O samba-enredo da Colaboração
1,1%.
Este foi o crescimento do Produto Interno Bruto - PIB brasileiro em 2018, divulgado pelo Instituto de Geografia e Estatística - IBGE no último dia 28 de fevereiro.
Segundo o instituto, alcançamos o total de R$ 6,8 trilhões e uma alta de 0,3% no PIB per capita, representando R$ 32.747 por brasileiro. A decepção de economistas e diversos setores da sociedade foi notória, porém não suficiente para concorrer com o clima de carnaval que inebriou mais uma vez os nossos foliões, os famosos "brincantes", termo que também poderia ser franqueado a muitos que lideraram o país neste último decênio, ou melhor dizendo, o Carnaval Econômico do Planalto.
Isto porque, se analisado o período de 2011 a 2018, é possível observar que o PIB e o PIB per capita brasileiros atingiram níveis similares ao período de 1981 a 1990, a chamada década perdida. Sem dúvidas, este "bicampeonato" conquistado após a divulgação desse resultado, é o reflexo das péssimas decisões tomadas por nossos líderes nestes últimos anos, verdadeiros autores de sambas-enredo que marcaram o nosso passado e parecem ainda dar o tom do desfile que ainda hoje seguimos na avenida.
Por isso, para apimentar a batucada previsível dessa nossa Escola de Samba Brasil, proponho a COLABORAÇÃO HUMANA como o samba-enredo para os nossos próximos carnavais. Trata-se de uma aposta, ou melhor, um investimento em um movimento catalisador para o processo de transformação econômica e social que já vivenciamos por aqui.
Como assim? PIB e Colaboração, que M#%*@ é essa?
Calma! Vem comigo nessa viagem que atravessa algumas perspectivas econômicas e históricas e que podem abrir alas à Inovação, o único movimento estratégico que empresas e governos podem adotar para as próximas décadas, cujo impacto pode realmente contribuir para o crescimento do Brasil diante deste momento histórico ímpar que atravessamos.
1. O Brasil ainda está fora do tom
É de tirar o chapéu o vício que o Brasil tem pela tragicomicidade que embala o enredo de nosso país desde que assim foi fundado. No gráfico acima, em um pequeno recorte de quase 40 anos de monitoramento do nosso PIB e do PIB Global, vemos um pseudo plot twist na década passada, 2001 a 2010, momento em que o crescimento brasileiro acompanhou lado a lado o desempenho mundial. Para quem não lembra, foi a fase em que todos pensávamos estar ricos. Pois é, não estávamos!
Atualmente, como citam Luiz Alberto Machado e Paulo Galvão Júnior, em sua matéria de nome sugestivo, Mais uma década perdida no Brasil, o que temos hoje para resolver são esses "números" aqui:
13 milhões de desempregados; 93 tributos; 5.133 trilhões de reais em dívida pública bruta; 63,3 milhões de consumidores inadimplentes e 63.880 homicídios por ano.
Números que garantem, ainda mais, a manutenção da maior mazela brasileira: A desigualdade social, o verdadeiro solo pobre em que não cansamos de semear os nossos sonhos como nação. O samba de uma nota só que não cansamos de cantar, década após década.
2. Samba só ou Samba Junto
É desafio para toda democracia contemporânea buscar o equilíbrio (ou simplesmente minimizar a instabilidade inerente) entre LIBERDADE X IGUALDADE.
Dilema há muito discutido por liberais, neoliberais, progressistas, conservadores, marxistas, facistas, nazistas e todos os rótulos político-econômico-ideológicos que passaram pelo século XX e que, agora, chegando ao fim da segunda década do século XXI, parecem ter voltado com força total para a "avenida".
Milhares de brasileiros parecem tocar um samba-enredo um pouco fora do compasso daquele que parecia sambar o mundo e, ao que parece, sob acordes de intolerância e em ritmo de fake news. O curioso é que tanto o Brasil quanto uma parte considerável dos "países civilizados", parecem desfilar harmonicamente em desarmonia com o que chamávamos, outrora, de aldeia global.
Pelo o que tem sido visto, alguns foliões vem optando por esquadrinhar o mundo atual pela lente da bipolaridade ou pelo viés do "NÓS CONTRA ELES". Uma forma limitada de ver um mundo cada dia mais sistêmico e conectado, populoso e acelerado, complexo e diverso, cuja as nuanças "teimam" em não se encaixar nos gabaritos que guiaram o século XX.
Não importa cor, partido político, país, região geográfica ou segmento econômico, o fato é que a INDIVIDUALIDADE está dando um "baile"na COLETIVIDADE.
E esta constatação se intensifica no Brasil, onde a maior parte dos líderes à frente das empresas e instituições com grande impacto na vida dos brasileiros, assim como considerável fatia da população economicamente ativa do país, estão em busca majoritariamente do seu sucesso individual e de seus pares, e o resto? O resto que se F#%*!
Trata-se, infelizmente, de um desfile horripilante da não cooperação, do desrespeito e da imaturidade humana que rende algumas boas piadas nos bares e na internet, quando não brigas com familiares e amigos, seja no almoço de domingo, seja em alguma mídia social da predileção dos passistas da ala do debate gratuito.
É o que deliberadamente eu chamo de imperícia heurística, o modelo mental que guia nosso carro alegórico pela avenida da pós-modernidade, bem pouco preocupado com o cronômetro e os juízes que seguem atentos para cada detalhe de nossas fantasias e adereços sociais.
