O novo que foi pelo ralo

Quando eu encaro a enxurrada de novidades diárias e promessas constantes de soluções revolucionárias, lembro-me de uma estória que meu pai sempre me contava sobre como a percepção humana é limitada:

"João para casa à noite, caminhando por uma rua escura. Os únicos pontos iluminados são alguns poucos círculos projetados pelas luzes fracas dos postes. Repara em um estranho, abaixado em um desses círculos de luz, procurando por algo. Pergunta o que ele procura, ao que o estranho responde que são as chaves, que caíram de seu bolso. Solidário, João se agacha ao lado do desconhecido para ajudá-lo a procurar pelas chaves. Pergunta onde ele estava quando as chaves caíram. O estranho aponta para o breu ao redor deles. Curioso, João questiona: "Mas se as chaves caíram ali, por que você procura por elas aqui?". "Porque é aqui que eu consigo enxergar".

As empresas, pressionadas a pensar sobre inovação, são muitas vezes guiadas por duas tendências bastante comuns: ou se apegam a novidades em nome da ilusão de estarem um passo à frente (como já prega o jargão empresarial "ser o novo Google"), ou pensam em inovação "olhando para o próprio umbigo", onde o que deveria ser uma mudança de paradigma termina por ser algo semelhante a um inchaço momentâneo de ego. Todos terminam como o pobre iludido da história, procurando por algo que não vai achar, apenas pelo conforto de estar onde há luz o bastante.

Todas as empresas passaram pelos últimos anos assistindo a transições bruscas de modelos de trabalho, mudanças nas qualidades dos profissionais à disposição, mudanças ainda maiores no público-alvo em todos os mercados; sem falar na quantidade de demandas de infraestrutura que obrigaram muitos gestores a repensarem seus projetos, produtos e serviços. Claro que nesses mares ainda não navegados, muitas decisões precipitadas foram tomadas, muitos cálculos resultaram em zero (quando não em menos um) e muitas novidades acabaram se provando completos fracassos. A inovação é muito mais do que uma adoção frenética de qualquer novidade. É um mindset, que precisa permear tudo que acontece dentro da empresa.

Se por um lado os fracassos permitem que o mercado se adapte e reorganize, por outro alerta para uma necessidade crucial de todas as empresas: é fundamental rever o pensamento que conduz a inovação. Novos aplicativos não são inovadores, novas tecnologias não são inovadoras. A inovação vem do uso que se faz das possibilidades à disposição. Nem todo best-seller com a fórmula mágica das empresas líder na Fortune 500 terá o caminho que sua empresa precisa para enfrentar nossa era de avanços ininterruptos. A hora é de abandonar a sedução provocada pelo ecossistema de startups e pensar em cultura organizacional. Sair do imediato e pensar no duradouro. O que motiva a tomada de decisões? O que conduz a forma como entregamos valor em toda a cadeia de processos? Como incorporamos possibilidades a uma realidade já estabelecida?

E, em especial: olhar para fora. Fora de onde? Das consultorias cheias de mais do mesmo, dos vícios e rotinas desgastados de dentro das próprias empresas, das zonas de conforto inconscientes. A novidade não está apenas no que os concorrentes estão fazendo. Está no que as pessoas precisam. Afinal, foi com o olhar focado no usuário que as empresas sempre copiadas venceram. Pensar nas pessoas para quem sua empresa existe é a chave para uma inovação saudável e bem estabelecida, além de evitar o caminho das pedras dos modismos adotados sem critério. Afinal, a inovação que surge de uma empresa para outra muitas vez não passa de um sistema que se retroalimenta continuamente, sem trazer consigo qualquer solução ou oportunidade real.

De uma certa maneira, é tempo de cada empresa deitar em seu divã e pensar com carinho sobre si mesma: sobre seu propósito e sobre sua cadeia de valor. Quem nós somos e por que existimos? Perguntas tão curtas e tão difíceis de serem respondidas, mas que fazem da inovação mais que uma palavra bonita estampada no site da sua empresa.


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