O P de Preço

O P de Preço

Me chamou a atenção na última semana uma reportagem publicada no site da revista exame (a qual compartilhei esses dias aqui no LinkedIn - http://abr.ai/1P3LEpc) sobre a resposta dada pelo dono de um bistrô em Nova York a uma cliente insatisfeita.

Em resumo, a cliente (Srta. Hannah C.) se indignou por ter sido mal atendida pelo garçom e ter pago 2 libras (o equivalente a R$ 12,00) por uma água quente com uma fina rodela de limão, no Bennett Café e Bistrô, levando-a a publicar uma crítica no famoso site de viagens e avaliação de viajantes TripAdvisor. O dono do bistrô (Sr. Jay Rayner), por sua vez, não somente respondeu à crítica como, de fato, "abriu sua planilha de custos" à cliente e a quem mais acompanhou o fato pela internet.

Devido a peculiaridade da situação e pertinência do tema em voga, o preço das coisas, resolvi compartilhar algumas reflexões nesta publicação. 

Vamos lá!

Clique aqui (http://bit.ly/1SQ1V77) para ver a reação de um cliente em uma situação similar a ocorrida no bistrô.

Você também já passou por isso? Rsrsrsrs.

1. Os Ps do marketing gravitam em torno da "Hora da Verdade"

O marketing mix (o famoso Produto, Preço, Praça e Promoção) foi formulado primeiramente por Jerome McCarthy (1960) em seu livro Basic Marketing e trata do conjunto de pontos de interesse para os quais as organizações devem estar atentas se desejam perseguir seus objetivos de marketing (http://bit.ly/20dB7Cv).

Nas últimas décadas o mix se expandiu em outros pontos como Processo, Pessoas, Package (Embalagem), outras letras como 4C, 4A, e por aí vai, de acordo com cada autor que se propõe a estudar o assunto (http://bit.ly/1JPiVb6). Mas, na boa: prefiro o bom e velho 4ps acrescido, sem dúvida, do também tão bom, velho e inevitável Cliente, com suas necessidades e desejos como sendo o relavante ponto de partida para criar estratégias de marketing pertinentes.

Já o termo "Hora da Verdade", é uma expressão cunhada por Jan Carlson, então presidente da Scandivavian Airline System (SAS), que quis enfatizar todo e qualquer precioso instante em que um cliente/consumidor entra em contato com qualquer setor da empresa, demandando o atendimento de um desejo-necessidade e, com base nesse contato, formar uma opinião própria sobre a qualidade apresentada por essa empresa (http://bit.ly/1UxpXSf).

Alguns autores estendem o conceito para o varejo e o momento crucial em que cliente, produto e ponto de venda podem ou não, estabelecer a triangulação perfeita que levará ao gol: a compra. Sem dúvida, uma abordagem mais voltada à relevância da embalagem como elemento estratégico de diferenciação, capaz de fazer com que produtos de consumo sejam melhor posicionados na mente dos clientes no momento da compra (http://bit.ly/1ZZQiK7).

Portanto, é neste ínterim entre o marketing mix, a Hora da Verdade, a impressão sobre a empresa (marca) e a tão almejada decisão de compra e seus porquês e para quês, que afirmo ser o "Preço", quesito dos mais interessantes e até pitorescos dessa nossa era pós-digital, especialmente se estivermos falando de novos negócios que ainda serão validados no mercado - o que, com certeza, não é o caso do Bennett Café e Bistrô.

Mesmo assim, sejamos pragmáticos: quem não está interessado em fazer, estimular, incentivar ou auxiliar o cliente a comprar a nossa oferta? Comprar a causa, a marca, a tecnologia, o conteúdo, o produto, o serviço... E, ainda mantendo a sinceridade, quem não está interessado em vê-lo comprar de novo? E de novo, de novo...

Pois bem, isto só ocorrerá, se o preço cobrado for aceito, ou melhor, pago!

Para muitos empreendedores iniciantes esta é sim a verdadeira "Hora da Verdade", a hora em que a proposta de valor deve ser validada pelo segmento de clientes almejado e isto só ocorre quando, inarredavelmente, uma quantia X é despendida por uma e faturada pela outra parte da negociação.

Como disse, o Bennett não se configura como um novo entrante de mercado; o domínio contábil apresentado na resposta publicada no TripAdvisor demonstra, claramente, que o gestor compreende os componentes estratégicos de seu negócio a ponto de "dispensar" publicamente uma cliente. Logo, a despeito de uma possível "confortável" posição de mercado, será que poderíamos afirmar que o Sr. Rayner e seu bistrô se saíram bem na "Hora da Verdade", no incidente da água quente com a fina rodela de limão e o calamitoso preço de quase R$ 12,00?

The Hannah Knows.

