O legado de Pastor Maldonado

O legado de Pastor Maldonado

Toda a gente já sabe que Pastor Maldonado não estará na Formula 1 em 2016. Mesmo que não soubesse da noticia ou não tivesse visto nos dias anteriores à apresentação do novo Renault, teria estranhado a sua ausência no "lineup" de pilotos, pois ali só estava Kevin Magnussen e Joylon Palmer, os pilotos que irão guiar o carro nesta temporada. E claro, todos sabem da razão pelo qual o piloto venezuelano não estará presente: a falta de dinheiro providenciado pelo governo central, através da estatal petrolífera PDVSA, que como o governo, não tem mais dinheiro. E eles tinham bombeado desde 2010 uma média de 40 milhões de euros por ano.

Agora, com a economia em colapso - menos 18 por cento do PIB desde 2014 - e uma inflação a alcançar os 700 por cento em 2016, a Venezuela já está em caos económico, muito por culpa da incapacidade do governo liderado por Nicolas Maduro. E para piorar as coisas, o preço do petróleo - que muito contribuía para disfarçar as incapacidades do governo bolivarista - está no fundo do poço, com preços a rondar os 30 dólares por barril, menos 70 por cento do preço que tinha em julho de 2014, quando alcançou os 140 dólares.

Assim sendo, a noticia da saída do piloto de Maracaibo não é novidade alguma. E para a família, isso até é um mal menor: de acordo com o site espanhol extraconfidencial.com, um dos seus tios, Rafael, encontra-se desaparecido desde o passado dia 22 de dezembro, e suspeita-se de um rapto, muito frequente por aquelas bandas. A família, dona de vários concessionários na segunda maior cidade do país, pode ter pago um elevado resgate, apesar de ele ainda não ter aparecido.

Contudo, se muitos hoje celebram a partida de "Crashtor" Maldonado da Formula 1 - a sua reputação de ser um piloto destruidor de chassis é maior do que o seu talento para guiar - outros lamentam a sua partida, especialmente alguns dos "insiders", que o conheceram pessoalmente através das entrevistas que o fizeram ao longo da sua carreira de seis temporadas. O Luis Fernando Ramos, vulgo o Ico, fala no seu blog que como ser humano, Maldonado era de uma espécie rara.

"Sendo a genialidade uma exceção, a única falta que Maldonado fará na Fórmula 1 é a do lado humano. São poucos os pilotos do paddock que possuem a cordialidade do venezuelano. Ele sempre foi direto nas respostas e nunca se privou de demonstrar suas emoções – seus depoimentos após a morte do amigo próximo Jules Bianchi foram os mais sensatos em meio a um momento delicado da categoria", comentou.

Outro que fala do legado de Maldonado é o Humberto Corradi, que no dia em que ele foi dispensado, escreveu no seu sitio sobre a inesperada contribuição do piloto venezuelano na sobrevivência das equipas onde passou.

"Enxergo a passagem de Pastor pela Fórmula 1 histórica e marcante. Não apenas pela sua vitória, ou ainda por escrever seu nome entre os raros nove pilotos que conseguiram subir no lugar mais alto do pódio desde a temporada de 2011. (ano de estréia de Maldonado)

O que me impressiona é fato que o venezuelano salvou duas escuderias de irem à falência.

A primeira foi a Williams. Quando a Philips deixou de patrocinar o time de Grove em 2010, a situação ficou mais do que no vermelho. A chegada de Maldonado trazendo consigo a PDVSA mudou tudo.

Frank Williams aprendeu com os erros passados (BMW, Helwett Packard) e preparou seu time para se tornar menos dependente de uma parceria única. Abriu seu capital, passou a vender tecnologia em diversos setores e se diversificou industrialmente. O período em que a PDVSA derramou a prata foi essencial para que Frank respirasse e alinhasse sua escuderia para o futuro. (...)

A segunda equipe que deve as calças a Pastor é a Lotus. Maldonado chegou a colocar algo em torno de 80 milhões de euros nas mãos da Genii Capital durante as duas últimas temporadas. Mesmo período em que Gerard Lopez (cabeça da Genii) passou a diminuir seus investimentos na Fórmula 1.

Bernie Ecclestone ficou surpreso ao ver a Lotus viva por tanto tempo. (...)

É certo que esta gente demonstrou que Maldonado e os petro-dólares acabaram por salvar uma boa parte da Formula 1, mesmo que a Venezuela e os venezuelanos tenham passado fome e sofrido outro tipo de privações, graças a sujeitos como Hugo Chavez e o seu sucessor. E feitos os calculos, nestes cinco anos, a PDVSA colocou imenso dinheiro. Com uma média de 40 milhões de euros por temporada, no final destas seis temporadas, poderemos calcular que foram 240 milhões que sairam de Caracas para cair nos bolsos de Grove e Enstone, à custa de muitos chassis quebrados e apenas 76 pontos, uma vitória e uma pole-position, num Grande Prémio onde muitos viram no que ele poderia ser, se tivesse sido mais maduro em termos mentais.

Outro exemplo é o de Romain Grosjean, seu companheiro de equipa na Lotus-Renault. Também era conhecido pela sua velocidade e pela sua imaturidade, mas após acidentes complicados, especialmente na partida do GP da Bélgica de 2012, o piloto francês acabou por crescer em termos mentais, conseguindo dissipar a aura de piloto destruidor de chassis, embora ainda não tenha alcançado vitórias, nunca perdeu velocidade. Sempre foi superior ao seu companheiro de equipa quer em 2014, quer em 2015.

De uma certa forma, Maldonado não quis, ou não teve tempo para se amadurecer. Pode-se dizer que ele aproveitou esta almofada para gozar o momento na categoria máxima do automobilismo, mas esperava-se mais de um piloto que venceu a GP2 em 2009 por mérito. Aquele momento em Barcelona fez sonhar muita gente, esperando que fosse o primeiro de muitos. Mas os seus acidentes, provocados ou não, fizeram passar outra imagem, e daquilo que conheço da história, vai ser algo que ficará colado para o resto dos seus dias.

Um bom exemplo disso foi o que aconteceu com o italiano Andrea de Cesaris. Piloto com uma carreira bem longa, entre 1980 e 1994, em equipas como Alfa Romeo, McLaren, Ligier, Minardi, Brabham, Rial, Dallara, Jordan, Tyrrell e Sauber, ficou marcado pela péssima temporada de 1981 pela McLaren, onde a quantidade de chassis destruidos era tanta que a imprensa especializada o chamou de "De Crasheris", algo que nunca conseguiu se livrar, mesmo tendo andado por mais treze temporadas e conseguido uma pole-position, uma volta mais rápida e cinco pódios.

Após o final da sua carreira, e até à sua morte, em outubro de 2014, apenas deu duas entrevistas, ambas em 2012, pela Motorsport britânica e no site brasileiro Tazio. E em ambas, sempre demonstrou amargura pelo facto de a sua reputação como piloto destruidor se ter colado na sua pele como se fosse a lepra.

Por muito que viva, e por muito boa seja a reputação dele como ser humano, os fãs vão fazer com que ele não se esqueça dos seus acidentes.

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