunicação (cada um precisa expressar suas ideias, defender e aceitar as ideias dos outros) e experimentação (num hackathon você não irá falir nenhuma empresa ou deixar pessoas desempregadas, então dá para sair da caixa)

Márcia Golfieri

CEO, Gerente, PM, PO, BI, CX, DevRel, Advogada & Podcaster. IDTech, Fintech, Data, AI & CyberSec. Design Thinking, Lean & Agile. Management, Strategy & Franchising. Hackathons & Special Events. TEDx, IBM, Valid & Turing.

4 a

Manterei os meus vivinhos!

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