2. O preço não é tudo o que parece ser. É mais!

É lógico que não foi somente o produto o responsável por gerar o preço de quase R$ 12,00 que indignou a Srta. Hannah C.

"Na verdade, são as instalações que custam dinheiro, muito mais do que os ingredientes."

Jay Rayner - dono do Bennett Café e Bistrô

Conforme o próprio Jay Rayner esclareceu à cliente: "[...] Talvez, a má educação que você percebeu em mim foi provocada pela falta de respeito que eu percebi em você por presumir que poderia usar nossas instalações e ser atendida gratuitamente".

Putz! Essa foi dura heim...

Parece que a Srta. Hannah C. vivenciou um paradoxo coerente e recorrente desses tempos insanos em que CUSTO, PREÇO e VALOR se recusam ainda mais a compartilhar o título de sinônimos.

"[...] Tudo que era grátis está ficando pago e tudo que era pago, está ficando grátis. Antes pagávamos por jornal e tínhamos TV grátis. Agora pagamos pela TV por meio de assinatura e temos um monte de jornais e revistas grátis."

Walter Longo 

Me arrisco a dizer que no Brasil, hoje, existem 04 preços vigentes em toda e qualquer oferta de marketing que nos depararemos por aí, de jazigo em cemitério-parque à clareamento anal em clínica de estética (ressalto que o presente autor só vivenciou a experiência de "comprar" apenas uma das ofertas citadas. Espero que você não pense o contrário. Rsrs): O Grátis, O Barato, O Caro e O Ostentação.

"O Grátis" é, e sempre será o chamariz, "O Barato" é penetração de mercado  -ninguém sonha em ser "o mais barato da praça", alguém o é devido à concorrência. Ponto e acabou; "O Caro" é posicionamento - aqueles que conseguem sustentar essa condição sempre o farão; e "O Preço Ostentação" é uma spin off do preço caro, questão de estima justificada por Maslow em sua famosa pirâmide de necessidades (http://bit.ly/1OXHOAi) e muito bem assimilada no Brasil, principalmente nos últimos 10 anos, após um aumento considerável e inversamente proporcional do crédito e da renda da população em relação ao seu cérebro.

Antes que você discorde, ressalto não acreditar haver "O Preço Justo" no Brasil. Seja por causa de um leão faminto que impacta em pelo menos 30% dos preços de qualquer coisa no país (o que já alavanca, e muito, o preço da coisa), seja por comerciantes minimamente ligados ao comércio justo e à sustentabilidade, tanto em sentido amplo quanto stricto senso do conceito.

 

Além disso, O Preço Justo se torna ainda mais extinto no Brasil devido a presença gritante de um cliente/consumidor muito pouco atento à cadeia de valor atrelada às ofertas que lhe chegam à tela do celular, cardápios ou vitrines por onde passa, resultando em atitudes similares ou até piores que a da Srta. Hannah C.

 

 

Ou vocês acreditam que o Brasil não está cheio de "Hannahs" que pensam que as coisas brotam em suas mesas a partir do trabalho de pessoas supostamente descompromissadas com seus custos e contas à pagar? Lógico que está cheio! E apesar de concordar com Walter Longo, quando ele afirma estar havendo uma mudança dos custos na era pós-digital, preciso ser sensato em lembrar-me, diuturnamente, que "O grátis" e "O Barato" têm seu preço, ao passo que "O Caro" e "O Ostentação" têm suas justificativas e "O justo"... Bem... isso é assunto para outro post... ;)

3. Parêntese de Opinião: posição política e social

Afinal, quem obrigou esta moça ir ao centro de Nova York "lisa", ou seja, sem grana suficiente, em um estabelecimento notoriamente não praticante dos preços "Grátis" ou "Barato" para tomar a porra de uma água quente com uma rodela de limão boiando?

Enfim... Direito de ir e vir. Direito de escolher e comprar. Direito de ofertar e cobrar.

De minha parte, registro que apesar de coerente e economicamente correta, a resposta do Sr. Jay Rayner exala uma certa arrogância que posso até estar a errado, mas me faz sentir no ar o tom de "se não pode pagar, por favor não venha aqui". 

Todavia, apesar desta distante e negativa primeira impressão, parece que estabelecimento e seu gestor são bastante profissionais, organizados e aptos a agradar o segmento de clientes que valida e sustenta o seu negócio. Aceitar isto é muito mais que marketing, é democracia. Por isso, caso o seu sensor politicamente correto já esteja aceso e até apitando, por gentileza desligue-o.

Se o caso for mais grave e estivermos sob a forte possibilidade desse texto ter acionado seu firewall hipócrita-comunista, rogo-lhe que desabilite-o!

Agora! Não estou brincando.

