O Livre acesso à rede de dutos e a proteção ao investimento no transporte de gás natural: a introdução de mecanismos indutores da concorrência e o des
*Alexandre Gustavo Teixeira Moraes
Implantar a concorrência em setores de infraestrutura, organizados em forma de redes técnicas de transporte/distribuição, como é o caso da indústria de gás natural, não é uma tarefa trivial para os órgãos reguladores. Um dos obstáculos para alcançar esse objetivo reside na dificuldade que os agentes entrantes têm em compartilhar o acesso à rede. Essa dificuldade coloca o órgão regulador no seguinte dilema: como permitir o acesso aos gasodutos e ao mesmo tempo viabilizar os investimentos já realizados e os necessários para expandir a rede?
Para responder essa pergunta convém fazer uma breve descrição estrutural da indústria de gás natural. A configuração que predominou nessa indústria do pós-guerra até o início dos anos 80, com pequenas variações de país para país, caracterizou-se pela presença de monopólios naturais[1] em segmentos essenciais da cadeia produtiva, concentração de mercado via integração vertical e horizontal, formas de comercialização baseadas em contratos bilaterais de longo prazo, e forte presença do Estado, através de empresas estatais.
Desde a década de 80, a eficiência desse formato organizacional passou a ser questionada, principalmente, devido à necessidade de expandir os mercados e permitir a concorrência. Alcançar este último objetivo revelou-se, contudo, uma tarefa complexa, porque essa indústria é composta, tanto de segmentos que são potencialmente competitivos, como a exploração e produção, como de segmentos que são monopólios naturais, a exemplo do transporte e distribuição.
No caso do transporte, a situação de monopólio natural fica evidenciada em função das seguintes características evidentes nesse segmento:
- Os Custos fixos são elevados e irrecuperáveis, em função do investimento em equipamentos fixos e indivisíveis, tais como os gasodutos, que são específicos para o transporte de gás natural, não sendo reempregáveis em outras atividade. Os prazos de maturação desses investimentos são longos (Pay backs elevados), entre 20 e 25 anos;
- Nesse segmento existe um alto grau de interconexão entre as redes de dutos, de modo a alcançar mercados consumidores mais distantes;
- Forte poder de mercado para a empresa proprietária da rede de gasodutos.
Para lidar com essa tarefa complexa, alguns países têm adotado duas medidas: o livre acesso às redes de gasodutos; e a separação contábil e societária (unbundling) do segmento de transporte dos demais segmentos da cadeia produtiva, ou seja, a desverticalização. Com elas, as companhias de gás, que são proprietárias de redes de gasodutos, passam a oferecer serviços de transporte a outros agentes dessa indústria, através da alocação da capacidade ociosa existente nessas redes, permitindo o acesso em bases não discriminatórias.
No Brasil a implantação do livre acesso, a despeito dos avanços importantes nesse instrumento regulatório desde a criação da Lei do Petróleo, ainda não ocorreu de forma efetiva, devido à forte verticalização existente nessa indústria. A Petrobrás controla toda a infraestrutura de transporte, através de suas subsidiárias e controladas e tem participações acionárias em 20 das 27 distribuídoras estaduais. Vale destacar que essa verticalização foi necessária na fase inicial do desenvolvimento dessa indústria, aqui no Brasil, assim como em alguns países.
A estatal, apesar do seu importante papel, não tem capacidade de viabilizar os investimentos necessários e promover o crescimento da indústria. Esse modelo se exauriu e o mercado perdeu o dinamismo, no sentido de atrair novos agentes. Além disso, cabe também destacar que o Brasil é um país de dimensões continentais, com uma vasta área não contemplada pela atual malha de gasodutos, de forma que uma estrutura monopólica não é suficiente para promover a expansão necessária para essa indústria.
Essa desverticalização, determinada nos instrumentos regulatórios e no projeto do Novo Mercado de Gás Natural, é fundamental para que transportadores tenham autonomia e independência na operação das redes de gasodutos. A partir do momento em que esses agentes deixem de ter qualquer vinculação societária com agentes de outros elos da cadeia, o objetivo passa a ser a maximização da utilização da rede de transporte. Com essa nova configuração o acesso à infraestrutura ocorrerá em bases não discriminatórias e, com isso, será possível viabilizar a competição nos demais segmentos potencialmente competitivos.
Além dos instrumentos citados acima a proposta de criação do Novo Mercado de Gás substituiu a ideia da criação do Ongás, proposta inicialmente no PL 6.473/2013 pelo conceito de gestor de mercado que terá uma atuação semelhante.. O gestor de mercado consiste em um agente regulado e fiscalizado pela ANP, constituído pelos transportadores que operem em uma determinada área de mercado de capacidade
O papel do gestor de mercado é coordenar a operação do sistema de transporte visando a máxima eficiência dos mesmo. Com a introdução do gestor de mercado o mercado será dividido em áreas, cada uma com seu respectivo gestor, de forma que seja possível a fusão entre elas, visando a redução das mesmas. Essa estruturação vai permitir, em um primeiro momento, a criação de Hubs Físicos que são pontos físicos de negociação onde ocorrem as entregas de gás e, na medida que o mercado se desenvolva, o estágio seguinte vai ser o surgimento de pontos virtuais (Hubs Virtuais), onde a negociação ocorre, sem necessariamente existir o ponto físico em comum entre os dois agentes. Esses Hubs Virtuais serão importantes para o aumento da liquidez na negociação dos contratos de capacidade de transporte.
Para o funcionamento desse mercado, nessa nova configuração, serão criados os Códigos Comuns de rede (“Network Codes”). Esses códigos consistem em um conjunto de regras, aplicáveis a todos os transportadores e demais agentes da indústria de GN, com a finalidade de promover o acesso não discriminatório nos sistemas de transporte de Gás Natural
Os instrumentos regulatórios acima fazem parte do conjunto de propostas para a criação de uma nova indústria de gás natural em bases competitivas, seguindo os moldes da experiência internacional, com as devidas adaptações às peculiaridades da realidade nacional. No entanto, essa mudança exige mecanismos de transição, necessários para a segurança jurídica dos contratos existentes, principalmente os contratos de transporte de longo prazo.
A introdução desses mecanismos no processo de transição para um mercado em bases concorrenciais é fundamental para a viabilidade dos investimentos realizados. A inexistência desses dispositivos dificulta a atração de agentes dispostos a investir,principalmente em um segmento que exige uma grande soma de capital com um prazo (pay back) elevado de retorno.
As reformas propostas para a criação do Novo Mercado de Gás atuam no sentido de reduzir as condições de monopólio natural existentes no transporte de gás natural. O objetivo é permitir que outros agentes possam compartilhar a infra-estrutura de transporte de modo a tornar esse segmento mais eficiente e com isso eliminar as barreiras à entrada de novos agentes.
[1] Monopólio natural consiste em uma situação em que os custos fixos de investimentos são tão grandes que exigem elevadas economias de escala, viáveis apenas em grandes mercados consumidores. Nessa condição a entrada de novos agentes implicaria em elevação dos custos para a sociedade. Exemplos de monopólios naturais: saneamento básico; transporte de gás natural Petróleo e Gás Natura; Energia Elétrica, telecomunicações
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