O mundo inventado pelos criativos
A imaginação faz parte do ofício e quanto mais melhor. Mas mesmo com toda a imaginação que é posta nos trabalhos criativos, é preciso ainda mais imaginação para acreditar em alguns deles.
Fala-se muito das ideias publicitárias que são só para concurso. Dos cases que ilustram uma ideia, fazendo de conta que ela realmente foi levada a cabo, só para mostrar o potencial dos criativos… e claro, ganhar uns prémios. Mas pouco se fala do que está por trás desta farsa.
Como todo o verdadeiro narcísico, os criativos têm fantasias de grandiosidade que não conseguem controlar, embelezando a verdade se tal for necessário para salvar o seu ego.
O sentimento de inferioridade e de inveja subjacente ao seu esquema de sobrecompensação manifesta-se através destas invenções grandiosas. Precisam de ser reconhecidos e até admirados pelos outros. Isto reflecte-se na procura de prémios que os coloquem entre os grandes reis da selva que ainda habitam o mundo publicitário.
No entanto, maior parte das vezes os seus delírios de grandiosidade não conseguem ser satisfeitos pela realidade. E por isso, esta necessidade de fantasiar.
“O que conta é a intenção” ou o “Não foi mesmo feito, mas a ideia estava lá”, são apenas substitutos para a verdade:
“Isto era aquilo que eu podia fazer se a realidade o permitisse”.
Na comunidade vivemos todos nesta espécie de delírio colectivo em que aceitamos a irrealidade da nossa paixão. Porque o maior medo do narcísico - e do criativo - é levar a cabo uma existência desvalorizada.
Então vivemos no nosso próprio mundinho de mentiras patológicas em que nada do que fazemos tem impacto no mundo real. Com sorte, para casos de solidariedade, o case mascarado de experiência social torna-se viral e relembra as pessoas de uma necessidade qualquer no mundo que precisa de ser colmatada. Com mais sorte ainda, fez-se alguém pensar de forma diferente - durante uns instantes. No entanto, os chamados consumidores estão cada vez mais inteligentes e estão fartos de sentir que os publicitários os andam a tentar enganar. Por isso podemos estar a perder mais do que um leão de ouro quando a execução criativa não envolveu execução alguma.
Pode ser que o meio em que nos encontremos e os orçamentos não permitam realmente criar trabalho verídico que mereça o reconhecimento dos nossos pares. Ou mesmo que esses trabalhos sejam tão poucos que não permitam uma indústria de premiação e credibilização dos profissionais.
Ou então, pode ser que tenhamos aceite muito facilmente que a verdade seja posta a prémio neste mundo inventado, tudo por acharmos mais importante afagar o nosso ego. Seja qual for a base do problema, a solução não está com certeza em praticarmos a capacidade de abstracção até ao ponto de aquilo que é real para nós não interessar para nada.
Isso seria, na verdade, loucura.
Mais disto no Pubsicólogo.
Artista e técnico multimédia / espetáculos. B3B, Lda.
8 aExcelente texto. Haverão sempre novos consumidores indefesos acríticos, o próprio castelo mediático os produz desde crianças alimentado a perpetuação do capitalismo. É um dos impactos da publicidade no mundo real. O trabalho que podemos praticar em harmonia com o nosso ego pode ter duas veracidades: ser ético e verdadeiro ou puramente artístico. :)
Creative Director at Uzina
8 aYou've got a point. Mas foram precisamente esses anúncios (nem sempre) fantasmagóricos que me levaram a fazer uma inversão de marcha com travão de mão chegada a altura de decidir o que queria fazer da vida. Fascinam-me as histórias contadas com inteligência e a capacidade para sacar um sorriso ou uma lágrima com o logo de uma marca de pneus. É nas boas ideias que procuramos inspiração sempre que partimos para um novo brief. É com elas que procuramos elevar a fasquia. Quero acreditar que isso acontece por alguma razão. Boas ideias deviam ser a norma, não a exceção. Mas claro que para isso é preciso tempo, às vezes dinheiro, outras vezes tomates. E, como sabemos, nenhum deles abunda por aí. Quanto ao Hegarty, the man's got a point too. Mas como já foi dito aqui, o consumidor mudou. O consumidor não vê 4 canais e o mesmo anúncio 40 vezes por serão. A atenção dispersou. As ideias são mais efémeras, sejam elas brilhantes ou não. Será que o "Tou Xim" teria espaço no nosso vocabulário hoje em dia? Tenho sérias dúvidas.
Supervisor Criativo/ Copywriter | CAETSU Advertising Agency
8 aBoa reflexão. Quando falo da nossa profissão a amigos meus de áreas diferentes, dizem sempre "que giro". Mas é só isso. Acho que temos cada vez menos impacto na vida real dos consumidores porque os consumidores evoluíram, mas as fórmulas da nossa área mantiveram-se, mesmo que utilizadas em meios "inovadores".
Marketing | Strategy | Branded Content
8 aSempre considerei um certo autismo por parte de alguns criativos por acharem que o trabalho criativo desenvolvido nas agências pode ser gerado sem intervenção de terceiros. É porque isso é arte pela arte, não a comercialização de ideias, o negócio de que estamos a falar. Um 'artista' não se preocupa com a dimensão final da tela ou com a quantidade de azul que lhe põe. À partida não é feita para agradar a ninguém. Se queremos boas ideias na rua, temos de ter a capacidade de aplicar nas agências, o princípio elementar do marketing. Conhecer o cliente. Se queremos que as boas ideias tenham outro destino que não apenas o festival fantasmagórico dos leõzinhos, temos de ter a capacidade de evangelizar quem paga o trabalho e de os contaminar com o efeito "eureka" e não, ficarmos frustrados porque "o cliente é incompetente" ou não tem a mesma visão.