O início e o fim da política para mim
Diante da falta de água, esgoto e dignidade, para os políticos é aceitável iluminar só um lado da rua como estratégia para ganhar eleição

O início e o fim da política para mim

Quero contar como minha carreira na política começou e terminou em uma semana. Eu era adolescente e a irmã mais velha de uma amiga, que trabalhava em uma grande universidade, perguntou se queríamos fazer parte de um trabalho de pesquisa em São Luís, no Maranhão.

Era ano de eleição, o candidato apoiado pela oligarquia Sarney era Jaime Santana, que concorria com Gardênia. Visitamos cada palafita, rastreamos cada bairro, andamos muitas vezes pelas mesmas ruas. Nunca vi pobreza maior, nem tanta gentileza ao visitar dezenas de palafitas. Era uma gente humilde, vivendo em meio ao próprio esgoto, em condições inacreditáveis de miséria e abandono. Crianças brincando no lixo, com o lixo, nem sendo muito diferentes de lixo, na verdade.

Nossa conexão foi com as ruas. Afinal era uma pesquisa de opinião pública. Ao final, como esperado, nos reunimos com o candidato. E que era apoiado pela composição liderada pelo filho do presidente da ocasião, José Sarney.

O clima da sala onde nos reunimos já trazia o contraste. Do lado de fora, sensação térmica do Senegal, dentro de nosso oásis, temperatura de avião. E a gente, que é humano, sente um prazer gostosinho de se ver naquele conforto. O conforto é sedutor. A gente se alegra de sair daquele ambiente fétido de esgoto a céu aberto, que leva o Maranhão a ser o Estado que pior provê condições de saneamento básico à sua população.

Falta o básico do básico. Posso dizer porque lá voltei para escrever um livro sobre programas sociais, várias décadas depois. E vi palafitas fétidas, dessa vez controladas por criminosos, e crianças na lama, brincando em montanhas de embalagens de margarina, refrigerante e salgadinho, e de suas próprias fezes, naturalmente.

Entrar naquela sala acondicionada e aconchegante do hotel central de São Luís, portanto, foi como encontrar nossas raízes. Um alívio mesmo.

Chegaram então nosso cliente, o candidato a prefeito, e o patrono do poder local, o filho do presidente, que mais tarde seria ministro do Meio Ambiente.

Perguntaram nossa opinião e sensação, pelas conversas com os ludovicenses que entrevistamos, o que ia dar na pesquisa.

– Vai dar Gardênia, dissemos. E relatamos o descontentamento da população com o governo municipal da ocasião.

Candidato e preposto interpelaram: “O que a população mais pede?”

Dissemos: o básico, água, esgoto, luz, dignidade. Então veio a pérola. Confesso que não lembro qual dos dois teve a ideia genial, porque me recordo de ambos se entreolharem como se tivessem descoberto a penicilina.

– E se a gente asfaltasse e iluminasse um lado da rua antes da eleição? O outro lado certamente ia votar na situação. É só fazer a conta de quantas ruas precisamos.

Alguns segundos de silêncio. Jovem e idealista que eu era, não me contive.

– Me desculpem, mas os senhores acham o que o povo é bobo? Que vai ver vocês asfaltarem e iluminarem só metade da rua, o que é um absurdo, e achar isso certo?

Cricricri

Não só fizeram isso, como o resultado da pesquisa deu o inverso do que constatamos nas ruas. Virou manchete em todos os jornais de São Luís. O nobre candidato venceu as eleições. Todos ficaram felizes. E o resto virou história.

Pra mim, foi a gota d´água. Não tenho estômago.

Gilberto de Almeida

Jornalista - Diretor de Conteúdo da Tamer Comunicação

4 a

É a arte da eterna manipulação dos mais carentes.

Josue Leonel

Journalist at Bloomberg LP

4 a

Saudades dos bons tempos da faculdade!

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