Campanha contra o assédio no carnaval 2019 - Marina Person e Leandra Leal
Por "imperícia heurística", me refiro ao comportamento excessivamente individualista de lideranças políticas, econômicas e sociais brasileiras, às quais, diante de mudanças culturais e tecnológicas sem precedentes como as que estamos atravessando, acabam por enxergar o mundo pelas lentes obtusas de suas crenças e ignorância, quando não pela ótica da manutenção de seu conforto e privilégios, culminando em decisões limitadas, excludentes, corporativistas e de impacto desastroso a longo prazo aos futuros carnavais de nossas futuras gerações.
Logo, o fato é que aqui no Brasil não estamos sabendo lidar com as mudanças de nosso tempo, até aí tudo bem, é complicado mesmo fazer isso. Contudo, também não estamos atentos, nem sabendo fazer a arte de inventar, de fazer descobertas, ciência que tem por objeto a descoberta dos fatos (Heurística), e isto já nos causa consequências bem dolorosas, escondidas por trás do número 1,1%, a nota final recebida pela a nossa Escola de Samba Brasil em 2018.
3. Os mitos que regem a bateria de nossa escola
Toda cooperação humana em grande escala […] se baseia por mitos partilhados que só existem na imaginação coletiva das pessoas
Yuval Harari
Harari, em seu livro Sapiens - uma breve história da humanidade, discorre com maestria a epopéia humana na Terra, em especial, sobre a "vitória evolutiva" do Homo Sapiens sobre as demais espécies humanas que coexistiam com ele entre o período Paleolítico e o Neolítico.
Charge de Dan Piraro
Tal vitória se deu pela capacidade dos Sapiens em criar histórias, ou melhor, mitos que explicam e interferem na realidade, somado à capacidade de criação de sistemas de escrita que possibilitaram a transmissão assertiva desses mitos de geração em geração, permitindo com que os Sapiens, não 50, 100 ou 500, mas milhares e milhões deles, se unissem e cooperassem na construção de cidades, templos, fazendas, países, empresas e todas as formas complexas de organização que caracterizam o que chamamos até hoje de humanidade.
Mitos como deuses, direitos humanos, constituição, Estado, pessoa jurídica e todos os outros que garantem nossa civilidade, são a base de um sistema de organização social complexo e capaz de realizar coisas fabulosas. Por vezes, coisas execráveis também são realizadas com base em mitos não tão nobres assim, porém tão sofisticados quanto os que aspiram ao bem comum. Raça superior, ausência de alma, escolhidos de Deus, esquerdopatas, bolsominios, são gradações de um mesmo mito que assola a espécie humana: a desigualdade natural.
4. O mito da colaboração brasileira
Quando buscamos formas para justificar ou empreendemos esforços para manter a desigualdade entres as pessoas, neste caso serei mais específico, entre nós brasileiros, estamos partilhando do mito da desigualdade natural. Ele até parece possuir evidências claras que, para uma pessoa desatenta, poderiam corroborar a ideia de que não temos muito o que fazer para melhorar a vida das pessoas, pois elas sempre terão motivações e comportamentos distintos e isto resulta em diferenças inevitáveis de renda, conhecimento e condição de vida.
Contudo, países bem sucedidos sócio-economicamente que, apesar de uma longa história de exploração e vantagens comerciais ao longo dos séculos, ao se depararem com resultados econômicos ruins ou aquém de sua potencialidade como nação, também se viram pressionados a transformar suas matrizes sociais e econômicas, adotando a colaboração em diversas frentes da sociedade, inclusive na política, ou melhor, especialmente na política. Disto resultaram reformas não somente econômicas, como também sociais, expressas por melhorias na educação, na forma de organização e relação entre as pessoas.
Mobility Hack Lisbon - Novembro/2018
É na virada do século XX, após o movimento mundial da Qualidade Total e a febre das empresas .com, que os países presentes atualmente no ranking mundial de inovação elaborado pela Universidade de Cornell, pela escola de negócios Insead e pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), estenderam seus investimentos para além do ensino, pesquisa e extensão científicas e do desenvolvimento tecnológico, chegando ao nível do capital humano e os diversos mecanismos de colaboração que viabilizam a inovação como mindset social e econômico de um povo.
Thomas Kuhn, em seu livro A estrutura das revoluções científicas, ratifica a assertividade desse caminho ao afirmar que "a ciência avança pelo surgimento de novos paradigmas, isto é, novas formas de explicar os fatos e o mundo, promovendo saltos à frente. [...] A mudança em si é revolucionária, pois altera um conjunto já estabelecido de premissas."
Integrantes de uma escola de samba tentam colocar o carro de volta à avenida
Então, por que não enfrentarmos esses novos paradigmas com base em novas premissas? Por que não difundirmos e vivenciarmos o Mito da Colaboração no Brasil? Sim, nas escolas, nas empresas, nas cidades e nos gabinetes de nossos governantes, o que acham? Parece loucura, não é mesmo? Porém, é nesta simples ideia que reside a possibilidade de inovação mais disruptiva que este país poderia viver em seus 519 anos de existência. Afinal, que "Brasis" poderiam ser modelados a partir de processos humanos mais colaborativos e menos impositivos dos que os que regem a nossa sociedade atualmente?
Certamente muitos e bem melhores do que o Brasil de hoje, com apenas 1,1% de possibilidades...
Bem, espero ter provocado em você alguns novos insights com este texto, uma singela opinião de um folião da Escola de Samba Brasil, esperançoso com a evolução de nosso samba-enredo na avenida do tempo, comprometido com a campanha para transformar a COLABORAÇÃO HUMANA em tema campeão de muitos e muitos carnavais que ainda teremos pela frente.