O lugar da mulher

O lugar da mulher

Volvidos quase três meses desde que o novo ano chegou, ainda não percebemos que as resoluções que definimos para 2021, naquela noite gélida de janeiro, não se concretizam sozinhas. Na viragem deste ano pedimos mudança como, aliás, acontece todos os anos.

Desta vez acresceu o pedido de regresso ao passado, no que à saúde diz respeito.

Pedimos que "tudo volte a ser como antes", mesmo sabendo que não será. No fundo, estamos sedentos de liberdade. Precisamos retomar rotinas familiares, de trabalho e de vivência em sociedade.

Estamos em março, a paisagem já se vai pontuando, aqui e ali, pelo colorido das flores e, nesta altura, já identificamos as cerejeiras, as ameixieiras e os pessegueiros. - A natureza não precisa de nós para acontecer e mesmo assim nós acreditamos que somos donos dela.

E por falar em flores, em março é também celebrado o Dia Internacional da Mulher.

Este dia é fortemente assinalado nas redes sociais com partilhas de fotografias entre amigas, de mães para filhas, de filhas para mães e de homens para mulheres. Assinalar este dia é importante porque "há muita pedra a partir" no que concerne à igualdade de gênero que ainda é preciso atingir. Por isso, permitam-me que discorde desta forma de homenagem, concentrada a 8 de março, ano após ano. Quantas vezes, por trás de uma fotografia partilhada, está uma mulher reprimida, maltratada, sem liberdade e que conhece bem as “costas da mão” do marido que partilhou a “homenagem”? Quantas vezes, por trás de uma fotografia que explana alegria, está uma mulher cuja autoestima está "pela rua da amargura", porque a sociedade definiu padrões de beleza e de comportamento a que nem sempre é possível aceder?

Pois bem, dar flores às mulheres a 8 de março é contraditório e utópico quando, por exemplo, a desigualdade salarial entre homens e mulheres é ainda uma realidade.

Debruçaremo-nos sobre esta questão.

É até curioso que março seja o mês em que se assinala este dia porque no caso de um homem e de uma mulher, com a mesma idade, formação e experiência que comecem a trabalhar no dia 1 de janeiro, a mulher só começa a receber salário em meados de março. É isto que significa, na prática, o facto das mulheres, na Europa, ganharem em média menos 14% que os homens.

Mais do que flores, elas precisam que lhe sejam dadas as mesmas oportunidades que são dadas a eles. Para isto, é preciso que as políticas salariais das empresas se tornem mais transparentes. Não é cortesia, é justiça.

Assente na premissa de que “trabalho igual merece salário igual”, a União Europeia apresentou uma proposta legislativa sobre a transparência salarial que obriga as empresas a tornar mais claras as regras de contratação e gestão das carreiras. Com estas diretivas, os trabalhadores têm ferramentas para obterem a informação necessária sobre possíveis diferenças salariais. Está dado um passo para que a igualdade salarial seja uma realidade.

É necessário cumprir e fazer cumprir tal desígnio.

Em Portugal, apenas 26,6% das empresas têm liderança feminina e no que concerne ao poder autárquico, apenas 32 dos 308 municípios portugueses são liderados por mulheres.

Embora este panorama tenha vindo a ser alterado e cada vez mais mulheres tenham vindo a ocupar os lugares de chefia e liderança, ainda há um longo caminho a trilhar.

Vejamos o caso de Arouca, um dos 32 municípios liderados, pela primeira vez na história do concelho por uma mulher, tem ainda, no caso das Juntas de Freguesia uma participação feminina diminuta. Atente-se na freguesia de Rossas que é a única liderada no feminino, sendo que foi, também, a única onde uma mulher se submeteu a sufrágio em 2017.

Aqui urge pensar mais além. Porque é que as mulheres não encabeçam listas a lugares políticos? Não têm interesse? Não se sentem competentes? Existe ainda a ideia de que a política é “lugar de homens”?

Infelizmente, esta e outras questões não são facilmente clarificadas a priori. Por trás destas questões está a questão sociológica que não se resolve com o contar da história e que é influenciada pelo machismo que está ainda muito enraizado na sociedade. As mulheres foram "educadas" a deixarem os homens tomar decisões. Resta-nos a todos, homens e mulheres, trabalhar na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Os homens devem deixar que a sociedade se construa, também, no feminino e as mulheres devem valorizar-se e acreditar no potencial que têm. A competência não tem gênero e a política pode (e deve) fazer-se também no feminino até porque o lugar da mulher é onde ela quiser.

Notas de viagem não menos importantes:

A política concelhia aqueceu nos últimos dias. Espera-se que 2021 seja um ano de boa política, construtiva e verdadeira ao invés da politiquice e dos jogos de bastidores que tantas vezes se vivem em ano de eleições autárquicas. Não pode valer tudo. Nunca.

Depende de todos (e de cada um) que seja um ano participativo e de união. Para nos separar já basta a pandemia.

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