O insustentável peso da solidão
“Na solidão de indivíduo desaprendi a linguagem com que homens se comunicam”, este é um trecho de um dos meus poemas favoritos de Drummond.
Mundo grande. Na solidão do indivíduo desaprendi a ser gente. Desaprendi a sentir. Ser gente é um mundo tão vasto que, quando mergulhamos na nossa individualidade e buscamos acessar nossa inteireza, corremos o risco de perder a conexão com o cosmos lá fora.
São tantos universos, tantas singularidades, que esse mergulho em quem somos traz à tona os fragmentos, as tantas vezes em que abrimos mão da nossa essência e nos anulamos na busca por socializar, ser aceita ou pelo menos tolerada.
Recolher esses fragmentos é um processo intenso e por vezes árduo.
Sentir-se só em meio a uma multidão de pares. Às vezes nos perdemos nas nossas dores e medos. Abraçamos tão profundamente aquilo que nos feriu que fica difícil voltar para superfície. É como se esquecêssemos a trilha de volta pro céu.
Mas hoje, pelo menos hoje, me permito caminhar rumo ao sol. Com os pés na areia e o coração nas alturas, decidi seguir os rastros da luz. Ao meu redor, paisagens mudavam rapidamente, brincando com a paleta de cores da vida.
Transformações. Elas são inevitáveis. Por mais que as projeções ainda me persigam e venham me visitar em forma de pesadelos e fantasmas, tudo mudou.
Ainda assim, é como se o mundo inteiro estivesse testemunhando pelo buraco da porta a minha solidão. Como se houvesse uma enorme plateia sentindo pena de mim. “Triste, louca ou má?”, discutem entre si, performando lucidez e acolhida.
É difícil admitir, mas se olhássemos para os lados e não de cima para baixo, perceberíamos: ao final, cada um está apenas buscando não se afogar. Em si mesmo, nas suas questões e pontos de interrogação.
E eu, também estando nessa jornada incessante, sigo jogando meu corpo para direção com menos gente. Esperando ansiosamente que o recinto fique todo para mim. Que as pessoas partam e reste apenas eu, meus pensamentos, a escrita e um maço de cigarros.
Porque enquanto existem pessoas ao meu lado, fico a me perguntar: o que elas estão vendo? O que as pessoas veem quando olham para mim?
Elas me enxergam ou estou invisível? Talvez eu seja translúcida demais, com minhas utopias banais e sempre tropeçando em sonhos e imaginações. Às avessas com a vida concreta, que corre no asfalto e enrijece o sentir.
Talvez eu tenha mesmo desaprendido a falar a linguagem dos homens. Que se amontoam em convicções e constroem coletividades em torno do que é palpável.
Já eu? Pelo contrário. Frequentemente me afeiçoo às coisas intangíveis.
Imersa no silêncio, fico tagarelando com o vazio. Gosto de espaços, de hiatos, de reticências e exclamações. Gosto da solidão, porque ela é uma companheira fiel. Jamais me abandonou.
Mesmo em meio a burburinhos, existe sempre e sempre uma parte de mim que quer quietude. Que é quietude. Um silêncio colossal que impera diante do caos.
Milan Kundera tem razão. Ser é de uma leveza insustentável. Tão insustentável que às vezes pesa.
CEO da AGC | Professora FDC, Aberje | Palestrante | LinkedIn Top Voice | Mentora | Cultura, Liderança, Equidade, Diversidade, Gente e Gestão, ESG | Thought Leader | Prêmio Feedz 🏆🏆 (2020/2022) | @arlanegoncalvesoficial
3 aFlay, que prazer ler seu belo texto por aqui. ❤