O maior desafio da Saúde
Tecnologia, investimentos ou modelo de remuneração? A resposta é: nenhuma das alternativas
Nestes últimos anos trabalhando como jornalista especializada, ouvi e li muito sobre a necessidade de mudança urgente do sistema de Saúde brasileiro, que está sob risco de colapso. Um sistema que, pelo significado da palavra, deveria promover saúde e bem-estar, está, na verdade, tratando as pessoas somente quando elas já adoeceram. Escrevi tanto sobre essa dicotomia que cheguei a levar umas chamadas da editora: “muda o discurso, escreve de outro jeito!” Mas como deixar de falar sobre um tema desses depois que a gente descobre? O mundo precisa saber que a Saúde está errada!
Ok, essa consciência parece que está cada vez mais clara para quem atua no setor. Porém, muito se discute ainda sobre o que fazer para a mudar. Alguns apresentam a tecnologia como uma fórmula mágica. A internet das coisas, por exemplo, permite o monitoramento de sinais vitais em esquema 24/7, trabalhando mais que muitos médicos. Dá para saber se a pessoa tem propensão a infartar com uma alteração mínima no batimento cardíaco durante uma simples caminhada. Tem até tênis inteligente que se comunica com o corredor e corrige a passada em tempo real com o objetivo de evitar lesões. E a inteligência artificial, então, que indica com 95% de acerto a probabilidade de um paciente vir a óbito no momento em que ele dá entrada no hospital, em modelo criado pela Universidade de Standford, nos Estados Unidos, em parceria com o Google?
As pessoas também anseiam por mais tecnologia para cuidar da própria saúde. Segundo um estudo realizado pela McKinsey & Company, 75% dos entrevistados esperam utilizar serviços digitais do setor no futuro. A pesquisa ainda garante que hospitais conectados são 50% mais propensos a aumentar a participação no mercado e elevar as margens de lucro em comparação aos concorrentes sem acesso à tecnologia.
Tudo isso, claro, custa dinheiro. E aí entra o que o mercado parece entender como o maior desafio da Saúde: a escassez de recursos em um país que começa, bem aos poucos, a sair de uma crise econômica. Esbarramos, então, na conflituosa relação entre operadoras e hospitais, agravada pelo modelo de remuneração mais praticado por aqui: o fee for service. Há mais de 10 anos especialistas discutem alternativas ao pagamento por serviço - que faz com que o hospital ganhe mais dinheiro quanto mais o paciente adoece, ao mesmo tempo em que obriga a operadora a impedir ao máximo que o beneficiário use o plano para evitar gastos, numa queda de braço sem fim. No meio disso, pessoas que pagam por planos que se dizem de Saúde para ter a garantia de que serão acolhidas justamente quando ficarem doentes - e não para ter saúde.
São exatamente as pessoas o maior desafio para essa transformação. Não adianta hospitais e operadoras adotarem modelos baseados em performance e valor, investirem em tecnologias disruptivas, criarem políticas de medicina preventiva, apostarem na atenção primária, se o principal interessado em cuidar da própria saúde não está, de fato, interessado. É claro que o sistema precisa se mobilizar e promover essas mudanças. Mas sem o compromisso do paciente em ser corresponsável pela sua saúde, nada muda.
Acabou-se o tempo de culpar a genética e entregar na mão do médico toda a responsabilidade pela cura. Mas poucos estão dispostos a, de fato, fazer o que tem de ser feito para mudar. O livro “Super Genes - Ative o poder extraordinário do DNA para ter mais saúde e bem-estar”, de Deepak Chopra e Rudolph E.Tanzi, tem justamente a proposta de mostrar como ações simples podem nos ajudar a ter mais saúde. Ganhei esse livro de presente e ele foi devidamente devorado. Alguns conceitos e dicas são fáceis de serem seguidos - eu, inclusive, já adotava alguns dos hábitos ali descritos. Outros são extremamente desafiadores. Mas com o acesso à informação na palma da mão e na tela dos computadores e celulares, eu e nós todos não temos mais desculpas para dizer que não sabíamos.
Ao mesmo tempo em que a informação empodera, ela traz consigo a responsabilidade sobre a mudança. Resta a nós adotá-la, caso contrário, nenhuma tecnologia será capaz de nos tornar mais saudável, por mais cara e disruptiva que seja.
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5 aBom dia Camila Eu gostaria de lhe deixar uma sugestão de pauta. Se isto for possível, para qual endereço de email poderia enviar detalhes? Obrigado
Reporter
5 aadorei. compartilho esse entendimento sobre saúde tb. tenho tido uma experiência difícil em pronto-socorros ... vou ver se consigo escrever sobre isso e sobre a cultura do pronto-socorro. a gente chega no PS querendo que os médicos resolvam, sem se responsabilizar pelo próprio organismo, como se o corpo fosse algo a parte. E é justamente o contrário: é a nossa morada e os cuidados são no dia a dia.
Advisor, Tecnologia e Inovação de Negócios
5 aExcelente, Camila. Isso ocorre porque o sistema foi desenhado para ser uma "esteira" de alto desempenho no atendimento - das doenças. Mas pouco se faz no lado da Prevenção. O Motivo? O "PACIENTE" não está no Centro das Decisões. Aliás, com essa denominação, só tendo mesmo MUITA "paciência"... O modelo terá que ser reinventado, no mundo todo. E TODOS NÓS precisamos participar dessa discussão.