Lembro ao(à) leitor(a) que estamos falando de "Nova York" e "bistrô", dois termos unicamente passíveis de serem abordados em um texto de um profissional residente em Belém do Pará, como eu, e lido por você agora em qualquer lugar do mundo, com certeza, não por uma força estatal absoluta e violenta que acaba por ignorar os vícios e virtudes inerente às pessoas e suas relações, dentre elas as econômicas, às quais são realizadas e aprimoradas todos os dias no exercício diário e imperfeito do livre comércio praticado por países que não só permitiram, como estimularam o desenvolvimento de sua iniciativa privada ao longo desses anos.

Isto não me faz ignorar a horrenda e hipócrita falta de compromisso capitalista para com as pessoas menos favorecidas, o planeta e o futuro da humanidade. Apenas me coloca na condição apartidária-pragmática que me induz a entender que Estado e Mercado devem, juntos, nesses novos tempos, repensar suas essências, atuações e finalidades.

Porém, isto também é tema para outro post.

4. O medo instrínseco da perda

"[...] mas quando algo é grátis, esquecemos o negativo. O grátis nos oferece uma carga emocional tão grande que percebemos o que é oferecido como algo de valor imensamente maior que o real. [...] Acho que é porque temos um medo intrínseco da perda."

Dan Ariely

"Previsivelmente Irracional" é o título do livro em que Dan Ariely analisa cientificamente (ou seja, como ele mesmo faz questão de esclarecer, por meio de experimentos) os comportamentos mais absurdos que nós, seres humanos, temos diante de muitas situações de nossas vidas, especialmente diante do ato de comprar coisas. Ao ler esta obra pensei comigo mesmo: "E se esse conhecimento cair em mãos erradas?" Rsrsrs. Fazer o que né? Viva a ciência!

Se quiserem saber mais sobre preços de produtos , estratégia âncora de precificação e a ação "inescrupulosa" (kkkkk) dos profissionais de marketing, assistam este excelente episódio do Nerdologia. Vale muito a pena!!!

E é com uma das ideias defendidas por Ariely que encerro esta publicação e discussão (na parte que me cabe) acerca do Bistrô, da água quente com rodela de limão, da arrogância, do capitalismo, Enfim! acho que você me entendeu.

No fundo, no fundo, todos tememos a perda. Sabe aquela sensação de ter sido enrolado, passado para trás ou mesmo ter sido injustiçado? Pois então, creio piamente ter sido algo nessa linha psicológica que tenha acometido a Srta. Hannah C. no incidente em questão.

Não interpretei o caso como uma situação de baixo poder aquisitivo, muito menos de mera insatisfação de atendimento, em que, talvez, as impressões positivas acerca do bistrô foram insuficientemente absorvidas pela cliente, devido algum problema com a comunicação da marca e seus pontos de contato, resultando em uma possível dissonância entre preço cobrado e valor percebido ao ponto de ter provocado tal reação da cliente.

Acredito ter sido, de fato, uma postura "sem-noção" ou, tecnicamente falando, citando Ariely, "Previsivelmente Irracional" da cliente em ter ignorado ou não compreendido tanto as mensagens subliminares passadas pelo branding da empresa (localização, fachada, design de interiores, garçons, pratos, serviços, etc, os quais visam posicionar produtos, serviços, localização, comunicação e preço a um segmento específico de clientes dispostos a pagar pelo o que está sendo ofertado), quanto a todos os custos envolvidos no atendimento e na cadeia de valor oferecida pelo Bennett Café e Bistrô.

 

Ademais, também parece nonsense, em se tratando de internet 2.0, uma pessoa confundir TripAdvisor com Facebook e ir lá disparar de qualquer jeito sua opinião. Afinal, nunca foi tão válido aquele velho ditado da vovó: "Quem fala o que quer, ouve o que não quer".

 

Será?

Viventes, vejam lá o que postam e o que bebem. Até a próxima. 

 

Referências:

ARIELY, Dan. Previsivelmente Irracional: as forças ocultas que formam nossas decisões. Tradução: Jussara Simões. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. 220p.

LONGO, Walter. Marketing e Comunicação na era pós-digital: as regras mudaram. São Paulo: HSM do Brasil, 2014. 312p.

Bernardo Magalhães

Diretor de Criação e Sentido na Libra Branding

8 a

A cadeia de valor, dentro do propósito de Comércio Justo, inclui intrínsicamente o consumidor - com tanta importância quanto um produtor - pois ele é parte interessada em satisfação de anseios e necessidades, e também no ciclo de vida dos produtos. Esse grau de responsabilidade é complexo e talvez careça de mais sociedades organizadas em seus núcleos menores, como vizinhança e bairros, para que os negócios locais prosperem com sustentabilidade. Neste caso, faltou responsabilidade ao dono do Bistrô e sensibilidade à cliente. Valeu a reflexão!

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