Sextou.
Existe um grupo de criativos que, só de olhar a foto ilustrativa acima, é levado automaticamente para um tempo muito bacana.
O que conto aqui, eu vivi entre 1995 e 2000.
A agência é a AlmapBBDO.
O cliente é a Editora Abril e o produto, a Revista Veja, que deixava, nas tardes de sábado, mais de um milhão de exemplares nas bancas e nas portas de seus milhares de assinantes.
O job era o outdoor da Veja, colado cedinho todo santo sábado nas maiores cidades brasileiras, sempre com o mesmo layout: 1/4 da placa à esquerda para a foto da capa, 3/4 para o fundo amarelo e o título em preto na direita.
Como funcionava?
A Veja, como toda revista semanal, tinha dois tipos de matéria de capa: as quentes, com temas explosivos da semana e, quando eles não apareciam, as capas frias, com matérias preparadas previamente.
Em algumas ocasiões, a matéria fria era trocada por causa de alguma bomba vinda de Brasília no fim da tarde, o que deixava a nossa tarefa ainda mais interessante.
Nesses dias, na prática, criávamos para duas capas: a fria e a quente.
Via de regra, os títulos feitos para os temas quentes eram também mais instigantes.
Normalmente, o briefing da capa nos chegava entre meio-dia e 14h.
Muitos colegas deixavam de sair para comer só para esperar o job chegar e ganhar uns minutos a mais no garimpo.
Toda sexta-feira, a chance de achar ouro era boa demais.
Então, quando o job chegava, os criativos da agência simplesmente se debruçavam na tarefa de escrever o melhor título.
Os briefings eram diferentes também: vinham direto da redação da Revista, eram os leads das matérias da capa, curtinhos, sintéticos e precisos, uma beleza. Ah, um disclaimer: estamos falando de uma época em que o outdoor era um dos mais potentes meios de comunicação existentes.
Hoje, por razões diversas, o formato foi banido em algumas cidades e transformado em out-of-home, com regulamentação e execuções diferentes do trabalho que relato neste artigo.
Muito bem.
Com o tema da capa revelado no briefing, como disse, os redatores da agência se dedicavam a um sprint muito interessante.
O atendimento sempre pedia que as opções fossem apresentadas preferencialmente até às 17h, para dar tempo das aprovações pelo pessoal da redação da revista.
Na prática, era como se toda sexta-feira a criação da AlmapBBDO vivesse um mini-festival criativo próprio.
Sim, você “inscrevia” suas peças e submetia ao crivo de um júri, que eram nossos chefes Marcello Serpa e Eugênio Mohallem.
Fato é que, assim como num festival criativo, havia um shortlist e essa era a primeira grande barreira deste job.
Passar para o shortlist já era motivo de alegria para os poucos sobreviventes que nele figuravam. Imaginem: uma criação inteira produzida a jato, opções para um mesmo job.
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As opções eram enviadas para os chefes, em folhas impressas e sem autoria, e a seleção também era feita rapidamente.
Toda tarde de sexta-feira, havia uma certa eletricidade no ar.
O shortlist vinha numa folha impressa pendurada numa parede no departamento, colada com durex mesmo.
A criação olhava aquilo como uma lista de aprovados no vestibular. Normalmente, eram enviados entre três e cinco títulos para o cliente.
Depois, vinha a segunda camada de expectativa.
O tempo do cliente analisar e aprovar o título do outdoor.
Não era uma apresentação normal, porque os títulos eram enviados para a Veja por e-mail e a agência simplesmente esperava a resposta.
E, quando chegava a aprovação, um dos criativos tinha a certeza de ter ganho o prêmio daquela tarde: a publicação do seu título no dia seguinte, em circuito premium dos outdoors da cidade, porque o outdoor amarelo era um dos principais ativos de venda da revista nas bancas.
O sucesso desse job era tão grande dentro da agência que, com o passar do tempo, colegas de outros departamentos também pediam para participar. Então, para a agência não ser paralisada por completo numa tarde por causa de apenas um único trabalho, tomou-se a decisão de dividir a tarefa em dois grupos, intercalando as semanas, ou seja, cada grupo pegando o job a cada 15 dias.
Confesso que quando se decidiu sobre isso foi um tico frustrante, porque ter a chance de fazer aquele trabalho todas as semanas era estimulante demais. Muita gente que participou deste job tem casos e mais casos sobre ele.
Muitos, muitos mesmo, dos outdoors criados para a Veja fazem parte dos Anuários do Clube de Criação, vale a pena dar uma fuçada.
Particularmente, adorava ter job de outdoor na mesa porque outdoor não tem meio-termo pro redator.
Dizer o que era preciso em três palavras, que desafio.
Pode notar: ou o outdoor é muito bom ou é simplesmente uma placa a mais. Outra coisa bacana em criar outdoor era praticar aquilo que deixa todo texto melhor: tirar palavras quando estas não são necessárias.
Espremer, espremer, espremer até ficar só o que importa e outdoor te obrigava a isso.
Para quem esteve na criação da AlmapBBDO daquele tempo emplacar (literalmente) o outdoor amarelo de Veja era o verdadeiro sextou.
CEO & CCO @ MeZA/1618 | Cannes Lions Winner
9 mDevia ser demais mesmo. Tão bom quanto esperar a próxima edição da Veja pra ver seu anúncio publicado nela. Abx
Creative Copywriter
9 mOs títulos da Veja deveriam virar uma disciplina nos cursos de publicidade.
Creative Director SVP at AREA 23/ Cannes Lions Grand Prix Winner
10 mEsse texto e essa época da Almap dariam um livro como aquele "Well-written and Red" sobre a campanha da Economist feita pela AMV.
Founder & CEO New Vegas | Council Member of ABAP, BCMA & Instituto Peregum | Jury member @ Cannes Lions, Effie, Warc & Tiktok Awards | Activist, Writer, Art Collector, Complexity Apprentice, Dog Owner, Sociable Introvert
10 mQue delícia ler esse documento histórico, Chester. Obrigado por compartilhar
Partner/CEO/CCO
10 mQue boa lembrança Chester! Nós, os criativos fora da Almap, também vibrávamos com os títulos. Éramos felizes e sabíamos!