O jeitinho que não dá jeito!

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No campo das competências, o improviso é uma qualidade importante, pois permite que nos desvencilhemos de certos problemas com maior desenvoltura. Contudo, quando a improvisação invade a gestão pública, geralmente seus efeitos são desastrosos. Qualquer ideia de Nação precisa incorporar uma perspectiva de projeto, de futuro, de avanço. Isso implica imaginar que a vida seja melhor, com maior justiça social, acesso amplo e democrático aos serviços básicos, renda mínima e segurança para uma existência digna. Nesse sentido, nosso País tem falhado em travar o tão esperado encontro entre nossas potencialidades e nossas aspirações. A tarefa de galgar o andar superior dos países desenvolvidos é bastante árdua, e muito mais difícil se apresenta quando não existe planejamento. Décadas perdidas são tristemente colecionadas sem que os brasileiros, como um todo, escalem o amanhã com maior velocidade. De improviso em improviso, permanecemos parados. A cada ano, os milhões de jovens que chegam ao mercado de trabalho, encontram não apenas um vazio de oportunidades, como não conseguem se habilitar por falta de competências elementares. Nosso País falha gravemente em uma de suas tarefas mais nobres que é permitir uma formação de qualidade para a sua juventude. Esse “gap” de competências se torna mais dramático frente a um mercado que requer níveis crescentes de qualificação em habilidades cognitivas, intrapessoais e interpessoais, que possam dialogar com o ambiente hipercompetitivo que vivenciamos.

Não temos, entretanto, um projeto consistente e integrado de desenvolvimento, uma ideia mobilizadora que capture nossas fortalezas de forma inteligente, capitalizando a economia verde, a inovação, a formação em massa de técnicos para a era digital, buscando alternativas para nossa excessiva dependência de produtos primários de exportação. Continuamos presos a uma mentalidade atrasada, amarrados a um Estado paquidérmico, que consome grande parte da receita nacional para o seu próprio sustento, que presta maus serviços diante de mais de 1/3 que arrecada da renda de cada contribuinte. A promessa de mais Brasil e menos Brasília se perdeu entre tantas expectativas não cumpridas.

Assim, não deixa de ser oportuno lembrar o escritor Mia Couto, para quem “a maior desgraça de um país pobre é que, em vez de produzir riqueza, vai produzindo ricos”. Sem enfrentar a questão da desigualdade, erra-se duplamente: não se desenvolve uma classe consumidora e perde-se um valioso capital intelectual, com o desperdício da ainda existente “janela demográfica”. Enquanto isso, patinamos nas reformas necessárias, com a manutenção de privilégios, sem mexer nas castas privilegiadas do funcionalismo público, sem enfrentar a questão tributária, com privatizações minguadas e agendas erradas. Nosso País precisa tratar a questão ambiental de forma integrada ao mundo, promover mais intercâmbio comercial e atrair novos investimentos. Também necessitamos recuperar a autoestima moral. Havíamos dado um passo importante no combate à corrupção, porém o fim melancólico da operação Lava-Jato, o afrouxamento na Lei da improbidade, o fim da prisão após condenação em segunda instância, o esfacelamento das 10 medidas anticrime propostas pelo Ex-Ministro Sérgio Moro, tudo isso sob o olhar contemplativo, senão cúmplice de quem se elegeu sob a bandeira do combate à corrupção, nos fizeram retroceder.

Diante disso, é preciso trabalhar uma nova mentalidade. Mais do que discutir esquerda ou direita, nessa polarização absurda que drena a energia do País, devemos formar um mínimo consenso que resgate a construção de um modelo de desenvolvimento factível, datado para acontecer, com pontos de controle e transparência, com o envolvimento e a participação de amplos setores da sociedade. O Brasil é maior que seus protagonistas do momento, cujo improviso nas ações contrasta com os imensos desafios que despontam no horizonte, tão avassaladores que requerem muito mais do que o “jeitinho brasileiro” e o improviso possam assumir.

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